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O histórico e os dados de abuso infantil no Brasil

Suzana Souza e Aline Pellegrini

23 de maio de 2024(atualizado 23/05/2024 às 21h37)

País ainda sofre com subnotificação de crimes. Caso registrado em 1973 motivou criação de políticas públicas de combate à exploração sexual de crianças e adolescentes

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Maio é o mês de combate ao abuso e à exploração sexual de crianças e adolescentes no Brasil. Estudo produzido pela Fundação Abrinq mostra que entre 2012 e 2022 a proporção de crianças e adolescentes com menos de 19 anos vítimas de violência sexual se manteve no mesmo patamar. O Durma com Essa desta quinta (23) apresenta outros dados do levantamento e conta sobre o crime de 1973 que motivou a criação de políticas públicas de proteção às crianças e aos adolescentes. O episódio também tem a participação de Pedro Bardini e Ludmilla Rios falando sobre o vídeo que fez “Memórias póstumas de Brás Cubas” viralizar nos Estados Unidos.  

 

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Edição de áudio Brunno Bimbati

Produção de arte Lucas Neopmann

Colaboração Isadora Rupp

Transcrição do episódio

Suzana: Um crime que o Brasil tem dificuldade de baixar suas taxas, mas que ainda sofre com subnotificação. Um crime que causa sequelas duradouras para suas vítimas. Um crime muitas vezes praticado dentro de casa, por pessoas que deveriam proteger essas vítimas. Eu sou a Suzana Souza e este é o Durma com Essa, o podcast de notícias do Nexo.

Aline: Olá, eu sou Aline Pellegrini e tô aqui com a Suzana pra apresentar este podcast que vai ao ar de segunda a sexta, todo começo de noite, sempre com notícias que podem continuar a ecoar por aí.

[trilha de abertura]

Suzana: Quinta-feira, 23 de maio de 2024. Mês dedicado ao Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil contra Crianças e Adolescentes. Crimes que assolam o país nas mais diversas regiões e contextos sociais. Crimes que deixam sequelas duradouras na vida dessas vítimas. Crimes cuja incidência segue alta no Brasil, como mostra o estudo da Fundação Abrinq, publicado neste mês de maio. Em uma década, a proporção de crianças e adolescentes com menos de 19 anos que foram vítimas de violência sexual se mantém no mesmo patamar no país. 

Aline: O estudo mostra que, de 2012 a 2022, em média, 74% das notificações de abuso sexual envolveram crianças e adolescentes. A Abrinq analisou dados do Sinan, que é o Sistema de Informação de Agravos de Notificação do Ministério da Saúde. Esse sistema monitora entre outros a violência sexual. A fundação usa a idade de 19 anos pra arredondar os dados, já que é considerado adolescente quem tem até 18 anos e 364 dias.

Suzana: O estudo da Abrinq aponta que as notificações ao Sinam sobre violência sexual aumentaram 161% de 2012 a 2022. Em 2012, foram feitas cerca de 17 mil notificações de violência sexual de crianças e adolescentes de até 19 anos. Em 2022, foram mais de 45 mil. 

Aline: A pesquisa calculou a proporção entre o número geral de notificações de violência sexual com as notificações de casos de violência sexual entre crianças e adolescentes. O que se manteve estável, portanto, foi a proporção desses menores de 19 anos vítimas de abusos. 

Suzana: O único período da série com queda nas notificações foi entre 2019 e 2020. Segundo a análise, a pandemia de covid-19 é a principal explicação, por causa da redução dos serviços públicos pra denúncias e necessidade de isolamento social. 

Aline: Mas a subida das notificações ano a ano pode ser lida de maneira positiva, porque significa que mais denúncias estão sendo feitas num país onde a subnotificação historicamente é um problema. Foi isso que explicou ao Nexo a advogada Luciana Temer, que é professora de direito constitucional e presidente do Instituto Liberta, uma organização que se dedica ao enfrentamento da violência sexual contra crianças e adolescentes. 

[áudio Luciana Temer]

O aumento do número de casos, na minha leitura, no que tange a violência intrafamiliar, é uma boa notícia. Para nós, mais registros significa a retirada da invisibilidade dessa violência

Suzana: O Anuário Brasileiro de Segurança Pública também aponta para um cenário de aumento de crimes envolvendo crianças e adolescentes. Segundo o levantamento de 2023, houve uma alta de 16% nos casos de exploração sexual infantil em relação a 2022. 

Aline: E daí tem um aspecto já conhecido, mas ainda assim desolador, que é o fato de que a maioria dos casos de abuso e violência acontecem dentro de casa. Segundo o estudo da Fundação Abrinq, 69% dos episódios analisados em uma década foram cometidos por pessoas que conheciam e tinham relação próxima com as vítimas, pessoas que deveriam protegê-las. 

