Principais instrumentos de monitoramento da Educação Básica brasileira, o Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica) e o Saeb (Sistema de Avaliação da Educação Básica) já demandavam mudanças para que se mantivessem como ferramentas atualizadas e relevantes antes da pandemia. Com a divulgação dos resultados do Saeb na sexta-feira (16), fica claro que essas alterações tornam-se ainda mais urgentes.
Desde 1990, o Saeb avalia, a cada dois anos, a aprendizagem dos alunos do 5º e 9º anos do Ensino Fundamental, e do 3º ano do Ensino Médio, nas disciplinas de língua portuguesa, matemática – mais recentemente, de língua portuguesa e matemática no 2º ano do Ensino Fundamental, e ciências naturais e humanas no 9º ano do Ensino Fundamental.
Os resultados dessa avaliação nacional, além da taxa de aprovação dos estudantes, compõem o Ideb, o índice que foi criado em 2007 para suportar um sistema de metas educacionais que promove a qualidade da educação. Ambos, Ideb e Saeb, são os responsáveis por uma rica base histórica de evidências que vem orientando a criação ou o aperfeiçoamento das políticas públicas educacionais e direcionando o trabalho das redes de ensino, com foco na aprendizagem e no fluxo dos estudantes.
A última aplicação do Saeb aconteceu nos meses de novembro e dezembro de 2021, em um cenário escolar muito prejudicado e modificado pelos efeitos da pandemia de covid-19. Logo, o atual resultado do Ideb deve ser cuidadosamente contextualizado, para que esses números não percam credibilidade e sejam úteis para, além de pautar políticas públicas, direcionar as estratégias necessárias para a recomposição das aprendizagens às quais os estudantes têm direito, e que não foram desenvolvidas.
O principal impacto da pandemia na composição do Ideb foi na taxa de aprovação dos estudantes. O fechamento de escolas e as dificuldades do ensino remoto levaram muitas redes a adotar a aprovação automática dos estudantes. Com isso, redes podem apresentar melhorias no Ideb, sem que de fato aprendizagem e frequência tenham acontecido.
O outro componente do Ideb – a aprendizagem, fornecida pelos resultados do Saeb – também pode ter sofrido distorções. Isso porque no final de 2021, quando a prova foi aplicada, muitas escolas ainda não haviam sido reabertas e nem todos os estudantes haviam voltado para as salas de aula. Com um percentual menor de estudantes e escolas fazendo o Saeb – e possivelmente tendo ficado de fora os estudantes e escolas mais vulneráveis -, os dados aferidos podem ser melhores do que os reais.
Os resultados do Saeb apontam, infelizmente, para uma piora significativa em uma educação que já não ia bem. A avaliação deve ser usada para nortear iniciativas de recomposição das aprendizagens
Os resultados do Saeb apontam, infelizmente, para uma piora significativa em uma educação que já não ia bem. Desta forma, nos parece que um dos melhores e mais adequados usos para os resultados será diagnosticar as lacunas e nortear iniciativas de recomposição das aprendizagens.
Isso posto, há esperança. Os dados mostram que temos muito o que fazer – como trazer quem evadiu de volta para a escola, recompor as aprendizagens (sobretudo na etapa da alfabetização, nos anos iniciais e na matemática). E temos um farol para isso: a BNCC (Base Nacional Comum Curricular), que explicita as aprendizagens chave para todas as crianças e jovens brasileiros, traz foco para o que é essencial, favorecendo a priorização curricular, as avaliações diagnósticas, estratégias indispensáveis para a recomposição das aprendizagens. Vale lembrar que todas as redes estaduais e 99,9% das redes municipais têm seus currículos alinhados à BNCC. Além disso, o olhar para o desenvolvimento integral das crianças e jovens, trazido pela BNCC, também pode ajudar no cuidado com a saúde mental.
O Novo Ensino Médio, por sua vez, com seu foco no protagonismo juvenil e nos projetos de vida dos estudantes, pode ser uma forma de atrair os jovens de volta para a escola. É de suma importância analisar os dados hoje, aprender com essas informações e com o que outros locais estão fazendo com sucesso, e olhar para o futuro. A BNCC e o Novo Ensino Médio, e os currículos a ela alinhados, fazem parte desse futuro.
Neste momento crucial para o país, é preciso fortalecer o sistema de avaliação nacional, consolidado nas últimas décadas e uma das maiores conquistas da educação brasileira. Para isso, é preciso atenção e foco para promover as mudanças necessárias – e ter cuidado na análise dos resultados medidos durante a pandemia. Assim, seguiremos nos baseando em evidências para promover a qualidade da educação de todas as crianças e jovens.
Alice Andrés Ribeiro é graduada em relações internacionais (PUC/MG) e é mestre em direitos humanos e democratização (European Inter-University Centre for Human Rights and Democratisation, Veneza/Itália) e em administração pública e governo (FGV/SP). Atualmente lidera o Movimento pela Base, um grupo plural e diverso que teve papel relevante para apoiar a criação da primeira base curricular para o Brasil, e que também tem atuado por sua implementação.