Desde que me conheço por gente, a Europa não passa de um lugar com várias cidades conhecidas, linda pela TV e cenário de episódios importantes do mundo. Visitar esse território de onde saem vários conceitos que regem a civilização não era algo que estava nos meus planos este ano, foi a minha primeira vez. Poderia ter sido para turistar, visitar vários países, mas a minha missão na capital da Espanha foi como repórter mesmo, absorver o máximo de conhecimento sobre o debate climático para transpor isso em ações na realidade brasileira. Tudo isso na Conferência do Clima, da ONU — na 25ª edição da COP, a Conferência das Partes das Nações Unidas.
O convite para uma cobertura pelo PerifaConnection surgiu por parte do ClimaInfo, plataforma especializada em questões ambientais e que alimenta muitos outros profissionais de imprensa no Brasil. Antes ainda de chegar lá, me peguei pensando no quão complexo e até mesmo distante é o discurso sobre os problemas da sustentabilidade do mundo para quem vive em periferias urbanas, como é o meu caso, morador do Pantanal, na Baixada Fluminense. Ainda que sejamos nós moradores de periferias, negros, velhos e jovens quem mais sofremos e sofreremos as consequências das mudanças climáticas. São muitos os termos às vezes inacessíveis para a maior parcela da população – ainda mais quando as questões são mais técnicas do que políticas, por exemplo. Mesmo assim não poderia me abster desse front.
Chegando lá, deparei-me com dezenas e dezenas de países, cada um com sua bandeira, seu pavilhão ou estande, sua fotografia 3×4 pra gringo ver. Menos o Brasil. A nossa representação em Madri ficou por conta do Brazil Climate Action Hub, iniciativa de organizações da sociedade civil, como o Instituto Clima e Sociedade. O ministro do Meio Ambiente Ricardo Salles ficou com a fama de quem corria da gente, até que, em um raro momento, fez uma fala sobre a busca por recursos financeiros para o país — para, em seguida, escapar de perguntas, debates ou questionamentos desse conjunto de organizações, literalmente fugindo do espaço.
A impressão que a COP deixa é que os poderosos, quando tratam de sustentabilidade, não estão pensando em continuidade. O que se enxerga é uma ganância por dinheiro
O lado bom foi que sobrou tempo para nós que temos diálogos mais realistas debatermos e costurarmos possibilidades sobre energia, sobre a Amazônia, a questão de gênero nessa agenda, o peso do recorte racial , o planejamento urbano e seus impactos no ambiente, a demarcação em territórios quilombolas e o acesso a água. Sobrou tempo para discutir questões como esta levantada pelo professor Ricardo Abramovay: no lugar dos laços de confiança que poderiam emergir como resultado da exploração sustentável da floresta em pé, o atual modelo de ocupação da Amazônia fortalece a criminalidade e dissemina a insegurança por toda a região.
A COP foi também oportuna para organizações com anos de trabalho, como o Observatório do Clima e a Casa Fluminense, compartilharem acúmulos sobre o que efetivamente precisa ser feito para que o planeta não tenha sua temperatura elevada em mais de 1,5° C. Nesses dias de COP, participaram nomes como a líder indígena Sônia Guajajara e a ex-ministra Marina Silva , internacionalmente reconhecidas no debate climático, o movimento Engajamundo, a estudante sueca Greta Thunberg , além dos senadores Randolfe Rodrigues e Davi Alcolumbre.
Indígenas, quilombolas, ribeirinhos, povos de terreiros: são muitos os que são diretamente impactados em suas vidas pela natureza e pela forma como os poderes lidam com ela. Justamente por isso, o debate climático não pode ser mais um reprodutor das desigualdades que a sociedade brasileira cristaliza. Todo começo de ano, as epidemias de dengue no Sudeste, as enchentes que certamente ocorrerão aqui na Baixada entre janeiro e março, a falta d’água em muitas cidades do país e a maneira como é tratado o lixo produzido no nosso cotidiano, tudo isso está relacionado com o debate climático, trata-se de uma conversa sobre o futuro do nosso planeta e nosso futuro também.
A impressão que a COP deixa é que os poderosos, quando tratam de sustentabilidade, não estão pensando em continuidade. O que se enxerga é uma ganância por dinheiro, que rege a lógica do uso de combustíveis fósseis, do desmatamento da agropecuária e o assassinato de indígenas. Populações que estão sem água encanada, esgoto ou rejeitam qualquer movimento de aumento na fatura da energia elétrica também são as impactadas pela violência policial, a ausência de postos de saúde e escolas precárias.
Como chamar a atenção desse Brasil real para a vergonha que o Brasil oficial nos faz passar se enganando e ainda tentando enganar o mundo inteiro?
Saúde, educação, economia, tudo isso tem a ver com ação, se mexer e fazer algo. A mudança não parece que surgirá dos discursos; estes até são importantes, pois são narrativas de poder, mas as transformações que a gente ambiciona estão no agora, no que estamos fazendo ou podemos fazer.
Jefferson Barbosa é integrante do coletivo Voz da Baixada e editor do PerifaConnection. Atualmente escreve um ensaio biográfico sobre Mãe Beata de Yemanjá