Suzana: Existe ainda uma recorrência nos abusos. A maioria das crianças e adolescentes é vítima por mais de uma vez. O instituto frisa que  “os dados da série histórica indicam, primeiro, a dificuldade do país em proteger os mais jovens deste tipo de violência e, segundo, o caráter de vulnerabilidade dessa parcela da população frente a essa agressão”.

Aline: Na tragédia climática que atinge o Rio Grande do Sul, casos de abuso e violência sexual contra meninas e mulheres ocorreram dentro dos abrigos. Pelo menos 11 pessoas foram presas. Após os casos virem à tona, o estado montou abrigos exclusivos para mulheres e crianças. Os abusadores, em sua maioria, conheciam as vítimas. 

Suzana: Em 2020, uma pesquisa do Instituto Liberta em parceria com o Datafolha mostrou que 32% das pessoas, de todas as classes sociais, sofreram alguma violência sexual antes dos 19 anos. Desse total, apenas 11% denunciaram. 

Aline: E como a gente disse antes, os perfis das vítimas são diversos e tão em vários contextos sociais. A média nacional mostra que mais de 70% das vítimas têm menos de 19 anos de idade. Mas existem regiões onde essa proporção é ainda maior, como no Norte do país, onde 90% dos casos são contra crianças e adolescentes. Também têm altas proporções a região Sul, com 78%, e o Centro-Oeste, com 75%. 

Suzana: Outro dado é em relação ao gênero dessas vítimas. A maioria dos casos registrados são de meninas, com mais de 87%. Meninos somam 12% das vítimas. Em números absolutos, em 2022, por exemplo, foram 105 notificações por dia envolvendo meninas, e 15 envolvendo meninos. Só que essa disparidade entre os gêneros tem uma questão importante ressaltada pela Luciana Temer. 

[áudio Luciana Temer]

Os números trazem uma lógica para a gente refletir: de que crianças são objetos que pertencem às famílias, então eu faço com a criança o que eu quiser. Tenho convicção absoluta de que, apesar de a violência contra meninas ser maior, o número de registro de meninos é ainda mais subnotificado. Justamente porque somos um país machista, e o silêncio é ainda maior. Então a gente tá falando de uma cultura permissiva e o silêncio perpetua essa violência. 

Aline: Um outro dado da pesquisa da Fundação Abrinq é em relação à raça e cor das crianças e adolescentes vítimas de abuso. Os pretos e pardos correspondem a cerca de 57% das vítimas, enquanto os brancos e amarelos são 35%. A líder de programas e projetos sociais da instituição, Michelly Antunes, afirmou ao Nexo que esse dado escancara o racismo estrutural brasileiro. E pra ela, além do racismo, os dados gerais, sem recortes por raça ou gênero, deixam claro que existe uma falha do Estado brasileiro na proteção de crianças e adolescentes, embora seja um tema complexo de se tratar, por conta da dimensão intrafamiliar. 

[mudança de trilha]

Suzana: No dia 18 de maio de 1973, a menina Araceli Cabrero Crespo, de oito anos, desapareceu após deixar a Escola São Pedro, na Praia do Suá, em Vitória, capital do Espírito Santo, para pegar um ônibus até sua casa. Ela foi raptada, estuprada, drogada e morta. Seis dias depois, o corpo da menina foi encontrado em uma mata, atrás do Hospital Infantil da cidade.

Aline: Três empresários de famílias influentes do Espírito Santo foram denunciados como autores do crime: Paulo Helal, Dante Brito Michelini e seu pai, Dante de Barros Michelini. Em 1980, os réus foram condenados, mas uma nova sentença em 1993 os absolveu e o processo foi arquivado.

Suzana: A investigação do crime foi marcada por informações desencontradas, divergências entre pessoas que atuaram no inquérito e contradições em depoimentos. A história foi retratada no livro “O Caso Aracelli: Mistérios, Abusos e Impunidade”, dos jornalistas Felipe Quintino e Katilaine Chagas, lançado pela Alameda Editoral. Os autores tiveram acesso inédito ao processo judicial, de 12 mil páginas.

Aline: Por causa da mobilização em torno do caso, os direitos da criança e do adolescente começaram a ser mais debatidos no país. Na Constituição Federal de 1988, o artigo 277  diz que é dever da família, da sociedade e do Estado assegurar, com absoluta prioridade, todos os direitos das crianças e adolescentes, e colocá-los a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, violência e opressão.

