Trabalho na pandemia: velhas clivagens de raça e gênero

Debate

Trabalho na pandemia: velhas clivagens de raça e gênero
Foto: Andréa Rêgo Barros/PCR

Ian Prates, Márcia Lima e Caio Jardim Sousa


29 de junho de 2020

Dados da PNAD Covid-19 demonstram como raça, gênero e educação reorganizam o trabalho em casa, na rua e a busca por emprego durante a pandemia

Quando os primeiros passos em direção ao isolamento social eram dados no Brasil, já se esperava que a crise no mercado de trabalho atingiria homens e mulheres, brancos e negros, de forma desigual. Por estarem mais presentes nos setores considerados não-essenciais, as mulheres ficaram mais expostas às atividades suspensas, ao passo que os negros estavam em posições mais vulneráveis por constituírem o grupo mais representativo do setor informal . As dúvidas que ainda restavam sobre as desigualdades de gênero e raça eram mais direcionadas ao “quanto” do que para o “se”.

Ocorre que a pandemia não trouxe apenas uma crise que reproduz e intensifica os padrões de desigualdades conhecidos. Ela criou mecanismos que exigem um olhar mais cuidadoso para “como” as desigualdades se aprofundam neste momento . As necessárias medidas de distanciamento social expuseram novas clivagens que deslocaram as desigualdades de raça e gênero no mercado de trabalho ao introduzir um novo sentido para o “ficar em casa” e o “estar ocupado”.

Quem pode fica em casa trabalhando e mais protegido do vírus. Quem não pode tem duas opções: 1) manter-se em casa e se recolher a uma inatividade forçada, ou 2) continuar trabalhando em condições bastante heterogêneas, em que alguns estão mais expostos do que outros. Existem ainda aqueles que tentam procurar emprego mesmo no quadro atual de isolamento social.

O primeiro grupo está em home office , também chamado de “novo normal” do mercado . Algumas áreas estão mais bem amparadas por essa possibilidade de exercer as funções desde casa durante o isolamento social. Profissionais da educação (38,7%), do setor bancário (37,4%), dos escritórios de advocacia, engenharia ou publicidade (33,4%) e da administração pública (21,8%) são exemplos. Mas essas são atividades que exigem níveis educacionais mais altos, e os dados da PNAD Covid-19 mostram que 72,8% dos mais de 11 milhões de brasileiros que estão trabalhando remotamente de suas casas têm diploma de ensino superior. Outros 24,5% estudaram até o ensino médio, e a idade da maioria está entre 25 e 49 anos.

Porém, a possibilidade de realizar home office evidencia a histórica desigualdade educacional entre brancos e negros . Apesar de 39,7% das pessoas brancas e 34,3% das pessoas negras graduadas estarem trabalhando remotamente, o percentual de trabalhadores brancos com diploma universitário (33,5%) é o dobro dos negros (16,6%). Não é surpresa que durante a pandemia os brancos têm duas vezes mais chances de estarem trabalhando de casa (13,8%) que os negros (6,6%). O privilégio de estar no “novo normal” tem cor.

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