Em março de 2017, o presidente do MIT (Massachusetts Institute of Technology) lançou uma carta à comunidade :
“Quando a Casa Branca anunciou um esboço de suas prioridades orçamentárias, foi impossível ignorar a escala dos cortes em muitas áreas de pesquisa vitais para a missão do MIT (…) Tendo em vista que dependemos de financiamento federal para 66% de nosso apoio à pesquisa, devemos levar a sério esse projeto, tanto pelo que diz quanto pelo que sinaliza.”
Trata-se de uma das universidades mais importantes do mundo, que é pública e depende, em grande medida, de verbas federais. Na Universidade da Califórnia, citada por Tiago Mitraud , não é verdade que as verbas do governo somem apenas 7%. De acordo com o documento “Budget for Current Operations 2019-20: Context for the Budget Request” , que detalha o orçamento da Universidade da Califórnia, há diversas fontes públicas. Somando os orçamentos estadual e federal, já obtemos mais de 24%, aos quais se somam verbas públicas da área de saúde e de outros contratos. Outro ponto importante é quanto isso representa da arrecadação. Mesmo ficando apenas no âmbito do estado da Califórnia, o orçamento da universidade representa mais de 4% do total da arrecadação. Um nível impensável no Brasil.
Resumindo, nos EUA, ainda que se estimule a arrecadação de recursos privados, essa política não é usada para substituir o orçamento público, e sim como complemento. Esse é, justamente, o aspecto mais grave do Future-se: abrir caminho para diminuir o financiamento público das universidades.
Para justificar sua adesão ao programa, Tiago Mitraud faz outras afirmações enganosas, ou fora de contexto, embasando sua tese de que “a falta de sustentabilidade financeira é o maior problema que as federais enfrentam hoje”. Por partes:
1) “Em dez anos, o Brasil praticamente dobrou, em termos reais, o total de recursos destinados às universidades públicas”
Mitraud esqueceu de dizer que, entre 2007 e 2017, o número de vagas de graduação nas universidades federais mais do que dobrou ( Inep ). Claro que o orçamento precisou acompanhar a expansão do sistema. Corretamente. Ainda assim, o investimento em pessoal ativo cresceu menos de 70%, portanto um crescimento inferior à expansão das vagas.
2) “Os gastos obrigatórios com pessoal somam 85% dos investimentos”
Aqui, há duas falácias. Uma é incluir o pagamento de inativos no total dos gastos com pessoal e outra é olhar para o final da série de dados, após sucessivos cortes das despesas discricionárias. Se olharmos os dados de 2009 a 2014, antes de começarem os grandes cortes, o pagamento com pessoal ativo e inativo equivalia a menos de 75% dos gastos, divididos em 25% para inativos e 50% para os ativos. Nesse mesmo período, os investimentos representavam quase 10% do orçamento. Esses valores percentuais são próximos aos da Universidade da Califórnia, na qual o pagamento de pessoal (2017/2018) representou em torno de 67%, dos quais 19% para pensões e 48% para ativos. Em relação às aposentadorias, cabe ressaltar que, em todo o serviço público federal, quem ingressa depois de 2013 já não tem direito à aposentadoria integral, contando apenas com o teto do INSS. Ou seja, os gastos com pessoal inativo tendem a diminuir.
3) “Os salários dos professores titulares são comparáveis aos da Finlândia”
Ora, por que escolher os titulares se representam percentual pequeno do conjunto dos professores das federais? Um professor adjunto, no Brasil, ganha metade do salário de um titular.
4) “Devemos contratar professores sem dedicação exclusiva”
Historicamente, a universidade pública brasileira seguiu um modelo que privilegia a relação entre ensino e pesquisa. É famosa a declaração de Carlos Chagas Filho, incansável defensor de que o ensino se beneficia da atividade de pesquisa dos professores. Formar melhor, inclusive para o mercado de trabalho, demanda um conhecimento da pesquisa atual, o que garante a qualidade dos formandos das universidades federais.
No mundo todo, a pesquisa básica é financiada majoritariamente por dinheiro público. O desafio do Brasil é consolidar a ponte entre pesquisa e desenvolvimento, com iniciativas apoiadas por políticas de governo. Há artigo no próprioNexo explicando como fazer isso.
No caso do ensino superior, o modelo estadunidense deve ser citado com muitas ressalvas, ao contrário do sugerido por Mitraud. É fato que os alunos pagam mensalidades em quase todas as universidades públicas. Mas isso tem gerado um problema social grave entre os jovens, que acumulam dívidas gigantescas antes mesmo de começarem a trabalhar. Livrar-se dessas dívidas é, aliás, uma das pautas que mais tem mobilizado a juventude a apoiar candidatos de esquerda. Não há motivos para o Brasil ter como guia um modelo sob forte contestação.
O Brasil tem poucos espaços públicos agregadores, para além da universidade. Por isso, deveria ser prioridade mantê-la diversa. A política de cotas e a expansão do sistema federal de ensino, iniciadas no governo Lula, foram essenciais para democratizar o acesso ao ensino superior público. Isso vem corrigindo uma grave distorção de nosso sistema educacional: a baixa mobilidade. Ou seja, o país precisa de mais jovens que sejam os primeiros de suas famílias a ter diploma.
Acabou de ser publicado um artigo analisando a influência da escolaridade do pai e da renda familiar nas chances de conclusão do ensino superior. Os resultados mostram que ter pais com escolaridade mais alta aumenta as chances de conclusão dos cursos. No entanto, no setor público, a escolaridade do pai não tem efeito sobre a probabilidade de concluir o ensino superior.
Políticas públicas de sucesso devem ser aprimoradas e aprofundadas. Diminuir o financiamento público do ensino superior pode agravar a desigualdade.
Tatiana Roqueé professora do Instituto de Matemática da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e coordenou a campanha Conhecimento sem Cortes.
Esther Dwecké professora do Instituto de Economia da UFRJ e ex-secretária de Orçamento Federal.