Medidas eficazes devem ser adotadas no ambiente escolar

Ensaio

Medidas eficazes devem ser adotadas no ambiente escolar
Foto: Carla Carniel/Reuters - 18.out.2021

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Alexandra Boing, Flávia Marquitti e Vitor Mori


23 de outubro de 2021

Governos estão flexibilizando protocolos e impondo ensino totalmente presencial sem que grande parte das escolas tenha feito mudanças estruturais para conter o vírus

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A diminuição da gravidade da covid-19 após o início da vacinação trouxe grande alívio à sociedade e também a falsa sensação de segurança. Devemos continuar os incentivos para jovens e adultos se vacinarem. Mas a vacinação não é tudo. Neste período não ocorreram mudanças estruturais em grande parte das escolas e novamente os governos estão flexibilizando protocolos. O mais recente movimento foi a obrigatoriedade do ensino 100% presencial no estado de São Paulo. Em um contexto em que crianças menores de 12 anos ainda não estão vacinadas contra a covid-19 e apesar de, em geral, apresentarem manifestação clínica leve e raramente evoluírem para formas graves, o vírus já é uma importante causa de mortalidade e morbidade entre crianças e adolescentes no Brasil. É preciso lembrar que covid-longa e síndrome inflamatória multissistêmica pediátrica são problemas de longa duração, com potencial de prejudicar o desenvolvimento das crianças, inclusive a longo prazo. A duração e manutenção de sintomas de maneira crônica ainda não estão caracterizadas. Assim, é necessário minimizar o risco de transmissão do coronavírus dentro do ambiente escolar.

Medidas como desinfecção de superfícies, medição da temperatura e higiene das mãos com álcool em gel são pouco efetivas no combate à transmissão e mostram como o entendimento da forma de transmissão do coronavírus ainda é equivocado. Ressaltamos que a principal forma de transmissão ocorre de pessoa a pessoa, pela via respiratória. Partículas contaminadas que uma pessoa infectada exala (por respiração, fala, tosse ou espirros) podem ficar em suspensão pelo ar por longos períodos e infectar outras pessoas quando inaladas, especialmente em locais fechados e mal ventilados, como salas de aula. É por isso que o foco principal para se evitar a transmissão deve ser no ar e na respiração deste ar. Baseados nisso e em ações de saúde pública, destacamos aqui medidas efetivas que devem ser adotadas no ambiente escolar para um melhor combate à transmissão do coronavírus:

1. Máscaras de boa qualidade bem ajustadas ao rosto para professores e alunos: o ideal seria o uso de respiradores/máscaras do tipo PFF2, que filtram o ar inalado e exalado de forma muito eficiente, capturando pelo menos 94% das partículas de 0,3 microns, as mais difíceis de serem coletadas, oferecendo alto nível de proteção individual e coletiva. A boa vedação ao rosto é o ponto mais importante e o uso de máscaras frouxas, que deixam o ar passar por frestas (como na região lateral e do nariz), compromete a proteção.

2. Aumentar a ventilação das salas de aulas: a troca e a renovação de ar devem ser constantes para que se diminua a concentração de possíveis partículas virais. Portas e janelas devem ficar sempre abertas. Uma maneira de monitorar a qualidade do ar interno é medindo o quanto do ar expirado pelas pessoas está ficando concentrado no ambiente. Sensores que medem a concentração de CO2 são uma forma mais acurada de se fazer essa medida.

3. Priorizar atividades ao ar livre: as atividades ao ar livre são mais seguras pois a dispersão das partículas ocorre de maneira rápida e eficiente nestes ambientes. Estima-se que menos de 1% da transmissão ocorra em ambientes abertos.

4. Manter o distanciamento físico, diminuindo o número de pessoas na sala de aula: quanto maior a distância de alguém infectado, menor a concentração de partículas contaminadas no ar, uma vez que elas se diluem em um volume maior. Em local fechado, quanto menos indivíduos, menor a probabilidade do ar expelido por um infectado ser inalado por um indivíduo sadio. O revezamento de atividades presenciais e remotas é mais uma medida efetiva para diminuir o número de pessoas por sala de aula, e deve ser usado.

A covid-19 já é uma importante causa de mortalidade e morbidade de jovens no Brasil. Assim, é necessário minimizar o risco de transmissão dentro do ambiente escolar

5. Promover horários de alimentação em local aberto: a hora da alimentação eleva o risco de transmissão porque todas as crianças tiram a máscara. As refeições devem ser feitas em ambiente muito bem ventilado, de preferência ao ar livre. Ambientes fechados como salas de aula são extremamente inapropriados para esta atividade.

6. Menor ênfase no álcool em gel, limpeza de superfícies e tapetes higiênicos: tais medidas evitam transmissão por superfícies, que é improvável no caso do coronavírus. O investimento em tempo e recursos deve ser para medidas mais eficazes na redução da transmissão.

7. Vigilância de casos com testagem constante: a adoção de testagens rotineiras de assintomáticos e rastreamento de contatos entre alunos, professores e funcionários traz maior segurança para o ambiente escolar. Esta é uma medida comprovadamente eficaz, tanto na prevenção da transmissão, quanto na diminuição das interrupções das aulas. Escolas e Unidades Básicas de Saúde devem estabelecer ações estruturantes de acordo com o Plano Nacional de Expansão da Testagem para covid-19 para disponibilização de testes.

8. Fechamento de turmas quando for detectado um caso positivo: na ausência de testagens constantes, a medida mais efetiva para o combate da transmissão é o isolamento de turmas quando for detectado um caso positivo, migrando para o sistema de aulas virtuais. Isolamento e testagem de contactantes dos casos escolares quebra a cadeia de transmissão para outros ambientes além do ambiente escolar.

Medidas efetivas de proteção evitam a transmissão na escola e de estudantes para seus familiares, beneficiando, desta forma, toda a população. A prevenção da transmissão do coronavírus no ambiente escolar também traz, como efeito secundário, a prevenção contra outras infecções respiratórias, que voltaram a causar um número expressivo de internações em crianças em 2021. Melhorias no sistema de ventilação das salas de aula de caráter permanente devem ser um importante legado para a mitigação do impacto dos demais vírus respiratórios daqui para frente. Apoiamos que a discussão sobre a segurança respiratória de nossas crianças nas escolas comece a tomar fôlego para que possamos reduzir o risco de transmissão e estejamos melhor preparados para futuros eventos epidêmicos.


Alexandra Crispim Boing é epidemiologista, com mestrado e doutorado em saúde coletiva. Atualmente é professora no Departamento de Saúde Pública da Universidade Federal de Santa Catarina. Membro do grupo Observatório COVID-19BR.

Flávia Maria Darcie Marquitti é formada em ciências biológicas e matemática aplicada, com mestrado e doutorado em ecologia. Atualmente é pesquisadora de pós-doutorado nos Institutos de Biologia e Física da Universidade Estadual de Campinas. Membro do grupo Observatório COVID-19BR.

Vitor Mori é formado em física, com mestrado e doutorado em engenharia biomédica. Atualmente é pesquisador de pós-doutorado na Universidade de Vermont. Membro do grupo Observatório COVID-19BR.

O grupo Observatório COVID-19BR endossa coletivamente este texto. Uma versão expandida dele pode ser encontrada aqui .

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