Clima

‘Indústrias não têm interesse em minorar danos ao clima’

Mariana Vick

22 de julho de 2023(atualizado 28/12/2023 às 22h03)

Professor e chefe do Departamento de Física Aplicada da USP, Paulo Artaxo fala ao ‘Nexo’ sobre impactos de decisões dos países para fenômenos como as ondas de calor extremo que atingem o hemisfério norte

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FOTO: DYLAN MARTINEZ/REUTERS – 13.JUN.2023

Prédios de uma cidade são vistos de longe. O céu está laranja e há uma neblina. Um pássaro grande voa no alto.

Sol se põe em dia de calor e poluição em Londres, no Reino Unido

Se a mudança climática causa cada vez mais eventos como as ondas de calor extremo observadas nesta semana no hemisfério norte, é porque governos e indústria não têm agido para evitar o problema, segundo Paulo Artaxo, professor e chefe do Departamento de Física Aplicada da USP (Universidade de São Paulo).

Referência nos estudos sobre mudança climática no Brasil, Artaxo diz que a ciência faz alertas sobre o fenômeno há mais de 50 anos, mas que, por interesses econômicos, os grupos que teriam poder para transformar a situação não o fizeram. Essa falta de ação tornou a mudança climática uma ameaça atual e não mais do futuro.

“Esse terreno perigoso [do clima] está afetando a saúde de milhões de pessoas”, afirmou ao Nexo , em referência às temperaturas recordes que têm atingido América do Norte, Europa e Ásia. Junto com o El Niño, fenômeno meteorológico que começou em junho, a mudança climática deve tornar este mês de julho o mais quente da história, segundo projeções científicas.

60ºC

foi a quanto a temperatura da superfície chegou em Extremadura, no sudoeste da Espanha, no dia 11 de julho, segundo dados do serviço europeu de observação Copernicus

Nesta entrevista, Artaxo fala sobre a relação entre a mudança do clima e os eventos recentes, além dos impactos do fenômeno para os países. Comenta também o papel dos governos e setores econômicos para enfrentar o problema. Para o professor, a qualidade da democracia é fundamental para encontrar soluções para o clima.

Julho de 2023 se encaminha para ser o mês mais quente da história. Os recordes de calor vão continuar sendo batidos sucessivamente?

PAULO ARTAXO Como não há nenhuma redução significativa de emissões de gases de efeito estufa, o aquecimento global vai continuar, e o aumento da frequência e intensidade de eventos climáticos extremos — como ondas de calor — vai se intensificar. A ciência é muito clara sobre isso. Estamos observando o agravamento rápido da situação climática pela falta de ação dos governos e da indústria de combustíveis fósseis em reduzir suas emissões.

Países na Europa, na América do Norte e na Ásia estão passando por ondas de calor extremo. Qual a chance de eventos assim aparecerem no próximo verão no Brasil?

PAULO ARTAXO É muito difícil fazer previsões de eventos climáticos extremos para uma região ou uma escala temporal em particular. A atmosfera é um sistema dinâmico, extremamente complexo, e o sistema climático tem um componente caótico de difícil previsibilidade. É muito difícil saber, então, se o verão do ano que vem no Brasil vai ter ondas de calor ou não. Mas o que nós sabemos e podemos afirmar com segurança é que a frequência e a intensidade de eventos climáticos [extremos] em todo o mundo, inclusive no Brasil, vai aumentar.

Quais são os piores impactos a curto prazo desses eventos e de outros efeitos da mudança climática? Estamos preparados para lidar com eles?

PAULO ARTAXO O clima mudou. Antigamente, dizíamos que as mudanças climáticas eram uma ameaça à humanidade no futuro, em 2050 ou 2100. Agora, pela falta da redução de emissões de gases de efeito estufa, ela é uma ameaça ao sistema socioeconômico hoje.

O Brasil, por exemplo, tem uma economia fortemente dependente da produtividade agrícola. Essa produtividade depende do clima. Tem que chover na hora certa e na quantidade certa. Por isso, o Brasil tem uma vulnerabilidade muito grande à flutuação climática.

FOTO: CIRO DE LUCA/REUTERS – 10.JUL.2023

Mulher de meia-idade, ruiva, com cabelos curtos, está sentada, de biquíni, em uma cadeira branca de plástico. A cadeira está no mar, e a mulher está coberta com água até os joelhos. Ela fuma um cigarro. Há barcos e crianças atrás dela. O sol está forte.

