Como o ensino a distância pode agravar as desigualdades agora

Debate

Como o ensino a distância pode agravar as desigualdades agora
Foto: Tyrone Siu/Reuters

Olívia Bandeira e André Pasti


03 de abril de 2020

A normalização acrítica do EAD como substituição dos processos educativos presenciais tende a aprofundar desigualdades educacionais históricas do nosso país

A quarentena forçada pelo coronavírus mantém em casa milhões de brasileiros, sobretudo crianças, adolescentes e jovens, que tiveram suas atividades educacionais presenciais suspensas de acordo com determinações governamentais e com recomendação da OMS (Organização Mundial de Saúde) de manter o isolamento como principal forma de combate à pandemia.

Neste cenário, a internet torna-se potencialmente o principal meio de acesso de estudantes ao conhecimento, à informação, à cultura e mesmo ao lazer ou à realização de exercícios físicos. A centralização das atividades na internet, no entanto, vem acompanhada de um problema: a enorme desigualdade de acesso existente no Brasil.

Segundo a pesquisa TIC Domicílios 2018 , 85% dos usuários de internet das classes D e E acessam a rede exclusivamente pelo celular, e somente 13% se conectam tanto pelo aparelho móvel quanto pelo computador. Na classe A, a tendência se inverte. As desigualdades se ampliam devido à qualidade da conexão e aos limites das franquias de dados. Segundo estudo da Anatel (Agência Nacional de Telecomunicações), 55% dos acessos móveis do país são pré-pagos . E sabe-se que boa parte dos usuários pós-pago são clientes “controle”, que pagam uma taxa fixa mensal, mas têm um limite, em geral, bastante estrito de tráfego de dados.

Entre 19 e 23 de março, foi realizada uma pesquisa entre estudantes do Cotuca (Colégio Técnico de Campinas da Unicamp) . As desigualdades em um dos colégios estaduais com melhores notas do Enem do país deixam ainda mais evidente os problemas enfrentados. Ao todo, 686 estudantes responderam à pesquisa que mostrou que, embora 98,8% deles tenham smartphone, apenas 74,4% dos aparelhos possuem memória para uso de novos aplicativos e armazenamento de informações. Apenas 77,3% possuem plano de internet para o smartphone. Desses, cerca de 7,5% possuem até 1GB de franquia mensal, 16% entre 1 e 2GB e 39,7% entre 2 e 4 GB mensais.

Há ainda outros limites tecnológicos: menos de 70% dos alunos possuem acesso a computadores e 35,7% dos que têm acesso ao equipamento o compartilham com três ou mais pessoas. Apenas 46,3% consideram o modelo do computador adequado para uso e armazenamento de informações, e 23,9% enfrentam lentidão e dificuldade de uso. Isso deve ser somado, ainda, à falta de acessibilidade de muitas plataformas para pessoas com deficiências.

Os artigos publicados no nexo ensaio são de autoria de colaboradores eventuais do jornal e não representam as ideias ou opiniões do Nexo. O Nexo Ensaio é um espaço que tem como objetivo garantir a pluralidade do debate sobre temas relevantes para a agenda pública nacional e internacional. Para participar, entre em contato por meio de ensaio@nexojornal.com.br informando seu nome, telefone e email.