Os desafios do novo Ministério da Educação

Ensaio

Os desafios do novo Ministério da Educação
Foto: Amanda Perobelli/REUTERS

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Gregório Grisa


25 de dezembro de 2022

Implementação de ações estruturais, como o Sistema Nacional de Educação, devem estar no radar da nova gestão da pasta

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É do conhecimento de todos que a área da educação foi uma das mais afetadas pela inépcia de gestão do governo que se encerra em 2022 e pela pandemia. Por isso, estamos diante da urgência da recuperação da aprendizagem e da garantia da segurança alimentar das crianças nas escolas. Além dessas demandas emergenciais, elenco neste artigo algumas ações estruturais que entendo devam estar no radar da nova gestão do MEC (Ministério da Educação).

Começo pelo desafio de aprovar e implementar o SNE (Sistema Nacional de Educação). Advogo ser necessário incluir nas comissões do SNE atores que tenham poder decisório sobre orçamento, chefes do Executivo ou Secretários de Fazenda. Do contrário, corre-se o risco dessas instâncias tomarem decisões que geram compromissos financeiros que depois não são cumpridos. Além disso, é importante trazer as universidades públicas e privadas e os institutos federais para a mesa, de modo a integrá-los com o ecossistema da educação básica.

É imperioso conceber o regime de colaboração para além do poder executivo dos entes federados. Os órgãos de controle, o Ministério Público e a Defensoria Pública, por exemplo, precisam participar das pactuações. Tais entidades têm capacidade técnica de monitoramento, funções indutoras e fiscalizadoras que precisam ser consideradas na elaboração de políticas públicas da educação.

O MEC deve assumir a coordenação do debate sobre o novo Plano Nacional de Educação. É necessária a ampliação da participação social e o aperfeiçoamento do documento de referência oriundo das Conferências municipais e estaduais realizadas. A participação do INEP (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira) precisa ser fortalecida, já que será preciso repactuar metas de aprendizado à luz de um novo IDEB (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica).

Em relação à educação básica, o MEC terá de fazer uma avaliação das prioridades dos programas do FNDE (Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação), o foco deve ser a recuperação da aprendizagem e a equalização de infraestrutura das redes escolares mais pobres. Diante da aprovação do SNE, será preciso debater a definição conceitual e a regulamentação do CAQ (Custo Aluno Qualidade), que pode ser materializado por meio da complementação da União ao Fundeb, cujos recursos irão crescer nos próximos anos.

Os institutos e universidades federais têm o menor orçamento da década previsto para 2023. A recuperação progressiva dos recursos e a garantia de estabilidade da execução do orçamento aprovado em lei, depois de anos de cortes e contingenciamentos que inviabilizam qualquer planejamento qualificado, seria uma sinalização importante para a retomada da normalidade nas instituições federais. Quando pensamos em ensino profissional, o MEC precisa garantir assistência técnica e financeira para que as redes estaduais ampliem sua oferta, inclusive para o caso da educação de jovens e adultos, tão negligenciada nos últimos anos.

‘Estamos diante da urgência da recuperação da aprendizagem e da garantia da segurança alimentar das crianças nas escolas’

A assistência estudantil será um dos grandes desafios da próxima década, já que o Programa Nacional de Assistência Estudantil perdeu R$ 300 milhões entre 2019 e 2022 em valores autorizados na Lei Orçamentária Anual. O crescimento dos alunos de baixa renda nas universidades requer uma vinculação mais segura (através de lei) de recursos para assistência estudantil, além de uma avaliação mais precisa de sua execução.

O FIES (Fundo de Financiamento Estudantil) merece ser repensado. Uma alternativa é o modelo em que o estudante realiza o pagamento do empréstimo apenas depois de formado e quando seus vencimentos superarem um valor mínimo, o desconto seria feito no Imposto de Renda. Quem também demanda aperfeiçoamentos é o Sistema Nacional de Avaliação da Educação Superior É preciso pensar novos indicadores de qualidade da educação superior, diferenciações de avaliação por tipo de instituição e elaborar estratégias coerentes de avaliação da modalidade EAD, com atenção aos cursos de formação de professores.

A manutenção da política de cotas e sua extensão para pós-graduação, a reposição dos valores das bolsas Capes e CNPQ (da graduação ao pós-doutorado) e a revisão do formato de lista tríplice para nomeação de reitores das universidades são outras agendas inescapáveis.

O INEP precisa ser tratado como instituição de Estado. A reposição de pessoal e a ampliação da atratividade das suas carreiras são prioridades quando se pensa na autarquia. A atualização do banco de questões das avaliações oficiais e a reestruturação do SAEB (Sistema de Avaliação da Educação Básica) são pautas urgentes. A recente remoção dos microdados individuais nas divulgações feitas pelo INEP é um problema sério de transparência dos dados públicos, pois comprometeu a avaliação de políticas educacionais e o trabalho de pesquisadores. Há um conjunto de monitoramentos dos Planos Municipais de Educação que já estão prejudicados. A interpretação da Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais para esse caso específico precisa ser revista, mesmo que uma alteração na lei tenha de ser proposta a fim de superar esse problema.

O MEC tem como desafio se reerguer técnica e politicamente, trata-se de uma das maiores pastas do governo federal, há muitas outras frentes que precisam ser tocadas simultaneamente às que elenquei aqui. O que busquei foi trazer apenas um eixo de ações coordenadas que podem servir de guia inicial para o trabalho de reconstrução que terá de ser feito na educação.

Gregório Grisa é professor e pesquisador do IFRS (Instituto Federal do Rio Grande do Sul) e doutor em educação pela UFRGS (Universidade Federal do Rio Grande do Sul).

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