Debate
Mariana Batista e Felix Lopez
Baixo número de prefeitas demonstra dificuldade de nossa democracia em representar minimamente características do eleitorado em cargos representativos e de poder e traz implicações para formulação de políticas públicas
Em outubro, os eleitores poderão escolher seus representantes políticos – prefeitos e vereadores – por meio de eleição direta. Eleitos, esses representantes poderão decidir sobre as políticas públicas locais que afetam diretamente a vida da população. A Constituição de 1988 tornou os municípios um ente da federação fundamental para a provisão de políticas sociais como saúde, educação, assistência social. Essas atribuições, que continuam crescentes, tornam os governos locais elo central para o bem-estar da população e nos convidam a pensar sobre quem são esses representantes, a quem representam e quais as implicações de nossas escolhas políticas. Trataremos aqui de uma das características: o sexo dos eleitos.
Quando subimos na hierarquia decisória, é menos provável encontrar mulheres
As mulheres são a maioria da população brasileira (51,5%), mas só uma em cada dez cidades elegeram prefeitas, em vez de prefeitos recentemente. A eleição de mulheres para o Executivo municipal ocorreu em 9,20% dos municípios em 2008, 12,1% em 2012, 11,9% em 2016 e 12,1% em 2020, como mostra o gráfico abaixo. O discreto aumento não altera muito o cenário de extrema sub-representação. As mulheres são ainda menos representadas nas prefeituras das regiões sul e sudeste do país, comparadas ao nordeste e ao norte. Nas mesmas quatro eleições mencionadas, houve crescimento discreto da representatividade nas regiões nordeste, norte e sul e redução nas regiões sudeste e centro-oeste, como mostram os outros gráficos.
Eleição nos municípios
Prefeitas eleitas por região do país
A sub-representação feminina nos governos municipais importa por duas razões principais. Demonstra a dificuldade de nossa democracia em representar minimamente características do eleitorado em cargos representativos e de poder. A segunda razão pela qual a sub-representação importa devem-se as implicações desta para as políticas públicas. Eleitas e eleitos têm poderes para influir e definir as principais políticas públicas locais, afetando diferentemente os subgrupos da sociedade. Pesquisas mostram que mulheres dão mais ênfase a políticas sociais e políticas voltadas para os direitos das mulheres, gerem melhor os recursos públicos e foram mais bem-sucedidas na gestão da pandemia de covid-19. Quando mulheres são sub-representadas nos governos locais, há efeitos concretos sobre os resultados de políticas públicas e o nível de bem-estar da população atendida.
Prefeitos e prefeitas mandam muito, mas dependem de dirigentes da burocracia local para formular e implementar as políticas públicas. A composição da burocracia dirigente é indiretamente afetada pelo resultado das eleições, uma vez que a maioria desses burocratas é escolhida pelos governantes locais. Com a indicação de secretários/as, diretores/as e coordenadores/as de órgãos voltados para políticas centrais na vida do cidadão, é razoável esperar que o perfil dos dirigentes afete o conteúdo e resultados das políticas.
Desde a redemocratização, as mulheres, que já eram maioria na administração municipal, aumentaram a presença de 51% para 66%. Contudo, quando subimos na hierarquia decisória, é menos provável encontrar mulheres. Na comparação entre homens e mulheres na ocupação de cargos das burocracias dirigentes locais em todo o país, as mulheres são maioria nos cargos com salários menores (e, infere-se, poderes), mas se tornam minoria no topo da pirâmide salarial (e de poder). Nesse sentido, as mulheres estão sendo preteridas na ocupação desses cargos de destaque, com efeitos sobre a desigualdade salarial no serviço público, mas também no poder decisório que as mulheres detêm nos governos locais.
Percentual de dirigentes na administração pública municipal por nível de salário e sexo
O mapeamento de mulheres e homens em cargos na burocracia dirigente municipal mostra que em 2014 as mulheres eram minoria somente no decil mais alto, ou seja, nos 10% com maior remuneração — e poder — entre dirigentes municipais. Nos períodos seguintes, a desigualdade se acentuou. Em 2022, as mulheres se tornaram minoria nos quatro decis mais altos, nos 40% com maiores salários, reduzindo seu espaço em mais estratos da elite do funcionalismo municipal. A sub-representação feminina também na burocracia dirigente importa porque a representatividade da burocracia, assim como nos cargos eletivos, têm se mostrado fundamental para o acesso aos serviços públicos por diferentes parcelas da população, reforçando direitos ou aumentando a desigualdade social.
Que as eleições de 2024 inspirem reflexões sobre a sub-representação das mulheres nos governos locais e o impacto desse desequilíbrio na qualidade dos serviços públicos, na eficácia das administrações e na integridade da própria democracia no nível municipal. Uma democracia partidária não vive só de partidos.
Mariana Batista é doutora em ciência política. Professora do Programa de Pós-Graduação em Ciência Política e do Mestrado Profissional em Políticas Públicas da Universidade Federal de Pernambuco. Pesquisadora do QualiGov.
Félix Lopez é doutor em sociologia, pesquisador do Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), membro do Qualigov e professor da EBAPE/FGV (Escola Brasileira de Administração Pública e de Empresas da Fundação Getulio Vargas), do IDP (Instituto Brasileiro de Ensino Desenvolvimento e Pesquisa) e da ENAP (Escola Nacional de Administração Pública).
Esse artigo de opinião faz parte da série “O papel dos municípios no federalismo brasileiro”, produzido por pesquisadores do QualiGov (Instituto Nacional de Ciência e Tecnologia Qualidade de Governo e Políticas Públicas para o Desenvolvimento Sustentável), no âmbito das eleições municipais de 2024.
Gratuita, com os fatos mais importantes do dia para você
Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.
Destaques