Como as leis de incentivos fiscais ajudam o Brasil

Ensaio

Como as leis de incentivos fiscais ajudam o Brasil
Foto: Paulo Whitaker/Reuters

Raphael Mayer, Mathieu Anduze e Tadeu Silva


12 de fevereiro de 2023

País conta com leis federais robustas que dialogam com a potencialização do impacto social. Existem inúmeros projetos sociais atuantes e idôneos que necessitam de recursos para implementar iniciativas

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O investimento social estratégico – com foco em maximizar o impacto social via leis de incentivo fiscal – tem um extraordinário potencial de transformar positivamente a sociedade brasileira, apoiando projetos e iniciativas voltados à população em situação de vulnerabilidade social. O que pode ser entendido como um prognóstico otimista é, na verdade, uma conclusão bastante pragmática. Há mais de 30 anos, brasileiros comprometidos com a transformação social têm utilizado as leis de incentivo fiscal como um importante instrumento de investimento social.

Na pesquisa proprietária “Brasil ODS: desafios para democratizar a transformação por meio do investimento social”, vemos que a Lei Rouanet – principal instrumento de fomento e incentivo à cultura nacional – registrou um crescimento nos últimos quatro anos, contabilizando um acumulado de investimento de aproximadamente R$ 6,4 bilhões no período. Em 2021,, o volume direcionado atingiu o valor recorde de mais de R$ 2 bilhões. Uma análise mais apurada mostra que a maior parte dos investimentos sociais realizados com esse instrumento (baseado na renúncia governamental de parte dos impostos a serem recolhidos) foram direcionados para a temática educacional; isso porque, na prática, há uma grande ligação entre a cultura e a educação.

E como esses mecanismos legais podem impactar na resolução de problemas sociais? É importante pensar que no Brasil existem inúmeros projetos sociais atuantes e idôneos que necessitam de recursos para implementar iniciativas; do outro lado da mesa, há grandes empresas que querem direcionar os seus investimentos para ações socialmente relevantes. Diante desse contexto, precisamos potencializar o encontro das partes interessadas, porque mesmo com quase R$ 4 bilhões anuais movimentados no mercado nacional de incentivos fiscais federais, 71% das organizações (dado que contempla a média histórica da Rouanet e Esporte) – que estão inscritas e aptas a recebê-los – ainda não conseguem tirar os seus projetos do papel. Outro ponto relevante é a importância de “pulverizar” os investimentos para todo o Brasil, pois o diagnóstico levantado pela pesquisa é que cerca de 80% dos investimentos estão centralizados, atualmente, no eixo Rio–São Paulo.

Há mais de 30 anos, brasileiros comprometidos com a transformação social têm utilizado as leis de incentivo fiscal como um importante instrumento de investimento social

Executivos de empresas precisam abrir os horizontes para além da Lei Rouanet. O país conta com leis federais robustas que dialogam muito com a potencialização de impacto social e, consequentemente, o ESG (sigla, em inglês, para environmental, social and governance, ou seja, ambiental, social e governança, em português) das empresas. Neste artigo, gostaríamos de falar, brevemente, sobre alguns desses mecanismos.

Um deles é a Lei do Audiovisual, que é destinada a pessoas físicas contribuintes do Imposto de Renda ou pessoas jurídicas tributadas sobre o lucro real – que podem utilizar até 4% do IR de forma compartilhada com a Lei Rouanet (nos 4%, a empresa pode utilizar 3% para projetos aprovados pela Rouanet e 1% da Audiovisual; ou, ainda, 2% de cada) –, é voltada a investimento em projetos aprovados pela Agência Nacional de Cinema. O valor do abatimento é de 100% do investimento na aquisição de cotas de participação. Entre os beneficiados pelos investimentos, destaque para projetos relacionados à cadeia de produção audiovisual tais como cinematográfica de produção e exibição, além de distribuição e infraestrutura técnica. Segundo o Ministério da Cultura, a lei ajudou a aumentar a diversidade de conteúdos audiovisuais disponíveis no país. Por exemplo, entre 2015 e 2018, aproximadamente 35% das produções audiovisuais apoiadas pelo Fundo Setorial do Audiovisual foram dirigidas por mulheres. A previsão da Receita Federal é de, em 2023, movimentar pela Lei do Audiovisual mais de R$ 76 milhões.

