Há algo de novo no novo zoneamento de SP?

Ensaio

Há algo de novo no novo zoneamento de SP?
Foto: Paulo Whitaker/Reuters

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Paula Santoro


20 de dezembro de 2015

A nova lei de uso do solo da capital paulista não avançou em relação a iniciativas anteriores

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Enquanto a pauta política e midiática concentra-se no cenário federal, há um pacote de leis que incidem sobre o território em debate na Câmara de Vereadores de São Paulo, dentre elas um novo zoneamento para a cidade de São Paulo. Ainda muito complexo e detalhado, o projeto de lei substitutivo elaborado pelos vereadores foi aprovado em primeira votação nesta semana.  

O substitutivo não avançou em relação aos zoneamentos anteriores. Primeiro, considerando o processo de construção, não descentralizou o debate, que foi feito sempre olhando o município como um todo, o que resultou numa proposta para um território muito descolada das especificidades das subprefeituras. Não estabeleceu metas para cada pedaço da cidade, para que pudessem ser trabalhadas nos bairros, reconhecendo processos de cartografias e planos que já aconteciam nos bairros, mas descolados de uma visão sistêmica de cidade. Precisamos qualificar o processo participativo, e não apenas aumentar o número de audiências públicas, respondendo a um checklist de como fazer, frequentemente apresentado em número de eventos, pessoas, inserções na mídia e internet.

Cheio de boas intenções e qualidades técnicas, ele exige um exército na fiscalização para evitar burlas, e um exército fiscalizando a fiscalização para evitar corrupção

Segundo, porque não trouxe revisões profundas de conteúdo, continua muito   complexo, e ainda, pode ser uma ameaça em relação às conquistas obtidas no Plano Diretor Estratégico recém aprovado em 2014. Explico. 

Desde 1972 São Paulo tem uma lei de zoneamento que diz o quanto é possível construir e quais os usos que os imóveis podem ter em cada pedaço da cidade. Com o tempo, ela foi sendo alterada e chegou a ter mais de 76 tipos de zonas de uso, um convite para construir irregularmente, já que ninguém entendia o que podia se fazer no seu terreno, ou mesmo, à corrupção, pois se dissessem que o proprietário não fez o que deveria ter feito, era possível que ele acreditasse. 

O zoneamento em debate também é muito complexo. Embora seja acessível (é possível baixar seus arquivos pela internet), para saber o que pode fazer no seu terreno é preciso olhar o mapa de zonas, cruzar com os quadros que informam sobre os usos e os parâmetros de quanto e como se pode construir, calcular a Cota Ambiental que qualifica as áreas verdes internas ao lote, e por fim, entender quais os parâmetros de incomodidades que, dentre outros, não permitem que usos barulhentos se instalem em áreas residenciais. Certamente não será uma tarefa fácil. Cheio de boas intenções e qualidades técnicas, ele exige um exército na fiscalização para evitar burlas, e um exército fiscalizando a fiscalização para evitar corrupção.

É possível identificar retrocessos neste substitutivo em relação ao Plano Diretor Estratégico de 2014 e ao projeto de lei encaminhado pela Prefeitura

Até não possui um número tão grande de zonas, mas estas são mais diferenciadas nos bairros de elite, com vários tipos e restrições específicas de uso, enquanto que os bairros de classe média configuram uma grande Zona Mista presente em toda a cidade e praticamente indiferenciada: é o mesmo zoneamento para uma parte de Ermelino Matarazzo, parte do Butantã e do Tatuapé, como se tivessem as mesmas características! Este detalhamento “diferenciado” para as elites reflete o debate nas audiências públicas que davam a entender que os problemas centrais de São Paulo restringem-se à possibilidade de diminuir a qualificação urbana dos bairros de elite. Oi? 

O fato do debate até agora não ter sido socialmente mais diverso credito ao fato de que algumas conquistas importantes já tinham sido obtidas no Plano Diretor Estratégico de 2014 (PDE), e o zoneamento não era visto como uma ameaça a elas. Por exemplo, houve avanços em relação à produção de moradia popular, com aumento de reserva de terras para habitação de interesse social, conhecidas como ZEIS, e recursos carimbados do Fundurb para se fazer moradia popular. Ou mesmo, retrocessos tinham sido evitados, como a possibilidade de se fazer um aeroporto em área com meio ambiente preservado, em região de proteção de mananciais para o abastecimento de água potável (está faltando água! Precisamos deixar espaços para se produzir água boa para beber!). 

Agora parece que as ameaças voltaram novamente à baila e é possível identificar retrocessos neste substitutivo em relação ao Plano Diretor Estratégico de 2014 e ao projeto de lei encaminhado pela Prefeitura.  

Dentre as mudanças feitas pelos vereadores, estão mudanças nas áreas de ZEIS, inclusive com diminuição de perímetros, difíceis de serem avaliadas neste curto prazo entre a publicação do substitutivo e sua primeira votação. 

Há recuos em relação à proposta da Prefeitura de regrar bem o parcelamento do solo. O substitutivo abre brechas para que o privado que venha a fazer um novo loteamento não tenha que doar terreno para áreas verdes, ou a possibilidade de redução do percentual de área pública a ser doada. Esta regra, quando aplicada no passado possibilitou, dentre outros, a criação de diversos parques em São Paulo, como é o caso do Parque da Aclimação. Já pensou se, a cada novo loteamento, ganhamos uma área verde? Os vereadores não parecem achar isso tão importante. 

A proposta dos vereadores flexibilizou regras, deu tratamento especial e estímulos em áreas construídas a estabelecimentos de ensino, hotéis e hospitais. Vários devem sentir o impacto de ter uma universidade perto de casa, imagine o aumento deste impacto sabendo que esta teria estímulos para construir mais!

Nada de pobre ou zonas escuras em área de ricos! Nas Zonas Corredores, vizinhas às Zonas Exclusivamente Residenciais, não é possível instalar motéis, drive-in, flats, cursos de ensino à distância e abrigos para menores

Ainda há regras especiais para cultos, diferenciando estes dos demais usos de imóveis para eventos, afastando a regulação de quanto barulho pode fazer para uma Câmara Técnica da Prefeitura. Todos os outros usos tem o barulho controlado, menos este, que teria tratamento especial! Assim, colabora para que os templos fiquem regulares, o que é bom, porém estimula a histórica irregularidade na construção destes, e ainda sem exigir contrapartidas. Esta inserção tem tudo a ver com nossa história política, não apenas na esfera municipal, e com o poder das igrejas na sua relação com seus fiéis, que também são eleitores.

Ainda, os imóveis considerados patrimônio histórico e cultural que ainda estão em estudo, se não tiverem sido protegidos com o tombamento nos próximos dois anos devem perder a proteção por parte do zoneamento, podendo ser demolidos ou mudar de uso de acordo com as regras da zona onde estão inseridos. Com milhares de pedidos de tombamento em curso, imaginem o que esta decisão pode criar: uma destruição em massa ou mesmo, um tombamento em massa. 

E para fechar, nada de pobre ou zonas escuras em área de ricos! Nas Zonas Corredores, vizinhas às Zonas Exclusivamente Residenciais, não é possível instalar motéis, drive-in, flats, cursos de ensino à distância e abrigos para menores.  

Sem avanços e mostrando-se uma ameaça, mesmo assim, a proposta é fazer a segunda votação antes do final do ano, antes que a Câmara de Vereadores entre no período de recesso. Ou seria retrocesso?

Paula Santoro é arquiteta urbanista, professora da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo da Universidade de São Paulo), coordenadora do blog Observa SP .

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