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Salomão Ximenes, Fernando Cássio, Andressa Pellanda e Marina Braz
A crise do novo coronavírus tem levado governos a adotar políticas públicas emergenciais de caráter mais do que ‘desigual’: são políticas discriminatórias
Três meses após a suspensão das aulas na educação básica, já é possível avaliar os resultados dos programas emergenciais de ensino não-presencial adotados na maioria dos estados: são desanimadores e indicam efeitos preocupantes no médio e no longo prazos.
Em São Paulo, onde as “aulas” foram reiniciadas por meio de um programa de ensino remoto em 27 de abril, após preparação e investimentos de R$ 142 milhões em TV e telefonia móvel, menos da metade dos estudantes acessam regularmente a plataforma , e menos ainda são os que dela tiram algum proveito. Como se não bastasse a ansiedade gerada pela pandemia, o secretário Rossieli Soares da Silva decidiu manter o calendário de avaliações na rede estadual , gerando mais apreensão e revolta entre estudantes, professores e comunidades escolares. Igualmente questionável foi a decisão de, em pleno ascenso do contágio e contrariando recomendações sanitárias, convocar milhões de famílias a ir retirar apostilas nas escolas.
Com a dificuldade em verificar a “presença” dos alunos durante as aulas online, escolas são orientadas a pedir o envio de fotos de crianças e adolescentes em seus ambientes domésticos, o que levanta sérias objeções jurídicas e éticas. Questionável também é a aparente ausência de critérios e de protocolos de segurança no recebimento de doações de aplicativos e plataformas de tecnologia, automaticamente adotadas pelo setor público, que assim patrocinam o acesso massivo das corporações a dados pessoais cotidianos de milhões de crianças, adolescentes e seus familiares, informações que valem ouro nesse modelo de negócio. Em outros estados do país, a situação não tem sido diferente.
É relativamente fácil falar em desigualdades educacionais no Brasil. O difícil é conter o discurso da urgência que sempre interdita esse debate no momento em que as decisões são tomadas. É sempre caro demais. Inconveniente demais. Irrealista demais. Utópico demais. Mas como classificar a possibilidade de exclusão educacional que sempre esteve aí, gritando, na frente de todos? O que se vê, até aqui, são os severos limites pedagógicos e o restrito alcance dos programas de ensino não-presencial no país, que excluem ativamente uma massa de estudantes ao mesmo tempo em que degradam as condições de trabalho de uma massa de profissionais da educação.
Para enfrentar tais riscos é preciso chamar as coisas pelo nome. A pandemia de covid-19 tem levado governos a adotar políticas públicas emergenciais de caráter mais do que “desigual”: são políticas discriminatórias. Conforme definição estabelecida há 60 anos na Convenção relativa à luta contra a discriminação no ensino, da Unesco (Organização das Nações Unidas para a Educação, a Ciência e a Cultura), “discriminação” é qualquer distinção, exclusão, limitação ou preferência que, por motivo de raça, sexo, origem, condição econômica etc., tenha por objeto ou efeito destruir ou alterar a igualdade de tratamento no ensino, privando o acesso ou limitando a nível inferior a educação de qualquer pessoa ou grupo.
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