Na última semana de abril de 2019, um vídeo mostrando uma aluna questionando sua professora em sala de aula circulou por diversas redes sociais e sites de notícia. O caso chegou a ser comentado pelo novo ministro da Educação, Abraham Weintraub, que validou a ação. Segundo o ministro, a ideia não é “criar um clima de caça às bruxas”, professores podem ficar tranquilos, porque a preocupação é com as medidas necessárias para “melhorar o ambiente escolar”. Não sabemos se o ministro tem a dimensão do impacto que essa ação tem para as relações entre professores e alunos. Também não parece claro para o ministro o quão difícil tem sido manter tranquilidade em relação à educação e às condições necessárias para realizá-la com qualidade em nosso país.
O “ambiente escolar” não é como qualquer outro ambiente de convivência. Dentro da escola, estamos todos, professores, estudantes e funcionários, comprometidos com o processo de ensino e aprendizagem. A formação acontece o tempo inteiro, da entrada à saída da escola: aprender a ouvir e a se expressar, a esperar a sua vez, a não interromper o colega, a ser avaliado e a avaliar. Aprender valores, cumprimento de prazos, pactos e combinados.
Enquanto a presença de cada aluno é marcada em nossos diários, a vida nos perpassa e lidamos com questões emocionais, filosóficas, físicas e sociais, nossas e dos nossos alunos, diariamente. Para que esse “ambiente escolar” funcione de forma saudável, é necessária a consolidação de um triplo vínculo de confiança: das famílias com a escola, dos professores com os alunos, dos alunos com os professores. São vínculos que precisam ser alimentados cotidianamente, frutos de interação diária, não se constroem de forma abstrata.
Todos nós sabemos que um vídeo pode ser manipulado e, mesmo que seja verdadeiro, dificilmente trará a complexidade da situação em que aconteceu a cena registrada
Quando esse pacto de confiança é rompido, temos uma situação de conflito, o que não é nada fora do comum para nós, educadores. O conflito é material de trabalho do educador, que pode ajudar a reparar vínculos feridos e criar situações que favoreçam o reconhecimento do outro. Faz parte do trabalho do educador restabelecer a saúde do ambiente coletivo para que possa ser o mais fértil local de aprendizado, de convivência. O que não estamos acostumados a lidar, e nem poderemos, é com uma instância política alimentando via redes sociais a rivalidade, a desconfiança e a intimidação entre escola, família e alunos.
Conviver com a possibilidade de ter nossas aulas filmadas transfigura a relação entre professores e alunos. Todos nós sabemos que um vídeo pode ser manipulado e, mesmo que seja verdadeiro, dificilmente trará a complexidade da situação em que aconteceu a cena registrada. A velocidade com que uma informação pode circular é assustadora, assim como os estragos que pode trazer para a vida do professor, mesmo que se comprove depois que a informação era falsa. A ameaça de expor o vídeo de uma aula é a ameaça de submeter alguém a uma lógica de linchamento virtual. O que se valida é uma prática de intimidação, como se a violência fosse uma boa estratégia de resolução de divergências.
A comunidade escolar não pode ser transformada em um grupo de consumidores passivos de violência, indiferentes a ela, nem pode ceder à lógica de eliminação dos mais fracos. Nem professores nem alunos podem experimentar um ambiente educacional saudável sentindo-se acuados.
Escolas precisam ter tempo e autonomia para educar. Se à escola não for garantido tempo para ouvir e avaliar e então agir, se à escola não for garantida a possibilidade de ser um espaço que acolhe a pluralidade de ideias e o compromisso com respeito entre seres humanos, ela não poderá oferecer aos jovens alternativas para lidar com conflitos e diferenças. Ficará, ela mesma, reduzida a um espaço reprodutor de violências.
É urgente recuperar condições para que os jovens possam aprender o que a sociedade parece ter desaprendido: conviver com diversidade de ideias e crenças, respeitá-las, construir espaços saudáveis para o debate e para a construção de conhecimento, espaços livres dos limites impostos pela lógica do medo.
Afinal, como educar sem confiança no outro?
Ana Tanisé formada em letras e psicologia, e atua como orientadora educacional no ensino fundamental
Luana Chnaidermané professora de português e escritora, autora de “Os animais domésticos”, entre outros
Manuela Prado é formada em letras e atua como professora de língua portuguesa no ensino fundamental
Maria da Paz Castro é professora e formadora de professores em educação inclusiva