Os prejuízos causados pelo atraso na alfabetização

Ensaio

Os prejuízos causados pelo atraso na alfabetização
Foto: Ben Mullins/Unsplash

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Silvia Pereira de Carvalho


08 de outubro de 2023

Brasil precisa avançar muito se quiser cumprir a meta de alfabetizar todas as crianças até os 8 anos. Urgência não pode, mais uma vez, abrir caminho para soluções mágicas e tecnicistas

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Desde que o Brasil ampliou o acesso à educação, temos testemunhado avanços notáveis na inclusão de crianças no sistema educacional. Os índices de alfabetização das crianças no ensino fundamental, no entanto, deveriam disparar alertas de emergência em todo o país.

Se 50% dos prédios construídos no Brasil desmoronassem, seria um escândalo, e certamente tomaríamos medidas drásticas para corrigir a situação. Mas a nossa sociedade parece aceitar que mais da metade dos alunos e alunas, principalmente das redes públicas, não se alfabetizem até os 8 anos como indicam as avaliações nacionais.

Atraso na alfabetização de uma criança resulta em danos socioemocionais, prejuízos na escolaridade como um todo, taxas mais altas de reprovação e uma tendência ao abandono escolar

Dados da pesquisa Alfabetiza Brasil, realizada pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira), revelam que 56,4% dos alunos do 2º ano foram considerados não alfabetizados

pelo seu desempenho no Sistema de Avaliação da Educação Básica 2021.

O atraso na alfabetização de uma criança resulta em danos socioemocionais, prejuízos na escolaridade como um todo, taxas mais altas de reprovação e uma tendência ao abandono escolar. Além disso, o comprometimento do processo de alfabetização tende a acompanhar toda a trajetória escolar desse estudante, refletindo mais tarde em piores condições de emprego e renda

Precisamos agir para não perdermos a oportunidade de alfabetizar bem as crianças brasileiras, desde o início. Mas a urgência não pode, mais uma vez, abrir caminho para soluções mágicas e tecnicistas, que chegam com fórmulas prontas e distantes das realidades das crianças e das escolas. E, ainda mais grave, desconhecendo o que já sabem e ignorando a diversidade que toda sala de aula apresenta.

É necessário questionar: o que significa ser alfabetizado? É simplesmente reconhecer letras e sílabas, ou envolve a compreensão e o uso significativo da linguagem escrita? Um processo que ensina a criança a ler e escrever de forma mecânica, apenas reconhecendo palavras simples ou textos sem sentido, não vai resolver nossos problemas de alfabetização. As crianças até podem aprender a reconhecer letras, juntar sílabas, fonetizar, mas não emprega essas habilidades em propósitos comunicativos.

A alfabetização é um processo amplo que começa desde cedo no contato das crianças pequenas com a cultura escrita em seu cotidiano. Na educação infantil, para apoiar a jornada há que se ter ações intencionais, tais como: acesso fácil e frequente a livros; a leitura constante de histórias, realizada pelos professores e professoras; brincadeiras cantadas e práticas sociais nas quais as crianças ditam aos docentes ou escrevem por si mesmas bilhetes, listas de palavras que ajudem a lembrar tarefas, ingredientes de uma receita, brincadeiras preferidas, etc. Tais ações, muitas vezes subestimadas, auxiliam não apenas na aquisição da linguagem, como também promovem compreensão e conexão emocional com diferentes conteúdos.

Para superar esses desafios, é importante colocar as crianças no centro do debate e adotar abordagens educacionais embasadas em teorias sólidas e criadas a partir da compreensão de como elas aprendem a ler e a escrever, respeitando sua maneira de pensar. Reconhecê-las como seres ativos e capazes de se apropriar de um sistema tão complexo como a cultura escrita fará toda a diferença ao escolher uma proposta pedagógica que parta sempre dos conhecimentos que elas já possuem aos 4 e 5 anos, quando entram na pré-escola.

As teorias socioconstrutivistas, nas quais o Instituto Avisa Lá se apoia, destacam a importância de uma alfabetização ampla, que vá além da decodificação e que se concentre na compreensão da linguagem escrita e em seu uso eficiente no dia a dia. Ler e escrever com sentido e significado desde o início.

As pesquisas didáticas em países da América Latina, com realidades semelhantes entre si, atestam a efetividade de uma abordagem centrada nos estudantes a partir do que sabem e pensam e por meio de uma formação continuada consistente que possibilite que os docentes sejam protagonistas de sua prática pedagógica, ao criarem oportunidades ajustadas a cada aluno e aluna, para que avancem em seu processo de aprendizagem.

Para se conquistar essa alfabetização que almeja plena participação dos sujeitos nas diferentes práticas sociais de leitura e escrita, é fundamental investir na formação inicial do docente bem como na formação continuada em serviço. Uma formação que envolva diferentes profissionais da rede de educação e que conceba crianças e adolescentes como pessoas que produzem conhecimento, que pensam e que por isso têm decisões a tomar.

Para além de uma prática pedagógica superficial, devemos buscar propostas sólidas que alicercem bem uma educação de qualidade, colaborando para que os indivíduos se tornem cidadãos ativos, antenados com as mudanças contemporâneas em relação aos costumes, meio ambiente e diversidade, em busca de uma sociedade democrática e menos desigual.

Silvia Pereira de Carvalho é empreendedora social da Ashoka, mestre em Psicologia da Educação pela PUC-SP e fundadora e coordenadora executiva do Instituto Avisa Lá – Formação Continuada de Educadores OSC.

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