Debate
Compartilhe
Temas
Andressa Zanin Rovani
Ex-coach espelha na disputa em São Paulo a aversão feminina contra Bolsonaro em 2022 e é o primeiro candidato a prefeito em 20 anos a registrar grande disparidade entre o comportamento eleitoral de homens e de mulheres na maior cidade do país
Virilidade, submissão feminina, defesa de um modelo de família de séculos passados. Ao injetar testosterona em sua campanha e defender valores em franca decomposição, Marçal (PRTB) conseguiu se tornar em um mês o candidato preferido entre os homens, ainda que em empate técnico, e o mais rejeitado entre as mulheres na disputa pela Prefeitura de São Paulo.
Durante debate entre candidatos no início desta semana, o ex-coach fez questão de dobrar a aposta de sua estratégia abertamente misógina ao provocar uma das candidatas e afirmar que, se mulher votasse em mulher, ela ganharia ganhar no 1º turno. “A mulher não vota em mulher, mulher é inteligente.” Mulher pode não votar em mulher – apesar de as pesquisas indicarem que Tabata Amaral (PSB) tem uma taxa de intenção de voto muito maior entre elas – mas também não vota em Marçal, é preciso lembrá-lo. Feitas as contas, os dois candidatos estão, desde o início da campanha eleitoral, empatados tecnicamente entre as eleitoras.
Aversão feminina a certos candidatos está mais atrelada àqueles que projetam valores da extrema direita, no avesso do que acontece com o eleitorado masculino
Mais do que isso. Marçal é o primeiro candidato em 20 anos que conseguiu criar um fosso na intenção de voto entre eleitoras e eleitores na maior cidade do país. Essa divergência é de 11 pontos percentuais, segundo pesquisa Datafolha divulgada no fim de setembro*. Se o “efeito cadeirada”, especulado após uma cena de agressão durante outro debate, não pôde ser visto a olho nu nas intenções gerais de voto, parece haver algo aqui: a ampliação da diferença entre os votos feminino e masculino após o evento, ainda que numérica, chegou a 16 pontos percentuais e sugere que o episódio pode ter sido recebido de modo distinto entre homens e mulheres (únicos gêneros trabalhados pela pesquisa). Entre as eleitoras da capital paulista, a intenção de votar em Marçal oscilou negativamente naquela semana, passando de 13% para 12%. Já entre os homens, essa oscilação foi positiva, de 26% para 28% das intenções de voto em meados de setembro.
Agora, entre os homens, Marçal segue liderando numericamente a trinca de candidatos que se reveza no top 3, com 27% (contra 21% nas intenções gerais de voto); entre as mulheres, essa taxa oscilou no limite da margem de erro, para 16%, registrando esse abismo de 11 pontos. Essa diferença, em patamar inédito, atingiu nesta campanha a maior dimensão já vista ao longo de duas décadas entre candidatos com chances reais de chegar ao segundo turno na cidade.
DISPUTA DE 2024
Considerando as pesquisas de intenção de voto para prefeito de São Paulo feitas pelo Datafolha ao longo dos últimos 20 anos, Marçal é o candidato que provocou, até este momento, a maior discordância eleitoral entre homens e mulheres na capital paulista desde 2004, ao menos considerando-se os candidatos com chances de chegar ao segundo turno. É também a primeira vez desde 2004 que essa divergência está fora da margem de erro.
Na disputa anterior, em 2020, Covas (PSDB) era o candidato preferido das mulheres, e a diferença para o eleitorado masculino era de 4,4 pontos percentuais. Russomanno (Republicanos), que era então o primeiro colocado na corrida eleitoral, registrava diferença de 0,2. Em 2016, Russomanno também liderava a disputa sem divergências, mas, para seu opositor no segundo turno, as mulheres preferiam Marta (PMDB), e os homens, Doria (PSDB), candidato que concentrava uma diferença de 6,9 pontos percentuais entre o voto masculino (19,6%) e o feminino (13,7%). Naquele ano, Marta, que até então tinha índices de intenção de voto muito semelhantes entre os gêneros, inclusive em 2008 e 2004, viu parcela de seu eleitorado masculino migrar em 2016 para Doria.
