Coluna

Reinaldo Moraes

Depois da tempestade

04 de janeiro de 2017

Temas

Compartilhe

Me ocorre agora que o meu infortúnio idiota é uma metáfora natural do que ocorre hoje no Brasil, pra não dizer no mundo

Diz o ditado que, depois da tempestade, vem a bonança. Mas pude ver com meus próprios olhos que depois da tempestade o que vem é a bagunça, especialmente se você deixou as janelas do seu apartamento abertas ao sair de casa num desses dias abafados de verão, com nuvens enfezadas comendo o firmamento pelas bordas, a indicar tempestade à vista.

Ao voltar pra casa à noite, constatei que a ventania aquática tinha botado tudo que não pesa mais de uma tonelada de pernas pro ar: papéis, livros, quadros, luminárias e um sem-número de pequenos itens da decoração. E tudo devidamente encharcado pela chuva, o que incluía tapetes, sofás, poltronas, cortinas e camas.

“O horror tem uma cara”, suspirou o tresloucado Coronel Kurtz, vivido por Marlon Brando em “Apocalipse Now”, o filme genial de Francis Coppola. E a cara do horror naquela noite era a visão do meu apartamento devastado pela tempestade.

O que eu aprendi com isso, além de que é de lei fechar as janelas antes de sair de casa, sobretudo no verão? Nada que eu já não soubesse. O que é que se pode aprender com os pequenos desastres que engolfam nossa vidinha cotidiana? Nada vezes nada. Só te resta lamentar a má sorte, imprecar contra a fúria dos elementos e, eventualmente, desejar não ter nascido. E olha que me refiro aqui apenas a prejuízos materiais de pouca monta e à trabalheira danada que dá botar a casa em ordem depois da visita de uma típica tempestade de verão.

Me ocorre agora que o meu infortúnio idiota é uma metáfora natural do que ocorre hoje no Brasil, pra não dizer no mundo. Depois da tempestade Dilma, sobreveio a bagunça Temer, com ministros corruptos entrando e saindo de seus ministérios com uma taxa de rotatividade própria de quarto de prostíbulo barato. Vivemos hoje à matroca, sujeitos à bandidagem crônica dos políticos e administradores públicos brasileiros, a qual enseja níveis de incompetência e precariedade dos serviços providenciados pelo Estado poucas vezes superados na história do país.

Reinaldo Moraesestreou na literatura em 1981 com o romance Tanto Faz (ed. Brasiliense) Em 1985 publicou o romance Abacaxi (ed. L&PM). Depois de 17 anos sem publicar nada, voltou em 2003 com o romance de aventuras Órbita dos caracóis (Companhia das Letras). Seguiram-se: Estrangeiros em casa (narrativa de viagem pela cidade de São Paulo, National Geographic Abril, 2004, com fotos de Roberto Linsker); Umidade (contos , Companhia das Letras, 2005), Barata! (novela infantil , Companhia das Letras, 2007) , Pornopopéia (romance , Objetiva, 2009) e O Cheirinho do amor (crônicas, Alfaguara, 2014). É também tradutor e roteirista de cinema e TV.

Os artigos publicados pelos colunistas são de responsabilidade exclusiva de seus autores e não representam as ideias ou opiniões do Nexo.

Navegue por temas