Foram duas semanas de intensas negociações, acontecimentos, declarações, compromissos e progressos anunciados. O conjunto COP29, em Baku, e reunião de cúpula do G20, no Rio, apresenta um cenário de fortalecimento da agenda socioambiental, em especial aquela dedicada às populações vulneráveis, comunidades tradicionais e indígenas, e povos afetados pelas mudanças climáticas.
Na esfera doméstica, o Brasil apresentou a atualização da meta climática por meio da Contribuição Nacionalmente Determinada (NDC), e ainda logrou finalizar o processo legislativo de criação e regulação do mercado de carbono. Avanços que sinalizam um cenário positivo, porém caberá ao país consolidar esses elementos em impacto para comunidades locais e povos tradicionais.
A Aliança Global contra a Fome e a Pobreza, lançada no G20, é um dos marcos mais importantes no reconhecimento da necessidade de incluir a criação de geração de renda e oportunidades de desenvolvimento social para aqueles que vivem em situação de vulnerabilidade, seja em ambiente urbano, florestal ou rural.
Até o momento, a Aliança já recebeu adesão de 82 países e 66 organizações, que devem se estruturar para colocar em prática um conjunto de políticas públicas, fluxos financeiros e cooperações internacionais para o aumento da produção de alimentos em bases sustentáveis. A atenção se volta para a agricultura de baixo carbono, seja em sistemas agroflorestais, ou de práticas regenerativas, que inclua comunidades locais e povos tradicionais.
De Baku, saíram os padrões e o framework para o mercado global de carbono, ainda no início da COP29. Ao longo da conferência, foram decididos incrementos técnicos para a implementação do Acordo de Paris e o fortalecimento das metas nacionais. Do Rio, ainda nessa linha, a declaração final do G20 reforçou os esforços para a transição energética e a neutralidade de emissões de carbono até a metade do século.
O Brasil é um dos países que mais pode se beneficiar, economicamente, desses avanços, já que possui o potencial de ser um grande vendedor líquido de créditos de carbono e importante fornecedor dos insumos e elementos para a transição energética. Assim, são esperados maiores investimentos e medidas em prol do desenvolvimento, produção e uso de biocombustíveis, novos projetos florestais, e de produção mineral (outras fontes renováveis de energia demandam muitos minérios).
Entre declarações, programas anunciados e a efetiva execução de melhorias para as pessoas, há um longo caminho, com desafios de ordem política, financeira, prática, legal e mesmo logística
É nesse ponto, mais uma vez, que esses objetivos coincidem com a possibilidade de consolidação da agenda socioambiental, já que a nova meta climática apresentada pelo Brasil foi toda desenhada para incentivar o desenvolvimento da economia de baixo carbono, a transição energética com base nos biocombustíveis e os elementos para que as atividades econômicas em geral – agricultura, mineração, infraestrutura, indústria – ocorram em estreito respeito, consideração e fortalecimento das comunidades locais, povos tradicionais e pessoas em vulnerabilidade.
No entanto, entre declarações, programas anunciados e a efetiva execução de melhorias para as pessoas da ponta, dos territórios, há um longo caminho, com desafios de ordem política, financeira, prática, legal e mesmo logística. O Brasil não pode deixar de priorizar a agenda socioambiental, sob o risco de perda de credibilidade internacional e aumento da vulnerabilidade sócio climática entre comunidades tradicionais e grupos mais carentes.
O governo brasileiro pretende, ao longo de 2025, detalhar como irá transformar essa meta em políticas públicas práticas, medidas legais, e detalhamento de ações setoriais. Os desafios já são conhecidos, como a baixa disponibilidade de crédito para a agricultura familiar; a necessidade de aumentar os programas de Assistência Técnica e Extensão Rural (ATER) e capacitação agrícola; programas de infraestrutura, industrialização e pesquisa em bioeconomia; regularização fundiária; e fortalecimento das entidades representativas de comunidades locais e tradicionais para serem atores no relacionamento atividades econômicas de impacto nos territórios.
Com esse pano de fundo, o Brasil assume a presidência da COP e se prepara para a 30ª edição, a ser realizada em Belém, com uma agenda doméstica que pode qualificar as posições do país (representativa das demandas do Sul Global) para avançar nos pontos mais críticos das negociações internacionais climáticas: financiamento, redução do uso dos combustíveis fósseis, operacionalização do mercado de carbono e fortalecimento das comunidades tradicionais em outros países.
A forma como a sociedade brasileira, como tomadores de decisão, agentes públicos e políticos, empresários e sociedade civil, irá encarar a consolidação da agenda socioambiental é chave não somente para a COP30, mas para preparação do país para ser mais resiliente contra as mudanças climáticas, mais inclusivo socialmente, e mais justo na divisão do bolo do desenvolvimento socioeconômico.
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Gabriel Berton Kohlmann é coordenador de projetos da Synergia Socioambiental.