Quem gosta de história, sabe da importância da famosa frase de Edmund Burke: “Um povo que não conhece a sua história está fadado a repeti-la”. É por isso que a união dos eixos educação, memória e pesquisa é fundamental para estabelecer uma conexão constante entre passado, presente e futuro. Para que isso ocorra, entretanto, espaços de memória, como museus e memoriais, são indispensáveis.
Quem visitar Berlim, na Alemanha, verá o exemplo de um povo que reconheceu um erro terrível do passado recente, que foi a política de ódio e extermínio praticada pelos nazistas, e implementou um programa de educação para lembrar as gerações atuais e futuras da importância de manter viva a memória desse passado sombrio e das lições dele aprendidas.
A lembrança, materializada em instituições como o Centro de Documentação “Topografia do Terror” e o Memorial aos Judeus Mortos da Europa (ou Memorial do Holocausto), serve para que todos os horrores e todas as atrocidades que levaram ao genocídio em massa de quase 6 milhões de judeus e outras minorias perseguidas, não caiam jamais no esquecimento, não sejam negados, e, sobretudo, nunca mais voltem a acontecer.
No Brasil, lugares como o Museu do Holocausto de Curitiba (2011), o Memorial da Imigração Judaica e do Holocausto em São Paulo (2017) e o recém-inaugurado Memorial do Holocausto no Rio de Janeiro (2023) cumprem um importante trabalho de memória e ensino sobre o episódio no contexto brasileiro.
O que aprendi com o exemplo alemão, acima descrito, foi que, no Brasil, que recebeu mais de 5 milhões de pessoas escravizadas ao longo de quatro séculos, e mesmo passados 135 anos de abolição, ainda não conseguimos estabelecer um programa completo de educação antirracista e reparação histórica da escravidão.
Brasil avançou nas políticas públicas de combate ao racismo e à desigualdade racial, mas a jornada ainda é longa, dinâmica e complexa
Na verdade, já há algum tempo existe um movimento em curso nos EUA, Brasil, Chile, países Caribenhos e africanos em prol da reparação da escravidão. Em 2016, por exemplo, a Ordem dos Advogados do Brasil criou a Comissão Nacional da Verdade da Escravidão Negra, para discutir “formas de reparação”.
Existem correntes que defendem negociar, com as antigas nações colonizadoras, compensação financeira aos descendentes de pessoas escravizadas, cujas vidas foram diretamente afetadas pelo trabalho forçado, pelos danos que se estenderam por gerações.
Outras correntes defendem investimentos em políticas públicas, programas sociais, ações afirmativas e diferentes estratégias que visem a abordar as desigualdades estruturais resultantes da escravidão, a promover a igualdade de oportunidades e a combater o racismo sistêmico. Há clamores para que empresas, instituições e famílias que tiveram posse de escravos paguem compensações, mas a maioria das propostas atribui a responsabilidade ao governo.
Mais recentemente, o tema de reparação voltou a ganhar força no Brasil no mês de novembro de 2023, com o caso do inquérito civil instaurado pelo Ministério Público Federal para investigar o envolvimento do Banco do Brasil na escravidão. A escravidão é considerada um crime contra a humanidade e, por isso, não prescreve e permite que ações relacionadas ao período ainda possam correr na Justiça.
Para os historiadores, o Banco do Brasil, instituição fundada em 1808, se capitalizou e se beneficiou com o dinheiro produzido pelo contrabando de africanos e pelo financiamento de negócios escravistas ao longo do século 19.
Na ocasião do inquérito, a presidente do Banco do Brasil, Tarciana Medeiros, primeira mulher negra no cargo desde a fundação da instituição, disse, em comunicado no site oficial da organização, que “o Banco do Brasil de hoje pede perdão ao povo negro pelas suas versões predecessoras e trabalha intensamente para enfrentar o racismo estrutural no país”. A instituição anunciou, ainda, uma série de ações de compromisso para promover inclusão racial.
Nos últimos 20 anos, o Brasil avançou nas políticas públicas de combate ao racismo e à desigualdade racial. Alguns dos exemplos são a vitoriosa implementação da lei de cotas raciais em universidades e concursos públicos, o ensino de história e cultura africana e afro-brasileira nas escolas, o Estatuto da Igualdade Racial, o programa Aquilomba Brasil, a equiparação da injúria racial ao crime de racismo e a instauração recente do Dia Nacional de Zumbi e da Consciência Negra como feriado nacional.
A jornada da equidade racial é longa, dinâmica e complexa. O copo está meio cheio, e não podemos negar as conquistas das últimas décadas. Mas, se nada for feito para acelerar o movimento e se mantivermos o ritmo em que o país está, a igualdade racial, sobretudo no mercado de trabalho, só será alcançada daqui a 150 anos. O comprometimento contínuo de instituições e da sociedade em geral é fundamental para continuarmos avançando nas políticas públicas, acelerar a inclusão racial nas empresas e promover mudanças culturais e sociais.
Leizer Pereira é palestrante, empreendedor e consultor especialista em estratégias para promoção da diversidade e inclusão nas empresas. É fundador e diretor-executivo da Empodera, uma plataforma pioneira na construção de negócios inclusivos e preparação de carreira e conexão de jovens com organizações que valorizam a diversidade.