O Brasil é um dos países mais fechados do mundo para o comércio internacional. Embora não seja um parâmetro definitivo, a proporção do total de exportações e importações em relação ao PIB (Produto Interno Bruto) do país é ilustrativa: em 2017, só não era mais baixa do que a de Somália, Coreia do Norte e Venezuela, conforme dados do projeto Our World in Data , mantido pela Universidade de Oxford.
De lá para cá houve algumas flexibilizações pontuais, mas a integração com o resto do mundo segue baixa. Isso nos afasta das melhores conquistas da globalização, e faz com que demoremos mais para incorporar as inovações produzidas no exterior.
Fora do país, o debate acerca da participação de uma economia no mercado global está amadurecido. Em levantamento feito por Gregory Mankiw, professor de Harvard e best-seller acadêmico, 93% dos economistas concordaram com a frase “Tarifas e cotas de importação geralmente reduzem o bem-estar econômico geral’”. Economistas internacionais famosos por posições mais à esquerda, como Paul Krugman , já argumentaram que o Brasil se beneficiaria de uma maior participação no comércio internacional.
A abertura comercial, contudo, encontra muitas resistências na nossa região. Atualmente, o Mercosul debate uma possível redução da TEC (Tarifa Externa Comum), cuja média aplicada é de 12%, enquanto a média global de taxas de importação é de 5,5%. O Brasil tem defendido uma redução tarifária substancial. Já a Argentina se mostra contrária à medida, com o argumento de que ela prejudicaria as empresas do bloco e, consequentemente, os países membros do Mercosul. Ecoando a tese, os ex-presidentes Fernando Henrique Cardoso e Lula recentemente assinaram uma carta defendendo a manutenção das tarifas do Mercosul no patamar atual, em apoio à posição do presidente argentino, Alberto Fernández.
Ao abrir a economia para concorrência externa, é fato que as empresas brasileiras mais improdutivas provavelmente sairão do mercado por não conseguirem competir em preço e/ou qualidade com as empresas estrangeiras. Contudo, vários outros negócios se tornarão mais competitivos, pois poderão importar insumos e tecnologias do resto do mundo sem ter que pagar altas taxas, barateando seus produtos e serviços. É preciso, portanto, não dar voz somente aos descontentes, mas analisar o saldo entre perdas e ganhos.
Embora possam levar um tempo para se consolidar, as vantagens da abertura comercial são fundamentais para dar sustentabilidade ao desenvolvimento econômico e social. “Não existe um caso de experiência histórica no mundo, no século 20 para o século 21, de país que tenha chegado lá, que tenha passado de nível médio para renda alta, sem estar integrado comercialmente”, sustenta o economista Otaviano Canuto, em entrevista para Um Brasil. Um artigo publicado por Romain Wacziarg e Karen Horn Welch que analisa o período entre 1950 e 1998 corrobora a afirmação. Ao analisar os episódios de abertura comercial de vários países de países de renda média, o estudo revelou um aumento de 2% ao ano na taxa média de crescimento, sugerindo que as possíveis perdas em alguns setores específicos são mais do que compensadas pelos ganhos gerados para a economia em geral.
Se não nos integrarmos ao resto do mundo, seguiremos afastados das melhores conquistas da globalização e atrasados em incorporar inovações produzidas no exterior
De acordo com relatório produzido pelo Banco Mundial, a tarifa média brasileira em 2015, ano mais recente com os dados consolidados pela instituição, foi de 8,3%, a mais alta entre países emergentes e ricos de economia similar, demonstrando que há bastante espaço para uma redução substancial. Ainda segundo o estudo, uma abertura gradual ao comércio externo serviria como forte incentivo para as empresas apoiarem as reformas domésticas que visem a melhorar a produtividade e o ambiente de negócios brasileiro, dada a necessidade de se ajustarem às tendências tecnológicas globais.
Apesar da importância do tema, Paulo Guedes diz que só irá defender com mais força a abertura para o comércio internacional após a aprovação de outras reformas no ambiente de negócios. De um ponto de vista estratégico, o ministro deveria inverter a ordem de prioridades. Afinal, se não forem pressionadas pela concorrência com empresas estrangeiras, as empresas nacionais não terão urgência para pressionar os legisladores por uma reforma tributária ou mesmo pela simplificação da burocracia.
O que ocorre hoje, na verdade, é o oposto: muitas lideranças empresariais gastam seus esforços de lobby pedindo subsídios e desonerações, que contribuem para um ambiente de negócios não apenas confuso e burocrático, mas também extremamente desigual. Enquanto grandes empresas conseguem seus benefícios através de pressão política, as pequenas empresas e os consumidores não têm quem os defenda com a mesma efetividade.
Falando nos consumidores, esses passariam a ter acesso a produtos e serviços do mundo inteiro, ampliando suas possibilidades de escolha não só pelo preço, mas também de acordo com o que melhor atende suas necessidades. Com o passar do tempo, ao reduzir o preço de vários produtos, esse mecanismo reduziria também o custo de vida do brasileiro, fazendo com que sobre mais dinheiro no fim do mês.
Embora sejam aqueles que mais têm a ganhar no caso das tarifas de importação serem reduzidas, os consumidores são os que têm menos voz nesse debate. Isso ocorre porque os benefícios de uma abertura comercial são difusos: os consumidores e empresas menores que têm pouco acesso ao mercado externo não conseguem se organizar para defender seus interesses. Já as grandes companhias que reinam no mercado doméstico e precisam enfrentar a concorrência das empresas de fora usam suas conexões políticas para evitar a abertura comercial.
Não podemos permitir que poucos grupos organizados consigam impedir uma pauta tão fundamental para o aumento da produtividade e da renda no Brasil. Com a abertura comercial, todos passam a ter acesso a bens de consumo por um melhor custo-benefício. O que hoje é um privilégio de poucos, que podem ir fazer suas compras em Miami, precisa se tornar acessível a todos.
Deborah Bizarria é economista formada pela UFPE (Universidade Federal de Pernambuco) e especialista em economia comportamental pela Warwick University, no Reino Unido. Coordenadora de Políticas Públicas do Livres. Alumni da International Academy for Leadership, da Fundação Friedrich Naumann e do TFAS (The Fund for American Studies).