No cenário global, a busca por inclusão e diversidade em ambientes corporativos tem ganhado destaque, mas ainda há muito a ser feito para assegurar os direitos e a dignidade de todas as pessoas – especialmente as que enfrentam discriminação e violência por sua identidade de gênero. Recentemente, uma das maiores empresas de contabilidade e auditoria do mundo anunciou que iria abandonar algumas das metas de diversidade nos Estados Unidos, revelando uma tendência norte-americana. Embora existam pesquisas consistentes de que as empresas diversas são lucrativas e inovadoras, os ventos do conservadorismo continuam a soprar com força.
Nos Estados Unidos, após investimentos de milhões de dólares em iniciativas de diversidade e inclusão, os conselhos de gestão de grandes empresas estão exigindo que os programas sejam revistos à luz da incerteza e volatilidade econômica. Ou seja, estão associando a diversidade à despesa e não ao investimento, a despeito de evidências que comprovam exatamente o contrário. No Brasil, até o momento, vemos uma movimentação social e corporativa que ainda avança na direção da formação de uma sociedade que luta para tirar da invisibilidade a comunidade LGBTI+.
Segundo o IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística), pela primeira vez, a Pesquisa Nacional de Demografia e Saúde vai estimar o tamanho da população trans, travesti e não binária do Brasil, oferecendo seis opções de resposta aos entrevistados. Essa iniciativa é importante para reconhecer a diversidade e a cidadania de uma população que enfrenta altos índices de exclusão escolar, desemprego, pobreza e violência.
Existe, sobretudo, uma busca recorrente por direitos básicos para a população LGBTI+ no Brasil decorrente da colaboração entre organizações da sociedade civil, instituições acadêmicas, do movimento social e do poder público, frequentemente liderados por travestis e mulheres trans. Entretanto, não existem leis que corroborem para a inclusão como uma regra dentro das organizações laborais. Então, surge um desafio: dado que a educação é um meio de emancipação por meio da conscientização crítica, imagine se fosse ensinado sobre a importância da inclusão de pessoas trans, travestis e demais dessa comunidade, rompendo com a exclusão estrutural. O resultado seria não apenas incluir, mas promover a transformação social de dentro das organizações para toda a sociedade.
Preconceito de gênero afasta pessoas trans e travestis do mercado de trabalho, criando um deficit curricular no qual, ao buscarem se inserir por meio de vagas afirmativas, continuam encontrando barreiras
Ao encarar os desafios de incluir a diversidade, as empresas conscientes e aliadas da causa da inclusão e da diversidade terão o papel de protagonistas na promoção de soluções inovadoras que vão além da lógica mercadológica tradicional, mas terão como base a transformação dos negócios e dos espaços laborais em ambientes de desenvolvimento de pessoas. Projetos que buscam a inclusão, o combate às desigualdades sociais e a promoção da igualdade de gênero não apenas contribuem para a construção de uma cultura mais justa, como fomentam um ambiente propício para o crescimento econômico equitativo, que tem as pessoas no centro da inovação.
A busca por inclusão não deve ser dissociada do crescimento econômico, pois por meio da infraestrutura social é possível gerar eficiência na produção, visando criar oportunidades para quem não tem experiência, e contribuir para equalizar as dinâmicas empregatícias, desenvolvendo as pessoas que estão no início de suas trajetórias profissionais e os que estão liderando negócios que pretendem ascensão financeira.
Entretanto, o preconceito de gênero afasta pessoas trans e travestis do mercado de trabalho, criando um deficit curricular no qual, ao buscarem se inserir por meio de vagas afirmativas, continuam encontrando barreiras. As empresas estão buscando pessoas trans prontas e desenvolvidas (não vulneráveis), sem o entendimento de que, ao proporcionar oportunidades para aqueles que estão ingressando, a infraestrutura social contribui diretamente para a assertividade do objetivo de incluir, ao nutrir e aproveitar o potencial de talentos diversos. Essa abordagem não apenas amplia a base de profissionais qualificados, mas promove processos de aperfeiçoamento profissional e pessoal tanto para os novos talentos quanto para toda a equipe.
Nesse contexto, a responsabilidade social emerge como um pilar fundamental para o desenvolvimento de uma cultura mais saudável – tanto no âmbito mais amplo quanto em determinados espaços formais, tais como corporações e instituições laborais. É imperativo reconhecer que uma cultura inclusiva não se limita apenas à aceitação de determinados grupos, mas deve contemplar todos os estratos sociais, incluindo as pessoas trans e travestis.
Para tanto, as empresas podem adotar medidas como a contratação e o desenvolvimento profissional – via metodologias de aprendizagem contínua –; o respeito ao nome social e à identidade de gênero; a promoção de campanhas de conscientização; e o apoio a projetos sociais voltados para essa população. Ou mesmo, a implementação de uma curva de aprendizado para todas as partes da organização, tendo em mente o princípio que revela a necessidade inerente do desenvolvimento pessoal para todas as pessoas.
Assim, a curva de aprendizado também se aplica às lideranças e aos profissionais seniores, afinal reconhecer a importância das habilidades humanas no ambiente de trabalho é crucial para uma liderança eficaz. Portanto, investir em treinamentos e desenvolvimento para aprimorar essas habilidades pode ser benéfico tanto para os líderes seniores quanto para os novos talentos.
Ao desenvolver essa curva, conseguiremos entender em que momento da jornada de inclusão está cada sujeito. Logo, para as pessoas que estão chegando à organização, é possível estipular metas de aprendizado para alcançar os níveis técnicos necessários para exercer funções mais avançadas ou para alavancar a carreira e melhorar o relacionamento interpessoal. Do mesmo modo, podemos medir o quanto os mais seniores sabem sobre a diversidade e as novas dinâmicas sociais do século 21, no qual serão “obrigados” a conviver em harmonia.
A sociedade moderna está atenta às questões sociais; as corporações, neste cenário, já reconhecem a importância de práticas conscientes. No entanto, essa mudança deve ser estruturalizada e perene, evitando o risco de instrumentalizar causas sociais sem a real intenção de contribuir para o desenvolvimento delas. Em meio a essa movimentação, empresas devem agir com coerência e transparência, demonstrando os resultados e benefícios das ações para a sociedade, tornando-se uma referência na inclusão de pessoas diversas.
Judá Nunes é licenciada em teatro pela Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia. Especialista em Educação para Inclusão da Diversidade, analista de ESG e reconhecida como LinkedIn Top Voices Orgulho, atua como educadora, gestora de projetos, comunicadora, escritora, palestrante e consultora.