Quatro anos antes, em 2012, as preferências eleitorais de homens e mulheres eram muito semelhantes: tanto Serra (PSDB) quanto Haddad (PT), empatados tecnicamente em segundo lugar, tinham 0,6 ponto percentual de divergências entre eleitoras e eleitores, com Russomanno na liderança e taxas idênticas de intenção de voto por gênero. Em 2008, então no DEM, Kassab registrava diferença de 3,7 pontos. E, se em 2004 homens e mulheres estavam alinhados em relação à candidatura do PT, a de Serra não era consenso, com diferença de 3,5 pontos. Esses dados levaram em consideração os candidatos mais bem colocados nas disputas em momentos semelhantes da corrida eleitoral. Todas elas, até o atual pleito, tinham as divergências flutuando dentro das margens de erro da pesquisa.
PREFEITURA
Avaliando um recorte no cenário simulado pelo Datafolha para segundo turno entre Boulos (PSOL) e Marçal divulgado em meados de setembro, a distância entre os sexos é consideravelmente amplificada: 56% das mulheres pretendem votar no psolista, enquanto 29% delas votariam no ex-coach. Já entre os homens essa distinção é mínima, 44% contra 43%, respectivamente.
Essa discrepância reflete na urna a disputa pela paridade de direitos entre homens e mulheres na sociedade brasileira. Ao adotar uma retórica reacionária de gênero, que reforça estereótipos da mulher enquanto restrita aos trabalhos de cuidado e do homem como provedor, Marçal atrai para si rejeição feminina semelhante à enfrentada por Jair Bolsonaro (PL), apesar de não ser ele o candidato à prefeitura escolhido pelo ex-presidente. Neste mesmo período da disputa presidencial de 2022, considerando apenas os eleitores da capital paulista, Bolsonaro provocava uma diferença de 9,3 pontos percentuais entre a intenção de voto de homens (31,4%) e mulheres (22,1%), consideravelmente menos do que Marçal hoje. Comparando-se com seu principal oponente, Lula (PT), essa diferença era de apenas 2,5 pontos percentuais. Já o Marçal de 2022, que concorria sem alarde à Presidência pelo PROS, tinha 0,4% das intenções de voto entre os homens e a mesma taxa entre mulheres, antes de ter sua candidatura barrada pelo próprio partido.
Esse pode ser um indicativo de que a aversão feminina a certos candidatos está mais atrelada àqueles que projetam valores da extrema direita, no avesso do que acontece com o eleitorado masculino. Sugere ainda que a repulsa que distingue o voto feminino do masculino não se restringe ao ex-presidente, mas também a quem emula seu perfil. O cenário revelado por esses dados parece ser de que, para ampliar a adesão dos eleitores homens a uma candidatura, a escolha do candidato de extrema direita seja por desdenhar da maioria absoluta da população — ou 54% de quem vota na cidade — uma estratégia com riscos claros e, agora, com o indicativo de que pode haver algum padrão entre o nacional e local no comportamento eleitoral de homens e mulheres.
Assim, a adoção de uma estratégia mais agressiva e de maior aproximação com posições bolsonaristas na tentativa de conquistar eleitores homens parece ser a melhor receita para manter distante o eleitorado feminino. E são elas, até o momento, um dos principais empecilhos para o projeto do candidato do PRTB à prefeitura de São Paulo.
Andressa Zanin Rovani é jornalista, doutoranda em ciência política na Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) e pesquisadora do Observatório das Eleições 2024, iniciativa do INCT IDDC (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação).
*Pesquisa Datafolha registrada na Justiça Eleitoral sob o código SP-03842/2024.
Este artigo faz parte das análises produzidas pelo Observatório das Eleições 2024, iniciativa do INCT IDDC (Instituto da Democracia e da Democratização da Comunicação).
Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.