Natália Silva
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A jornalista Natália Silva, produtora de podcasts da Rádio Novelo, recomenda livros que chamam a atenção para outras espécies com quem nós compartilhamos a Terra
Quando a pandemia obrigou os humanos a ficarem dentro de suas tocas, decidi que queria compartilhar meus dias com uma outra espécie. Adotei um cachorro – fêmea, a Lupe. Além de coisas que eu já esperava, como a companhia e os pêlos espalhados por todo canto, ela me trouxe um lembrete importante naquele momento.
Um dia, durante um passeio, eu senti inveja de como Lupe podia caminhar com o nariz livre, apontando para onde quisesse, enquanto eu vivia escondida sob uma máscara. A sensação naqueles meses em que não entendíamos muito a forma de contaminação do vírus era de que o mundo estava para acabar. Mas olhando para ela cheirando troncos de árvore, pneus de carro e amontoados de folha – e saindo ilesa – percebi que, na verdade, o mundo perigava acabar só para a humanidade.
Essa foi a primeira vez que eu entendi, de maneira mais profunda, que os humanos não são o centro de tudo. Minha seleção de livros é uma tentativa de fazer com que isso também aconteça com você, leitor.
Elizabeth Kolbert (Trad. Mauro Pinheiro, Intríseca, 2015)
Vencedora do prêmio Pulitzer na categoria não ficção em 2015, a jornalista Elizabeth Kolbert escreve sobre meio ambiente na revista The New Yorker. Neste livro, ela pinta um cenário tão assustador quanto fascinante: apesar de da presença relativamente recente no planeta, nossa espécie já causou impactos comparáveis aos de eventos geológicos que se desenrolaram ao longo de centenas de milhares de anos e levaram ao desaparecimento de espécies.
Ao retomar a história de extinções em massa do passado, Kolbert faz o que recomendam os melhores manuais de redação – em vez de dizer, mostra. Quem ler vai entender um pouco melhor a magnitude do que estamos colocando em risco.
Para quem gostar de podcasts e tiver curiosidade em saber sobre extinções de espécies brasileiras, recomendo também o podcast Habitat, da Folha de S. Paulo – co-apresentado por mim.
Stefano Mancuso (Trad. Regina Silva, Ubu, 2019)
Desde que li este livro do botânico italiano Stefano Mancuso, passei a olhar pro reino vegetal com muito mais respeito e curiosidade. Até as plantas que eu luto para manter vivas no meu apartamento ganharam outro valor.
Foi nas páginas de “Revolução das plantas” que eu aprendi sobre o conceito de “cegueira vegetal” – um comportamento humano que ignora este reino do qual depende nossa subsistência para concentrar nossa atenção no reino animal, com quem dividimos mais similaridades. Eu te desafio a ler este livro e continuar usando o termo “planta” para pessoas sem atitude.
Jenny Odell (Trad. Ricardo Giassett e Gabriel Naldi, Latitude, 2021)
Este é um livro sobre a economia da atenção e como as redes sociais vendem a ilusão de onipresença para roubar nossa presença no mundo real. Mas não é o tipo de livro que descreve como os algoritmos funcionam, aterrorizando leitores e fazendo com que eles queiram jogar o celular pela janela.
Em vez de provocar medo, essa autora e artista americana confronta o leitor com uma pergunta: no que você presta atenção? O livro é um convite para que retomemos o controle do nosso tempo. Para Odell, o caminho para se conectar mais com o mundo real foi voltar os olhos para plantas, pássaros e outros seres com quem ela compartilha o mundo.
Nastassja Martin (Trad. Camila Vargas Boldrini e Daniel Lühmann, Editora 34, 2021)
Em uma viagem a campo na Rússia para compreender o modo de vida do povo even, a antropóloga francesa Nastassja Martin cruzou o caminho de um urso. Em segundos, ela ouviu a própria cabeça estralar entre os dentes do animal. Neste livro, a autora compartilha o périplo que percorreu para que pudesse sobreviver e contar a própria história.
O relato é forte e aflitivo. O leitor não é poupado dos detalhes dolorosos das cirurgias e da recuperação, mas o que mais me impactou foi a necessidade que a autora sente de se reencontrar com o animal que quase a matou – uma experiência extrema de alteridade. Para Nastassja, a fronteira entre ela e o urso foi rompida naquela mordida.
Sandor Ellix Katz (Chelsea Green Publishing, 2012)
Se nenhum destes livros te convencer do quanto dependemos de outras espécies, Sandor Katz vai te obrigar a dar o braço a torcer. Em vez de olhar para fora, esse autor americano provoca o encantamento pela arte da fermentação olhando para dentro – literalmente. Para as entranhas humanas, colonizadas por uma infinidade de bactérias que, ao longo da evolução, encontraram formas de conviver harmonicamente conosco e dentro de nós – possibilitando, entre outras coisas, a digestão de alimentos.
O livro fala sobre o uso da fermentação na culinária, é claro, mas parte desse fundamento de interdependência entre espécies para chegar lá. É impossível ler sem ficar com vontade de tentar pelo menos uma das receitas que Katz compartilha.
Natália Silva é jornalista e produtora de podcasts da Rádio Novelo
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