Desenvolvimento local sustentável: gestão e participação

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Desenvolvimento local sustentável: gestão e participação
Foto: Wolfgang Rattay/Reuters

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Raquel Lucena Paiva


18 de agosto de 2024

Planejamento, capacidade técnica, vontade política e orçamento adequado se constituem como fundamentos sem os quais não é possível implantar uma gestão ambiental municipal de qualidade

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Qual o papel dos municípios na sustentabilidade ambiental? Como conciliar a agenda econômica e ambiental? O conceito de desenvolvimento sustentável foi construído, justamente, dentro do esforço de conciliação entre os objetivos de sustentabilidade ambiental e desenvolvimento econômico, que até então dividia o debate relacionado às questões ambientais entre os apoiadores da preservação e os defensores do progresso.

A defesa do desenvolvimento sustentável foi fortemente articulada na arena ambiental mundial a partir da Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento, realizada no Rio de Janeiro, em 1992, a Rio-92. O tom, as agendas e os enquadramentos da conferência representaram uma virada na interpretação dos problemas ambientais nas arenas das Nações Unidas visto que, na Conferência de Estocolmo, que ocorreu em 1972 na cidade sueca, o crescimento populacional e econômico foi evidenciado em seus limites e apresentado como problema ambiental.

Atuação positiva a partir dos princípios do desenvolvimento sustentável pode favorecer ganhos socioambientais e econômicos

Embora os esforços para conciliar os interesses econômicos com o cuidado ambiental tenham aberto canais de diálogos, pautas importantes, avanços nas políticas ambientais e nas discussões sobre meio ambiente, o desenvolvimento sustentável é um conceito bastante aberto, que tem sido criticado pela sua utilização em contextos nos quais as ações propagandeadas não vão muito além da já conhecida “maquiagem verde” (no mesmo sentido da expressão em inglês greenwashing). Porém, até mesmo as iniciativas menos demagógicas de adaptação do desenvolvimento econômico à conservação ambiental costumam esbarrar em limitações e interesses, diante dos quais o debate não avança para pautas que coloquem em xeque a expansão econômica, mesmo diante de prejuízos ambientais. 

No nível local, as contradições do discurso do desenvolvimento sustentável se tornam evidentes quando se projetam empreendimentos com alta potencialidade de causar danos socioambientais, mas que são defendidos pelas promessas relacionadas ao desenvolvimento econômico, tais como geração de empregos e aumento na arrecadação. Em contextos de empreendimentos de alto risco ou impacto, as instâncias municipais, com frequência, são pressionadas, com base nesses argumentos econômicos e sociais, a abrir as portas para tais iniciativas. Porém é necessário ter atenção para as complexidades de fatores que envolvem a implantação desse tipo de projeto porque mesmo dentro de uma avaliação limitada aos fatores econômicos, os ganhos podem ser menores que as novas despesas provenientes de expansão e manutenção de infraestruturas de saneamento e logística e até mesmo pelo aumento na demanda por atendimento de saúde e de ocorrências policiais.

Por outro lado, se os gestores municipais levarem em consideração a fundamentação sobre a qual se constrói o conceito de desenvolvimento sustentável, que considera os fatores ambientais, sociais e econômicos das atividades, poderá estimular as atividades que promovam o bem-estar imediato e no longo prazo, fundamentando a economia municipal em bases mais estáveis. Ou seja, uma atuação positiva a partir dos princípios do desenvolvimento sustentável pode favorecer os ganhos socioambientais e econômicos.

Evidentemente, esse nível local é bastante diverso, municípios podem circunscrever uma metrópole ou um território predominantemente rural, com diferentes tipos de problemas e potencialidades ambientais. Algumas das atribuições centrais do município, porém, são comuns a todos os perfis e consolidam as bases que qualquer projeto municipal de sustentabilidade precisa ter para garantir alguma eficácia: zoneamento territorial, saneamento, gestão de resíduos sólidos e educação ambiental, citando apenas os mais centrais. 

Cumprir com essas atribuições é o básico para uma trajetória de desenvolvimento local sustentável e ainda não é uma realidade predominante no Brasil, afinal, muitos municípios não contam com um plano municipal de resíduos sólidos, por exemplo. E o planejamento precisa ir muito além para garantir a execução de uma boa política ambiental, portanto o Plano Municipal de Meio Ambiente é fundamental e para colocá-lo em execução é necessário uma equipe bem preparada e bem dimensionada para as demandas do município.

Planejamento, capacidade técnica, vontade política e orçamento adequado se constituem como fundamentos sem os quais não é possível implantar uma gestão ambiental municipal de qualidade, porém um fator menos técnico e de fundamental importância para a sustentabilidade socioambiental é a participação popular. A legislação ambiental brasileira se destaca por prever institucionalmente essa participação

A implantação do conselho municipal de meio ambiente é a base institucional para garantir a participação, que deve ser representativa dos diferentes segmentos da sociedade civil. Porém, não basta a formalização para garantir uma verdadeira participação e esse é realmente um grande desafio, tanto no sentido de garantir uma participação representativa como em conciliar os diferentes interesses, opiniões e bases culturais que deverão estar presentes nos conselhos. Mas o esforço é necessário porque nenhuma política ambiental alheia à participação será eficaz e justa na garantia dos direitos e perspectivas de todos. A instância municipal é uma arena fundamental de participação porque é onde existe a possibilidade de se chegar a uma capilaridade muito difícil de se alcançar nas instâncias estaduais e federal.

É a partir de uma base sólida, com fundamentos institucionais bem estabelecidos e com participação popular que se pode trabalhar com criatividade e inovação para criar novas possibilidades econômicas, estimulando o desenvolvimento local que colabore com uma maior autonomia e diversidade econômica, social e de identidades no nível municipal. Seja para pensar em parques e áreas verdes que atendam às demandas sociais e ambientais ou para avaliar os impactos de um grande empreendimento ou para implantar uma coleta seletiva que funcione, a política ambiental precisa ser bem fundamentada e participativa para que a coletividade local possa dialogar, gerando soluções criativas e inovadoras. 

Raquel Lucena Paiva é doutoranda em ciências sociais pela Ufes (Universidade Federal do Espírito Santo), membro do Laboratório de Pesquisas em Política Ambiental e Justiça e do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas para o Desenvolvimento Sustentável).

Esse artigo de opinião faz parte da série “O papel dos municípios no federalismo brasileiro”, produzido por pesquisadores do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), no âmbito das eleições municipais de 2024. 

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