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‘As Sinsombrero’: o papel das mulheres na Geração de 27

Tània Balló


22 de julho de 2022

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O ‘Nexo’ publica trecho do livro que evidencia o papel das mulheres na Geração de 27, movimento que marcou a Espanha no século 20 por mudanças culturais e intelectuais. A obra recupera memória e os perfis de artistas e pensadoras

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Todos conhecemos a Geração de 27. Este grupo cultural tão popular dá nome a um dos mais sensacionais conjuntos de artistas da história cultural espanhola, mas também identifica o devir de algumas décadas-chave da Espanha (1920-1950). Durante os quarenta anos de ditadura (1939-1976) que se seguiram à Guerra Civil Espanhola (1936-1939), grande parte dos ilustres nomes daqueles jovens intelectuais e artistas que protagonizaram esse boom de liberdade e criatividade, que culminou com a proclamação da Segunda República (1931-1939), foi silenciada.

Anos depois, com a recuperação da democracia, alguns dos sobreviventes daquela época foram regressando aos poucos à Espanha. Sua produção artística no exílio — que, durante os últimos anos antes de sua volta, tinha começado a circular entre as esferas intelectuais mais progressistas — permitiu que fossem reivindicados por uma geração nascida em plena ditadura, que estava ávida por descobrir referências ideológicas e criativas de um passado que desconhecia.

Foi assim que, com seu retorno, perante o novo paradigma político, social e cultural, se abriu a possibilidade de transformar enfim o imaginário coletivo e iconográfico sobre a vitória, e eles, que tinham lutado contra os fascistas e tinham sido condenados por isso, podiam agora retornar como as figuras heroicas que eram.

Mas a história dessa Espanha da Transição, disposta a voltar a começar, foi escrita somente no masculino. No impulso de se recuperar uma cronologia literária, artística e social, naquele período fragmentada e condicionada por um pacto tácito de silêncio, não foram levadas em conta as figuras femininas que também viveram durante anos no obscurantismo do exílio e, por conseguinte, foram igualmente protagonistas daquele passado que estava sendo reivindicado. Elas também voltaram para casa, mas parece que a História não estava esperando por elas. A sua ausência em inúmeras antologias, estudos, biografias e memórias posteriores sobre o Grupo de 27 (também conhecido como Geração de 27 ou Da amizade) fez com que enfrentassem uma batalha da qual é muito difícil sair vitorioso: contra o esquecimento.

Com o passar dos anos, apesar de os textos e as pesquisas trazerem à luz a necessária recuperação das figuras dessas mulheres como membras de pleno direito de uma geração tão magnífica, esses ainda não são muito numerosos, se forem considerados imprescindíveis para se elaborar, agora sim, uma justa releitura da história cultural espanhola. Sem elas, a história não está completa. María Teresa León, Maruja Mallo, Concha Méndez, Josefina de la Torre, Margarita Manso, Ernestina de Champourcín, María Zambrano, Rosa Chacel, Ángeles Santos e Marga Gil Roësset são os nomes de algumas dessas figuras imprescindíveis. Não são todas elas, mas é um bom começo.

A descrição dos espaços comuns — não só dos físicos, mas também dos vitais e emocionais — pelos quais perambularam, construindo um futuro coletivo, é fundamental para se entender e descobrir a importância, o talento, a luta e os sonhos daquela que é a melhor geração feminina da história artístico-cultural da Espanha, as sinsombrero. As artistas pertencentes à Geração de 27, assim como seus integrantes masculinos, nasceram entre 1898 e 1914, e tomaram Madri como centro nevrálgico, onde a grande maioria residiu, estudou e desenvolveu sua personalidade artística.

Durante os últimos anos da década de 1920, começaram a mostrar publicamente sua obra, principalmente naqueles lugares e espaços que acabariam se tornando os cenários comuns de uma nova ordem cultural: a Revista de Occidente, La Gaceta Literaria, a Residência de Estudantes ou o Liceu Clube Feminino, entre outros. Abertos a novos conceitos de modernidade e às correntes vanguardistas provenientes principalmente da Europa, especialmente o surrealismo, mas também ávidos por recuperar a tradição popular espanhola e sensíveis a uma realidade social com a qual se sentiam comprometidos, esses artistas foram capazes de transformar o panorama cultural e artístico da Espanha em processo de mudança. E finalmente juntos, homens e mulheres enfrentaram um destino que destroçou suas vidas e carreiras de forma abrupta e demolidora, relegando-os, em sua grande maioria, a um exílio do qual alguns não regressariam. Para elaborar uma interpretação correta de uma obra, é interessante conhecer o contexto que a produziu. Esse “fora de cena” — expressão à qual recorremos no cinema para explicar aquilo que se passa às margens da cena filmada, mas que influi na ação gravada — nos ajuda a entender o que o autor/artista deseja nos transmitir. Em especial, os contextos históricos. O leitor ou o espectador de hoje tende a interpretar o que vê a partir de seu momento presente, razão pela qual muitas vezes não somos capazes de perceber o que está “fora de cena”, entendido como aqueles

acontecimentos sociais e pessoais que afetam a esfera emocional e racional do autor e, consequentemente, seu processo criativo. No caso de nossas protagonistas, é importante traçar as circunstâncias históricas com que elas tiveram que lidar, especialmente devido à sua condição de mulheres. Porque essa condição afetou, e muito, a construção de sua autoria, e, consequentemente, sua obra se converteu no reflexo mais fiel de sua luta pessoal por serem reconhecidas como sujeitos históricos.

trecho - As Sinsombrero: sem elas a história não está completa'

As Sinsombrero: sem elas a história não está completa’

Trad. Andréa Cesco, Fabiano Seixas Fernandes e Fedra Rodríguez

Relicário

260 páginas

Lançamento em 23 de julho

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