Suzana: Quase duas décadas depois do crime, em 1990, foi publicado o ECA, o Estatuto da Criança e do Adolescente, um conjunto de normas jurídicas para proteção dos dois grupos, considerado um marco dos direitos humanos. No ano 2000, a Lei 9.970  instituiu o Dia Nacional de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual de Crianças e Adolescentes, em 18 de maio, para marcar o caso Araceli e realizar ações de conscientização ao problema da violência contra crianças. Desde 2022, o mês de maio se transformou no Maio Laranja, com o intuito de estender ações de combate à violência sexual para todo o mês.

Aline: Ações essas que, em sua grande maioria, são de conscientização pra identificação desses crimes. Michelly Antunes, da Fundação Abrinq, afirmou ao Nexo que um dos pontos principais é que exista a compreensão de que a violência e o abuso sexual muitas vezes acontecem de forma não violenta, em uma forma de sedução e aproximação com a criança e o adolescente, a partir do desconhecimento e da vulnerabilidade deles. É importante, portanto, que haja diálogo, pra que as crianças e adolescentes entendam que há algo de errado e comuniquem para pessoas de confiança.  

Suzana: Livros e filmes que despertam desconforto e percepções de coisas que não devem ocorrer são boas maneiras de tratar com crianças sobre o assunto, segundo a Luciana Temer, sem necessidade de falar diretamente sobre sexo ou violência. No caso de adolescentes, conversas francas são mais eficazes. 

Aline: Do lado dos cuidadores, é importante reconhecer os sinais emitidos pela vítima. Segundo a Fundação Abrinq, é preciso ficar atento a mudanças comportamentais repentinas e alteração no rendimento escolar. Além de conhecimento e atitudes sexuais incompatíveis com a idade, hematomas e automutilação, infecções urinárias recorrentes ou infecções sexualmente transmissíveis. Outros sinais como distúrbios de sono, transtornos alimentares e masturbação frequente e compulsiva também podem indicar relação com abuso.

Suzana: O canal oficial para denunciar violência sexual contra crianças e adolescentes é o Disque 100. Também é possível procurar equipamentos da cidade, como o Conselho Tutelar, a Vara da Infância e da Juventude, o Ministério Público, o CRAS, o Centro de Referência da Assistência Social, ou a Polícia Militar.  

Aline: O Durma com Essa volta já.

[trilha redação]

Aline: Memórias Póstumas de Brás Cubas, célebre obra de Machado de Assis, está em primeiro entre os mais vendidos na Amazon americana. O Pedro Bardini e a Ludmilla Rios explicam essa história. Pedro, por que o livro tá tão hypado nos Estados Unidos?

Pedro: É graças ao TikTok. O livro ficou em alta depois que a “booktoker” Courtney Henning Novak postou um vídeo que viralizou na rede. No post, ela conta que “Memórias Póstumas” virou seu novo livro favorito, explica o motivo para isso e ainda recomenda fortemente a leitura. Courtney recebeu mais de 800 mil likes no TikTok. Os que ficaram curiosos para ler foram atrás da tradução inglesa no site da Amazon.

Aline: E Ludmilla, vocês escreveram sobre outros livros resenhados pela Courtney, né?

Ludmilla: Sim, a Courtney está fazendo um desafio de ler um livro de cada um dos 197 países do mundo. Como é em ordem alfabética, antes de chegar ao Brasil, ela já passou por mais de 20 livros de países que começam com as letras A e B. Dentro dessa lista, nós separamos algumas indicações de obras que já existem em português. No texto que a gente escreveu você encontra desde títulos do leste e centro europeu até da região do Caribe, América do Sul e África. Dentre os autores, dois são premiados pelo Nobel de literatura e um é ganhador do Prêmio Camões, a maior condecoração atual para escritores de língua portuguesa. É um material interessante para quem gosta de conhecer obras de lugares e culturas diferentes. 

Aline: Você pode ler o texto completo do Pedro e da Ludmilla em nexojornal.com.br. 

Suzana: Do mês de Combate ao Abuso e à Exploração Sexual Infantil contra Crianças e Adolescentes ao tiktok que viralizou Brás Cubas nos Estados Unidos, durma com essa. 

Aline: Com roteiro, produção e apresentação de Suzana Souza, roteiro de Isadora Rupp, apresentação e edição de texto de Aline Pellegrini, participação de Pedro Bardini e Ludmilla Rios, produção de arte de Lucas Neopmann e edição de áudio de Brunno Bimbati, termina aqui mais um Durma com essa. Amanhã é dia de Extratos da Semana, quando a gente traz pra você um resumo das principais notícias dos últimos dias. Até!

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