Na cama, a Bernadeta aspirou uma lufada brusca de ar, abandonou pela metade o ronco abafado e parou de respirar. Lá fora ouviu-se o canto de uma coruja e depois, silêncio. A Margarida parou os polegares. Esticou o pescoço, observou a velha e, por um momento, pensou que ela já tinha ido. Que havia chegado a hora. Mas o abismo escuro da boca da Bernadeta suspirou, inalou e retomou a ronqueira. E a Margarida voltou a se recostar na cadeira e continuou girando os dedos. Era uma velha desmilinguida, com cabeça de pardal, olhos severos, boca inflexível, bochechas magras, pescoço enxuto e ombros caídos. E rezava. A noite inteira rezando, coitada da Margarida. Porque o Senhor ordena que você reze e faça rezarem. Mas como a Margarida não podia fazer rezarem, porque a língua das suas parentas, as que tinham língua, era um troço incapaz de dizer algo de bom, então rezava ela. Na esperança de que, se rezasse muito, cedo ou tarde Deus iria ouvi-la. E conseguiria distingui-la no meio de tantos pecados e tantas pecadoras. Iria acolhê-la em seus braços de pai e diria que não deveria tê-la desamparado nunca, “filhinha”, que a Margarida era boa e era santa e que estava perdoada. Perdoada das coisas que havia feito, e das que haviam feito as outras.
Primeiro rezava pelos ausentes. Pelos que tinham partido e não tinham voltado. Pelo seu homem, Francesc. Pelos seus filhos, Bartomeu, Esteve e Raposa. E pelo seu pai, Bernadí. Mas não rezava pelo Martí, o Suave, nem pelo Martí, o Manco, porque não tinham nada a ver com ela. Depois pelas mulheres da casa. Pela sua mãe, Joana, embora fosse ruim, e pela sua irmã Blanca, embora fosse uma desencaminhada. Pela sua sobrinha Àngela, mesmo sendo um desperdício rezar pela Àngela, e também por sua sobrinha-neta, a Dolça, embora ela devesse apodrecer no inferno para que a ouvissem gritando sob as pedras por ser filha de quem era. E até por Elisabet rezava, embora nem fosse sua parenta, porque cada pai-nosso que rezava por Elisabet contava por três. Pela Bernadeta também rezava.
Mas vigiava sobretudo a velha, que dormia como uma fruta podre caída da árvore. Porque quando a Bernadeta morresse, a Margarida queria estar ali. E queria ver. Queria ver como a graça e a salvação divinas lhe eram negadas, por ela ter se imiscuído tantas vezes com o diabo.
A Margarida aguardava a morte com expectativa. A própria. Imaginara sua passagem como um lampejo luminoso, um espasmo de glória, um gozo definitivo, um êxtase sufocante ao som dos alaúdes e trombetas de um círculo de anjos. Aleluia! Louvados sejam os desígnios do Altíssimo! Louvado seja Nosso Criador! Imaginara isso tantas vezes que era como se tivesse acontecido. As portas do Céu, como se abriam à sua passagem. Os querubins cantando. Tinham as bocas rosadas, os lábios carnudos, as bochechas aveludadas, os olhos úmidos de júbilo. Iam descalços e vestiam coroas de ouro e túnicas de seda amarradas na altura do peito com fios que também eram de ouro. No meio dos anjos estava Nosso Senhor. Nosso Senhor, que tinha um rosto que se confundia com o do Francesc, com uma covinha no meio do queixo, e as mãos ásperas e cheias de anéis, que seguravam o rosto dela para beijá-la, como seu homem a beijara no dia em que se casaram. “Bem-vinda à Glória”, dizia Ele. E então, quando em meio à luz fulgurante criada pela alegria Margarida voltava a distinguir a boca do Senhor diante dela, os olhos do Senhor como duas colheres, Ele a olhava tão de perto, tão rente, que via todas as coisas que a pobre mulher ainda tivera de viver a mais, e chorava lágrimas que pareciam de leite.
Mas que pena!, meninas, que decepção. Porque quando Margarida morreu, com as mãos juntas, as unhas, primeiro rosadas, depois brancas, a boca aberta e os olhos enevoados que já vislumbravam alegrias eternas, toda ela preparada, arquejante, desejosa e entregue, não houve nem querubins, nem trombetas, nem lampejos luminosos, nem espasmos de glória, nem gozos definitivos, nem êxtases sufocantes. Apenas uma corriola de mulheres sujas e mal-encaradas. Grotescas e ordinárias. Isso mesmo. Tão triste quanto soa. Porque quando o coração pequeno, três quartos, da Margarida disse, chega!, desfalecido, feito um nó, acabou, fui!, suas parentas a rodearam. E em vez do Céu e dos anjos e das mãos de Deus enxugando-lhe as bochechas, sua mãe Joana, como uma égua desdentada, sua irmã Blanca, que foi a única que lhe alegrou um pouco ver, e mesmo assim não muito, sua sobrinha Àngela, cuja expressão de javali a morte conservara, e a Elisabet, que, se a Margarida não estivesse com os sentidos tão fracos e aturdidos, lhe teria arrancado todos os cabelos da cabeça, todas elas a rodearam. Mas estavam mortas! As quatro. Santa Mãe de Deus, sim, porque algumas já haviam morrido há anos. Almas condenadas! A Margarida se revirava, incapaz de dizer nada, de tão apavorada. Mas não importava, ninguém a teria ouvido, porque suas parentas gritavam “Margarida, Margarida, MARGARIDA!”, enquanto a levantavam pelas axilas e riam, e sua mãe sorria para ela mostrando as falhas dos dentes e dizia “Bem-vinda, Margarida, bem-vinda!”, como se fosse o próprio demônio abrindo-lhe as portas do inferno. A pobre Margarida, ainda morna, olhou-as com os olhos como dois pinhões, horripilantes como estavam, assustadoras!, mais feias ainda do que como as recordava, e achou que estava sonhando, que não era possível, não tinha morrido, não era assim, de jeito nenhum, não, não, não, por favor, Senhor, por favor, pelo amor de Deus, pela Virgem e por todos os santos e todos os anjos.
Te dei olhos e olhaste as trevas
Irene Solà
Trad. Luis Reyes Gil
Mundaréu
160 páginas