Juliana Sandler
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A médica obstetra Juliana Sandler recomenda cinco livros para desmistificar tabus e trazer informações sobre gestação, parto, puerpério e amamentação
Uma experiência positiva de gestação e parto é um direito humano básico e impacta num dos períodos mais delicados da vida das mulheres: o puerpério, período pós-parto de cuidados intensos com o bebê. O resgate do protagonismo da mulher no parto, como ocorreu por milhares de anos, antes da entrada do médico na assistência, é um elemento-chave para uma vivência feliz.
No Brasil, 56% dos partos são cirúrgicos, o que infelizmente nos coloca no segundo lugar em taxas de cesárea no mundo, sendo que no setor privado essas taxas chegam a mais de 80% dos nascimentos. A Organização Mundial da Saúde recomenda que aproximadamente 15% dos partos sejam cesáreas, para evitar complicações para mulheres e bebês. Segundo a pesquisa Nascer no Brasil , um quarto das brasileiras diz ter sofrido violência obstétrica durante a assistência ao parto. Sabe-se que maus tratos no nascimento causam, em mães e bebês, sequelas físicas e psicológicas nem sempre superadas.
A oferta de informações de qualidade para as grávidas e familiares durante o pré-natal, a presença das doulas no acompanhamento das gestantes e o reconhecimento do parto como processo biopsicossocial são importantes fatores para uma assistência obstétrica de qualidade e para o enfrentamento da violência obstétrica.
Os livros escolhidos abaixo ajudam a desmistificar muitos tabus e a trazer informações sobre gestação, parto, puerpério e amamentação. Boa leitura!
Cristina Balzano (Editora Gutenberg, 2019)
Cristina me acompanhou no parto da minha caçula, é uma parteira de mão cheia, formada pela USP (Universidade de São Paulo), fisioterapeuta e professora de yoga. Nessa obra, ela compartilha sua experiência de mais de duas décadas acompanhando gestantes e suas famílias. O livro conta ainda com ilustrações lindíssimas da artista Anne Pires e com a contribuição de diversos nomes importantes do movimento da humanização do parto no Brasil. Cris descreve como identificar, ao longo do pré-natal, as condutas que respeitam a fisiologia do nascimento. Para todos que buscam se preparar para um dos eventos mais transformadores da nossa existência e reconhecer uma assistência ao parto de qualidade, “O parto é da mulher” é um ótimo aliado.
Lela Beltrão (Editora Timo, 2019)
Lela é fotojornalista e doula. Nesse livro, ela traça narrativas visuais de partos humanizados na cidade de São Paulo. Com fotos que retratam a simplicidade, intimidade e a beleza do trabalho de parto, Lela passa por diversas configurações e escolhas familiares. Partos domiciliares, em casa de parto e, é claro, partos hospitalares, são mostrados com muita autenticidade e trazem um repertório riquíssimo para que as mulheres possam imaginar seus próprios partos. Todas as etapas do trabalho de parto foram contempladas por grupos de fotos, em situações diversas, que desmistificam e informam, além de emocionar muito. A presença carinhosa do parceiro, dos filhos e até de animais de estimação como acompanhantes do processo. Os métodos não farmacológicos de alívio da dor, como massagens, a bola, o chuveiro. O retrato da força feminina na fase de transição, quando a mulher se aproxima da última etapa (o expulsivo), e o transe intenso em que as gestantes entram quando são respeitadas e podem sentir seu fluxo hormonal fisiológico. A dor, a força e a determinação das mulheres e, finalmente, o nascimento. Diversos caminhos retratados com muita sensibilidade quando as palavras nos faltam.
Carlos Gonzalez (Editora Timo, 2017)
O pediatra catalão Carlos Gonzalez é um grande defensor do aleitamento materno em livre demanda e da chamada criação com apego. Seus livros mais conhecidos, “Besame Mucho” e “Meu filho não come”, são recursos que também merecem ser consultados, contudo, escolhi indicar o “Manual prático de aleitamento materno”, pelo pouco acesso a informação de qualidade que temos nessa área. O livro, inicialmente direcionado a profissionais da saúde, desvenda vários mitos da amamentação com muita clareza e de forma bastante didática, inclusive para leigos. O autor se tornou uma ótima referência para mães, pais, avós e quem mais estiver empenhado em conhecer os desafios da primeira infância. A média de aleitamento materno exclusivo dos bebês brasileiros é de apenas 54 dias, enquanto a recomendação da Organização Mundial da Saúde é de seis meses. Uma experiência de aleitamento bem-sucedida se dá com o auxílio de informação de qualidade e com a criação de uma rede de apoio para a mãe e seu bebê.
Vera Iaconelli (Editora Contexto, 2019)
Vera é psicanalista e diretora do Instituto Gerar, onde tenho a honra de trabalhar há cinco anos. Estudiosa na área da parentalidade, com vasta experiência em consultório e sempre antenada com as pautas da criação e da infância, a autora traz um olhar coerente e amoroso para os desafios das rápidas transformações que vivemos na era digital. O livro tem mais perguntas do que respostas prontas, levando o leitor a repensar suas escolhas e posicionamentos diante dos desafios da criação: como lidar com as mídias sociais, como estabelecer limites e apoiar os filhos nas suas descobertas com relação a sexualidade e identidade de gênero. Leitura dinâmica e agradável que aborda temas polêmicos de maneira leve e instigante.
Ana Cristina Duarte e Simone Diniz (Editora Unesp, 2004)
Lançado em 2004, “Parto normal ou cesárea” já se tornou uma indicação clássica para mulheres que buscam alternativas ao altíssimo índice de cesáreas brasileiro. A obra foi escrita a quatro mãos pela parteira Ana Cristina Duarte, fundadora do Coletivo Nascer e grande nome do movimento da humanização do parto no Brasil, e pela médica Simone Diniz, pesquisadora renomada da Faculdade de Medicina da USP. Nela, as autoras ajudam leigos a separar as reais indicações de cesárea dos mitos relacionados ao procedimento. O livro faz ainda um resgate histórico da cena de parto, que nos ajuda a entender a realidade brasileira atual e os porquês do atendimento hospitalar ser hoje muito medicalizado e repleto de intervenções desnecessárias.
Juliana Sandler é médica, doutora pela Unicamp (Universidade Estadual de Campinas) com a tese “Cenas da assistência obstétrica brasileira: da normatização da cesárea ao papel do parto humanizado” e representante da rede feminista de ginecologistas e obstetras.
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