Como a pauta antiaborto ganha força no Congresso em 2019

Ensaio

Como a pauta antiaborto ganha força no Congresso em 2019
Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil - 08.08.2018

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Vitória Régia e Flávia Bozza Martins


26 de setembro de 2019

Levantamento de projetos de lei que tratam da interrupção da gravidez indica que redução de direitos reprodutivos da mulher está na agenda da direita na Câmara

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Às vésperas da data que marca a luta pela descriminalização do aborto na América Latina, o 28 de setembro, é preciso olhar para como a direita vem atuando sobre esse tema no poder Legislativo. Parlamentares desse espectro político recrudescem o discurso sobre diversas questões relacionadas a gênero e direitos das mulheres. Desde fevereiro de 2019, foram apresentados 28 projetos de lei na Câmara que mencionam a palavra aborto. Desses, 12 buscam restringir os direitos à interrupção voluntária da gravidez. É o maior número de de projetos de lei relacionados a aborto apresentados em um ano na Casa desde 1949, segundo levantamento que realizamos . Vale ressaltar que nenhum deles traz a proposta de ampliar as situações no país em que o aborto não é criminalizado.

É o PSL o partido lidera as propostas contrárias ao aborto: apresentou seis. Não surpreende. Abertamente contrário à legalização do aborto, o maior líder da legenda, o presidente Jair Bolsonaro, já afirmou que caso o Congresso aprove uma lei que facilite a interrupção da gravidez, ele vai vetar.

A deputada federal Chris Tonietto (PSL-RJ) é a autora do maior número de propostas do partido com o viés contrário ao aborto: três. Tonietto é uma advogada católica que fez da criminalização do aborto a principal pauta de sua plataforma de campanha em 2018. Na justificativa do PL 2893/2019, ela propõe que se suprima o direito garantido no artigo 128 do Código Penal – de aborto em casos de gravidez decorrente de estupro ou quando há risco de vida à mulher. A revogação do artigo é uma argumentação, portanto, sobre como a vida do feto deve se sobrepor à vida da mulher. O texto do PL traz depoimentos de mulheres que nasceram após casos de gravidez decorrente de violência sexual. “O autor do estupro ao menos poupou a vida da mulher – senão ela não estaria grávida. Pergunta que não quer calar: é justo que se faça com a criança o que nem sequer o agressor ousou fazer com a mãe: matá-la?”, cita o PL, em tom que flerta com a violência psicológica.

A investida contra os direitos das mulheres no Legislativo e o moralismo fundamentalista são explícitos nesse projeto e em outros. Mas conta com outras formas de ação, que passam pelo confronto direto entre Legislativo e Judiciário. No momento, espera-se pela data de retomada da pauta do aborto no Supremo Tribunal Federal. A corte realizou, em agosto de 2018, duas audiências públicas sobre o tema, após a ministra Rosa Weber se tornar relatora da Arguição de Descumprimento de Preceito Fundamental 442, que propõe a descriminalização do aborto voluntário até a 12ª semana de gestação e que sofre fortes críticas dos parlamentares antiaborto.

A investida contra o direito à interrupção voluntária da gravidez sempre foi um desafio para as mulheres desde o Código Penal, em 1949

Naqueles dias, apenas as organizações da sociedade civil e institutos de pesquisa ou órgãos públicos que trabalham como o tema na perspectiva de especialistas estiveram aptos a expor argumentos nas sessões. Mas com os ânimos exaltados, Chris Tonietto confrontou o ministro do Supremo Roberto Barroso, no primeiro dia das audiências, durante uma palestra no Brasil Fórum Rio, no Museu do Amanhã, Rio de Janeiro. O episódio foi filmado e exposto orgulhosamente página do Facebook da deputada.

As variações de argumento para barrar e retroceder os direitos reprodutivos são muitas. Outro parlamentar do Rio apresentou dois projetos contrários ao aborto apenas neste ano. O PL 261/2019, de autoria do deputado Márcio Labre (PSL-RJ), visava proibir que médicos prescrevam métodos contraceptivos, classificados por ele como “microabortivos”. O veto descrito no projeto valeria para métodos como a pílula do dia seguinte, pílula de progestógeno (minipílula) e até mesmo o DIU (dispositivo intrauterino). Depois da repercussão negativa e da pressão dos parlamentares, o deputado retirou o projeto de lei . Em 2015, o agora ex-deputado Eduardo Cunha já havia experimentado a fúria das mulheres quando tentou emplacar projeto de lei que também colocava em xeque a pílula do dia seguinte, com o PL 5069/2013. Em campanha, elas bradavam: “Pílula fica, Cunha sai”.

O presidente da Frente Parlamentar em Defesa da Vida e da Família, o deputado Diego Garcia (Pode-PR), o ex-vice líder do governo na Câmara dos Deputados, o deputado Capitão Augusto (PR-SP) e ainda Filipe Barros (PSL-PR) também apresentaram nesta legislatura projetos de lei contrários ao aborto.

A investida contra o direito à interrupção voluntária da gravidez sempre foi um desafio para as mulheres desde o Código Penal, em 1949. O que não impede que o aborto continue sendo realizado no país, mas reforça as situações de risco às quais se expõem àquelas que não contam com recursos para acesso a clínicas com alguma estrutura. Pelo menos uma em cada cinco mulheres fará ao menos um aborto ilegal ao final da vida reprodutiva, segundo a Pesquisa Nacional do Aborto (2016).

Mas como se vê no levantamento de dados, na direita que ocupa o Legislativo, e no PSL com mais intensidade, essa realidade que é uma questão de saúde pública parece não ser levada em consideração. Em 2019, vemos uma intensificação dos projetos de lei que buscam punir e retirar direitos já garantidos. Ainda sem centralidade na pauta política do Congresso e das votações nas comissões desde o começo do governo Bolsonaro, a movimentação e produção parlamentar investigadas a partir do levantamento e da análise de dados públicos mostra que o assunto está na agenda da extrema direita, e dificilmente não virá à tona em momento de maior evidência do debate público. 

Vitória Régia é jornalista pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, repórter da revista Gênero e Número e editora da revista Capitolina.

Flávia Bozza Martins é cientista social pela Universidade Federal do Paraná, onde é professora, doutora em Ciência Política pelo IESP/UERJ e analista de dados na Gênero e Número.

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