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Pedro Jucá


20 de dezembro de 2024

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A convite da seção ‘Favoritos’, o escritor Pedro Jucá indica cinco livros que tratam das relações entre tempo, desejo e sexualidade

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Pode não parecer tão evidente assim, mas tempo e sexualidade são, na vasta galáxia de astros que regem o desejo humano, estrelas-irmãs. Brilhando próximos, querem sempre nos transmitir uma revelação dos céus: no alinhamento adequado, condicionam a sorte de toda uma existência; em má conjuntura, fazem insuperável a desgraça de alguém.

 

E de outra maneira não poderia ser. Afinal, não é verdade que é na passagem do tempo, essa fábrica de memória, que a sexualidade toma corpo? Que é nas premências da sexualidade – o insistir em fazer laço com o outro – que o desejo se deixa entrever? Que é no vazio do desejo – o querer eterno, a sede infinita, a lava e o pó – que a passagem do tempo se flagra pela ilusão que é?

 

Acho que deu para perceber que, se eu continuar por essas linhas, logo ficarei piegas. Deixarei, por isso, a literatura falar por mim. Como em (quase) tudo na vida, ela dá melhor conta do recado. Abaixo, portanto, cinco livros que tratam de desejo, sexualidade e percepção do tempo. Se, por um lado, tentei fugir dos meus favoritos pessoais (“A insustentável leveza do ser”, “Dois irmãos”, a Tetralogia Napolitana etc.), por outro, me furtei de recorrer a escolhas mais óbvias (“Lolita”, “Cem anos de solidão”, “Os anos” etc.). Também deixo de fora, cometendo uma possível injustiça em nome da lisura do processo, livros contemporâneos excepcionais, escritos por amigos queridos, como, por meríssimo exemplo, “O amor e sua fome”, de Lorena Portela, “Virgínia mordida”, de Jeovanna Vieira ou “Dueto dos ausentes”, de Fernando Rinaldi, todos com uma capacidade espantosa de retratar a dialética daninha e gloriosa que pode se estabelecer entre desejo, tempo e sexualidade.

 

Mas já falei demais. À lista, pois.

 

O lago

Yasunari Kawabata (trad. Meiko Shimon, Estação Liberdade, 2023)

 

COMPRAR*

 

Trata-se de um livro sutil e sórdido, imediato e críptico. Numa prosa sem alarde, Kawabata, que ganhou o Nobel de Literatura em 1968, narra a história do professor Ginpei, um homem de pés monstruosos que mantém a obsessão secreta de (per)seguir mulheres pelas ruas. Entremeando presente e passado, o escritor japonês resgata as memórias do protagonista junto a um lago de sua infância, em conexões tão misteriosas quanto desconcertantes.

 

Na praia

Ian McEwan (trad. Bernardo Carvalho, Companhia das Letras, 2007)

 

COMPRAR*

 

“Eram jovens, educados e ambos virgens nessa noite, sua noite de núpcias”, assim começa este que é literalmente um romance de câmara: não só pelo tempo-espaço condensado, mas porque a narrativa se passa, em sua quase integralidade, dentro de um quarto de hotel. Entre silêncios e constrangimentos, acompanhamos, ao longo de algumas horas, as agruras sexuais dos noivos Edward e Florence, ambos incapazes de nomear – ou mesmo de situar – o próprio desejo. É daqui que vem o que, a meu ver, é uma das descrições mais originais e precisas da excitação sexual: uma sensação entre o prurido e a dor.

 

Lavoura arcaica

Raduan Nassar (Companhia das Letras, 1989)

 

COMPRAR*

 

Uma escolha menos surpreendente, talvez, mas impossível de resistir. Desde a epígrafe da primeira parte, que se reporta à sedução, ao viço e à constância da planta da infância, o livro é uma ópera da palavra, uma ode – trágica, embora – à poiese enxerida na mimese, isto é, à demonstração de que, por mais que se preste a narrar uma sucessão de acontecimentos, a prosa pode, sim, se calcar sobre um texto arabescamente poético. O tempo, aqui, é o tempo do significante: faz volta, vem e vai, ludibria e engana, mas, cedo ou tarde, sempre deixa escapar a verdade do desejo.

 

Adeus, Gana

Taiye Selasi (trad. Isadora Prospero, Tusquets, 2021)

 

COMPRAR*

 

Recentemente, estive numa mesa com Taylane Cruz, e ela usou, para descrever uma certa literatura produzida por mulheres negras, uma imagem que levarei para a vida: numa mão, carrega-se uma libélula – delicada, leve, adejante –, na outra, um escorpião. Em “Adeus, Gana”, a autora londrina, de raízes ganesas e nigerianas, desfia a memória pessoal – e coletiva – de uma família estilhaçada pelos traumas do passado. É no trauma, aliás, que tempo, desejo e sexualidade passam a desafiar as leis da física: para retomar as metáforas estelares, implodem num buraco negro, onde passado, presente e futuro passam a ocupar um mesmo lugar no espaço. Um romance sobre a dor do retorno e sobre nossas eternas tentativas – nem sempre bem-sucedidas – de fazer pazes com o passado.

 

A trégua

Mario Benedetti (trad. Joana Angélica D’Ávila Melo, Alfaguara, 2007)

 

COMPRAR*

 

Quando encontramos um grande amor, por mais curto que seja, o tempo parece se distorcer: as horas de insuportável distância se estendem, longuíssimas, e os momentos compartilhados cessam rápido demais, num átimo. A vida se ilumina, é certo, mas também passamos a sofrer com a possibilidade de uma perda que, por razões irracionais, soa sempre iminente. Ainda assim, nos dada a possibilidade, recusaríamos amar? No livro, que me levou às lágrimas, somos conduzidos através do diário de Martin Santomé, um homem prestes a se aposentar que, ao conhecer a senhorita Avellaneda, vê o cotidiano cinza e seco se transformar num verdadeiro oásis, trégua – momentânea? – a uma longa peregrinação no deserto.

 

Pedro Jucá é escritor. Nasceu em Fortaleza, Ceará, mas mora em Curitiba com seus três gatos, Willow, Hopper e Nimbus. Agenciado pela Agência Riff, é autor do romance “Amanhã tardará”, lançado em 2024 pelo Selo Tusquets (Editora Planeta), escolhido como um dos melhores livros do ano pela revista Quatro Cinco Um, e da coletânea de contos “Coisa amor” (2022, Urutau).

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