Outro mecanismo é a Lei de Incentivo à Cultura, utilizada por pessoa física e jurídica tributadas sobre o lucro real. Ela permite um valor de abatimento variável, podendo chegar a 100% do investimento a recolher, tanto para pessoas físicas quanto jurídicas; o limite é de 6% do Imposto de Renda de forma compartilhada com outras leis de incentivo (pessoa física) e 4% (pessoa jurídica) do investimento a recolher. Os projetos aprovados são relacionados à pesquisa, formação e difusão das áreas culturais e respectivas expressões, tais como: patrimônio cultural material e imaterial; museus e memória; humanidades; artes digital, eletrônica, cibernética, games e aplicativos culturais; artes cênicas; audiovisual; música; artes visuais; entre outros. Um estudo realizado em 2016 pela Fundação Getulio Vargas constatou que, para cada R$ 1 investido na LIC, o retorno é de cerca de R$ 1,60 em benefício econômico para a sociedade por meio da geração de renda, emprego e outros benefícios. Além disso, dados de 2019 do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) apontam que as atividades culturais e criativas representaram 2,3% do PIB do Brasil em 2017; na prática, geraram mais de 2,5 milhões de empregos e contribuíram para a economia do país, para a diversidade cultural e para o desenvolvimento. A previsão da Receita Federal é de, em 2023, movimentar mais de R$ 2 bilhões.

Outro instrumento utilizado por pessoa física (pode direcionar até 7% do Imposto de Renda) e jurídica (2% do imposto devido) é a Lei de Incentivo ao Esporte. Esse mecanismo versa sobre projetos que envolvem a implementação, a prática, o ensino, o estudo, a pesquisa e o desenvolvimento do desporto e do paradesporto nas áreas: desporto educacional; desporto de participação; desporto de rendimento; e projetos de obra e infraestrutura. Essa lei incentiva o desenvolvimento do esporte no país e pode gerar empregos diretos e indiretos na indústria do esporte. Por exemplo, a construção e reforma de instalações esportivas e a fabricação de equipamentos esportivos têm potencial de gerar empregos na construção e na indústria. Além disso, a lei também facilita a formação de profissionais capacitados para atuar na área esportiva, gerando empregos para professores e técnicos. A previsão da Receita Federal é de, em 2023, movimentar cerca de R$ 753 milhões.

Há também o Fundo da Criança e do Adolescente, que pode ser utilizado por pessoa física (pode direcionar até 6% do Imposto de Renda) e jurídica (1% do imposto a recolher no período de apuração). Esse mecanismo versa sobre políticas públicas, projetos e programas relacionados ao fortalecimento e à garantia de direitos das crianças e dos adolescentes. A previsão da Receita Federal é de, em 2023, movimentar cerca de R$ 661 milhões.

E, por último, há o Fundo do Idoso, instrumento utilizado por pessoa física (pode direcionar até 6% do Imposto de Renda) e jurídica (1% do imposto a recolher no período de apuração). Ele abarca iniciativas e projetos cujo objetivo social seja o atendimento à pessoa idosa. Na prática, projetos que estejam relacionados ao fortalecimento e à garantia de direitos da pessoa idosa. A previsão da Receita Federal é de, em 2023, movimentar em torno de R$ 401 milhões.

Com base em dados de mais de 180 mil organizações não governamentais – que estão buscando captação de recursos –, podemos afirmar, com certeza, que há projetos aprovados pelas leis federais que são muito consistentes na transformação proposta. Dar luz a essas políticas sociais em todas as regiões do país, via investimento social, é uma forma concreta que as empresas têm para oferecer mais impacto positivo à sociedade. É preciso aterrissar o “S” do tão falado ESG.

Raphael Mayer é cofundador da Simbiose Social e vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2018. É formado em administração com especialização em empreendedorismo social pela Fundação Getulio Vargas.

Mathieu Anduze é cofundador da Simbiose Social, vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2018. É formado em marketing, publicidade e propaganda pela ESPM.

Tadeu Silva é cofundador da Simbiose Social, vencedor do Prêmio Empreendedor Social de Futuro 2018 e mestrando em ciências da computação pela UFABC (Universidade Federal do ABC). É especialista em tecnologia com foco nas áreas de desenvolvimento e analytics.

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