Debate
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Nelson Cantarino e Vinícius Müller
Crises são oportunidades de expansão dos horizontes históricos. Nos últimos séculos, a humanidade foi capaz de expandir a geração de riquezas, criar novas tecnologias e mudar as formas de interação social como nunca antes
A história nunca se repete. Analisar o presente mimetizando o passado nos faz perder as possibilidades de transformação e os novos caminhos que se abrem para nós. Mas para escolher novos percursos temos que nos conscientizar de que somos sujeitos históricos: nosso presente é resultado de ações e ideias formadas em um processo histórico com suas ideologias, suas ações políticas, suas necessidades materiais e seus sistemas de valores e crenças.
Para muitos, nosso presente tornou-se uma distopia. Baseada em escassez material, desigualdades, doenças, depredação do meio ambiente e a na reprodução de um sistema de valores que mercantilizou todos os aspectos da existência. O debate em torno das consequências da covid-19 em nossas perspectivas de futuro só será proveitoso se abstrairmos nossa experiência histórica para além daquilo que Karl Polanyi chamou de “a grande transformação”.
Em relação às propostas debatidas frente à crise econômica que se arvora, no mínimo três itens merecem uma advertência. O primeiro é que aquilo que ocorreu após a Segunda Grande Guerra e que, em geral, vem sendo usado como parâmetro para o debate atual, tinha como um de seus pilares a concentração inédita de recursos econômicos em mãos de um único país, os Estados Unidos. Ou seja, havia uma ampla confiança na capacidade dos EUA em manter, por algum tempo, a liquidez internacional, suportando desta forma a expansão das justificadas políticas monetárias e fiscais voltadas às garantias do Estado de bem-estar. Principalmente em países europeus. Hoje, não temos essa liderança definida tão claramente. Ao contrário, há uma crise de lideranças internacionais em meio às dúvidas sobre os limites da anterior globalização, dos nacionalismos em ascensão e das respostas que serão adotadas por possíveis lideranças como EUA, China e Alemanha.
A segunda consideração diz respeito às próprias fragilidades que a política do pós-guerra apresentou ao longo de seus 30 anos de sucesso. Internamente aos países que se voltaram às políticas de bem-estar, a expansão dos gastos vinculados a uma lógica de embasamento keynesiana se mostrou crítica quando a liderança dos EUA foi questionada em fins dos anos 1960 e início dos anos 70. O crescente déficit duplo dos EUA, a derrota no Vietnã e as pressões políticas fizeram com que a posição de liderança do país norte-americano se esvaziasse. O abandono do acordo de Breton Woods, em 1971, e a Conferência de Paris, dois anos depois, mostraram os limites daquele acordo.
Somado a isso, a expansão do Estado de bem-estar também gerou uma disputa entre setores organizados em relação à alocação desses recursos que pareciam, ingenuamente, não terem fim. Tais disputas levaram não só a um inchaço da máquina pública, pressionada para atender às demandas variadas que, em tese, caberiam naquele modelo, mas, também, a uma paralisia decisória. Esse fenômeno de paralisia foi o diagnóstico para a mudança de rumo da política econômica, dando lugar ao renascimento de propostas de fundamento liberal.
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