Mulher se refresca no mar durante onda de calor em Nápoles, na Itália

Temos que nos adaptar ao novo clima. Temos que diversificar nossas atividades econômicas se não quisermos ser pegos de surpresa por quebras de safra recorde, por problemas de disponibilidade de água em nossos centros urbanos e assim por diante. O Brasil tem um plano de adaptação climática elaborado ao longo dos últimos dez anos, mas que ainda está basicamente no papel. Cidades como Teresina (PI), onde as temperaturas no verão atingem normalmente 41ºC ou 42ºC, podem vir a atingir 47ºC ou 48ºC.

Temos que proteger a população mais vulnerável, particularmente idosos e crianças, que têm um sistema de regulação de temperatura mais precário que um adulto saudável. Precisamos desenvolver edificações mais resilientes a altas temperaturas. No sul, precisamos nos preparar para ondas de frio, com temperaturas de 8ºC a 10ºC. Temos também que reduzir o desmatamento da Amazônia, que é responsável pela maior parte das nossas emissões de gases de efeito estufa. Temos que cuidar das nossas emissões, assim como pressionar para que os países desenvolvidos reduzam as deles.

Por que não avançamos na prática para combater esse problema, se temos todas as evidências disponíveis sobre sua gravidade?

PAULO ARTAXO Nossos governos — do Brasil, da América do Norte, da Europa — respondem muito mais aos interesses econômicos das indústrias do que aos interesses da população. É evidente que as concentrações de gases de efeito estufa poderiam ter sido reduzidas significativamente. Desde a Conferência de Estocolmo [realizada pela ONU] de 1972, a ciência alerta que estamos indo para um terreno perigoso do ponto de vista climático. Esse terreno perigoso já chegou, claramente, e está afetando a saúde de milhões de pessoas.

As ondas de calor de 2022 na Europa mataram 60 mil pessoas [foram 61.672 em pouco mais de três meses, segundo estudo publicado na revista científica Nature Medicine], porque as edificações de lá não estão preparadas para enfrentar esse calor. E os governos basicamente governam com os interesses econômicos das indústrias em mente. A qualidade da democracia é fundamental para encontrarmos soluções para a mudança climática.

O sr. falou dos governos e da indústria. Quais são os níveis de responsabilidade desses dois — e também dos indivíduos?

PAULO ARTAXO Basicamente, a responsabilidade é das indústrias, que enxergam suas próprias necessidades econômicas no curtíssimo prazo. Uma indústria, em geral, faz planos para três, quatro ou cinco anos. Algumas conseguem ter uma visão de longo prazo de dez anos. Mas ninguém pensa no impacto que as emissões de gases de efeito estufa [dessas atividades] vão ter daqui a 20, 30 ou 40 anos. Essa seria uma responsabilidade dos governos, mas eles são totalmente controlados pelos interesses econômicos das indústrias.

E como sensibilizar as indústrias para esse problema?

PAULO ARTAXO As indústrias só têm interesses no curtíssimo prazo. Esse é um problema do sistema capitalista que temos. [As indústrias] não têm nenhum interesse de minorar o dano que está sendo causado para a população. Isso tem que mudar se quisermos construir um país minimamente sustentável a curto e médio prazo.

Qual a gramática mais adequada para lidar com a mudança climática? Falar em “novo normal” seria, de certa forma, normalizar uma situação trágica?

PAULO ARTAXO Nunca chamo essa situação de novo normal. Chamo de novo clima. Este novo clima é muito mais prejudicial para nossas atividades econômicas e bem-estar do que o que tivemos ao longo dos últimos 50 anos. Vamos ter mortes em massa devido a grandes secas, ondas de calor, inundações mais intensificadas e assim por diante. A mortalidade será muito maior entre a população mais vulnerável, que é a população mais pobre.

Isso também é verdade no Brasil. Quem sofre com escorregamentos de terra em São Sebastião (SP), Petrópolis (RJ) ou Paraty (RJ) não é a população de alta renda. Nossos governantes não têm nenhum interesse em minimizar essas mortes e outros impactos sociais [da mudança climática] para os mais pobres.

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