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Natália Silva


10 de junho de 2023
Foto: Arquivo pessoal

A jornalista Natália Silva, produtora de podcasts da Rádio Novelo, recomenda livros que chamam a atenção para outras espécies com quem nós compartilhamos a Terra

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Quando a pandemia obrigou os humanos a ficarem dentro de suas tocas, decidi que queria compartilhar meus dias com uma outra espécie. Adotei um cachorro – fêmea, a Lupe. Além de coisas que eu já esperava, como a companhia e os pêlos espalhados por todo canto, ela me trouxe um lembrete importante naquele momento.

Um dia, durante um passeio, eu senti inveja de como Lupe podia caminhar com o nariz livre, apontando para onde quisesse, enquanto eu vivia escondida sob uma máscara. A sensação naqueles meses em que não entendíamos muito a forma de contaminação do vírus era de que o mundo estava para acabar. Mas olhando para ela cheirando troncos de árvore, pneus de carro e amontoados de folha – e saindo ilesa – percebi que, na verdade, o mundo perigava acabar só para a humanidade.

Essa foi a primeira vez que eu entendi, de maneira mais profunda, que os humanos não são o centro de tudo. Minha seleção de livros é uma tentativa de fazer com que isso também aconteça com você, leitor.

A sexta extinção: Uma história não natural

Elizabeth Kolbert (Trad. Mauro Pinheiro, Intríseca, 2015)

Vencedora do prêmio Pulitzer na categoria não ficção em 2015, a jornalista Elizabeth Kolbert escreve sobre meio ambiente na revista The New Yorker. Neste livro, ela pinta um cenário tão assustador quanto fascinante: apesar de da presença relativamente recente no planeta, nossa espécie já causou impactos comparáveis aos de eventos geológicos que se desenrolaram ao longo de centenas de milhares de anos e levaram ao desaparecimento de espécies.

Ao retomar a história de extinções em massa do passado, Kolbert faz o que recomendam os melhores manuais de redação – em vez de dizer, mostra. Quem ler vai entender um pouco melhor a magnitude do que estamos colocando em risco.

Para quem gostar de podcasts e tiver curiosidade em saber sobre extinções de espécies brasileiras, recomendo também o podcast Habitat, da Folha de S. Paulo – co-apresentado por mim.

Revolução das plantas

Stefano Mancuso (Trad. Regina Silva, Ubu, 2019)

Desde que li este livro do botânico italiano Stefano Mancuso, passei a olhar pro reino vegetal com muito mais respeito e curiosidade. Até as plantas que eu luto para manter vivas no meu apartamento ganharam outro valor.

Foi nas páginas de “Revolução das plantas” que eu aprendi sobre o conceito de “cegueira vegetal” – um comportamento humano que ignora este reino do qual depende nossa subsistência para concentrar nossa atenção no reino animal, com quem dividimos mais similaridades. Eu te desafio a ler este livro e continuar usando o termo “planta” para pessoas sem atitude.

Resista! Não faça nada

Jenny Odell (Trad. Ricardo Giassett e Gabriel Naldi, Latitude, 2021)

Este é um livro sobre a economia da atenção e como as redes sociais vendem a ilusão de onipresença para roubar nossa presença no mundo real. Mas não é o tipo de livro que descreve como os algoritmos funcionam, aterrorizando leitores e fazendo com que eles queiram jogar o celular pela janela.

Em vez de provocar medo, essa autora e artista americana confronta o leitor com uma pergunta: no que você presta atenção? O livro é um convite para que retomemos o controle do nosso tempo. Para Odell, o caminho para se conectar mais com o mundo real foi voltar os olhos para plantas, pássaros e outros seres com quem ela compartilha o mundo.

Escute as feras

Nastassja Martin (Trad. Camila Vargas Boldrini e Daniel Lühmann, Editora 34, 2021)

Em uma viagem a campo na Rússia para compreender o modo de vida do povo even, a antropóloga francesa Nastassja Martin cruzou o caminho de um urso. Em segundos, ela ouviu a própria cabeça estralar entre os dentes do animal. Neste livro, a autora compartilha o périplo que percorreu para que pudesse sobreviver e contar a própria história.

O relato é forte e aflitivo. O leitor não é poupado dos detalhes dolorosos das cirurgias e da recuperação, mas o que mais me impactou foi a necessidade que a autora sente de se reencontrar com o animal que quase a matou – uma experiência extrema de alteridade. Para Nastassja, a fronteira entre ela e o urso foi rompida naquela mordida.

The Art of Fermentation

Sandor Ellix Katz (Chelsea Green Publishing, 2012)

Se nenhum destes livros te convencer do quanto dependemos de outras espécies, Sandor Katz vai te obrigar a dar o braço a torcer. Em vez de olhar para fora, esse autor americano provoca o encantamento pela arte da fermentação olhando para dentro – literalmente. Para as entranhas humanas, colonizadas por uma infinidade de bactérias que, ao longo da evolução, encontraram formas de conviver harmonicamente conosco e dentro de nós – possibilitando, entre outras coisas, a digestão de alimentos.

O livro fala sobre o uso da fermentação na culinária, é claro, mas parte desse fundamento de interdependência entre espécies para chegar lá. É impossível ler sem ficar com vontade de tentar pelo menos uma das receitas que Katz compartilha.

Natália Silva é jornalista e produtora de podcasts da Rádio Novelo

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