Explicado

Recuperação verde: uma aposta econômica contra a crise do clima

Mariana Vick

01 de abril de 2022(atualizado 28/12/2023 às 22h29)

Resgate do crescimento com inclusão social e combate à degradação ambiental é defendido pelas Nações Unidas como alternativa na economia. Mas tema ainda é alvo de disputas

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Neste texto:

  • O QUE é recuperação verde
  • QUEM defende o modelo
  • QUANDO o conceito surgiu
  • ONDE há bons exemplos
  • COMO colocar o modelo em prática
  • POR QUE concretizar a ideia é desafiador
  • EM ASPAS
  • NA ARTE
  • Vá ainda mais fundo

Temas

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FOTO: BRUNO KELLY/REUTERS – 07.10.2015

Homem limpa placas solares. Ele usa chapéu e blusa azul. A câmera está acima dele.

Homem limpa placas solares em comunidade no Estado do Amazonas

Com a pandemia de covid-19, declarada pela OMS (Organização Mundial da Saúde) em março de 2020, o mundo entrou na recessão econômica mais profunda registrada desde a Segunda Guerra Mundial (1939-1945), segundo comunicado do Banco Mundial feito naquele ano.

A crise exigiu dos países que elaborassem planos de retomada econômica para o pós-pandemia. Ganhou força a ideia de recuperação verde, que propõe o resgate do crescimento com inclusão e o enfrentamento de problemas ambientais como a mudança climática.

O Nexo explica o que é recuperação verde, quem defende esse tipo de modelo e qual a sua origem. Mostra também onde há exemplos de sucesso de propostas de economia verde e por que concretizá-las é um desafio.

O QUE é recuperação verde

A ideia de recuperação verde tem relação com a de economia verde , definida pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente como “uma economia que resulta em melhoria do bem-estar da humanidade e igualdade social, ao mesmo tempo que reduz os riscos ambientais e a escassez ecológica”.

A economia verde é baseada em três pilares: baixa emissão de carbono — principal causa da mudança climática —, eficiência no uso de recursos naturais e busca pela inclusão social, com ofertas de empregos, adoção de novos padrões de consumo, uso de energia e tecnologias limpas e proteção da biodiversidade.

FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 17.2.2017

Plantação em Pocinhos, na Paraiba

Plantação de cactus, em Pocinhos, na Paraíba

Com a pandemia de covid-19, defensores da economia verde afirmam que, apesar das adversidades da crise econômica, os planos de recuperação são uma oportunidade para investir em um modelo mais sustentável de desenvolvimento, que vem sendo discutido há décadas.

A OCDE (Organização para a Cooperação e o Desenvolvimento Econômico) usa o conceito de crescimento verde para discutir o tema. Para a entidade, além de proteger o ambiente, esse modelo deve ser mais produtivo e inovador que o que existe hoje.

Os países devem adotar políticas para que o crescimento econômico e a preservação ambiental se reforcem mutuamente, seja investindo na adoção de novas tecnologias, criando novos empregos “verdes” ou adotando medidas de regulação, como a criação de impostos sobre a poluição.

FOTO: ARND WIEGMANN/REUTERS – 22.NOV.2018

No centro da foto, carrinho laranja empilha torres de lixo prensado. À sua volta, há várias colunas dele

Garrafas PET prensadas e organizadas em empresa de transporte e reciclagem na Suíça

A Page (Parceria para a Ação em Economia Verde), programa da ONU lançado em 2013, enfatiza a importância da inclusão social para o sucesso da economia verde. Para o programa, o modelo deve buscar, junto com a sustentabilidade ambiental, a redução da pobreza e a criação de empregos decentes.

Focos de uma economia verde

Redução de emissões

Reduzir as emissões de gases de efeito estufa ligadas às atividades econômicas faz parte do combate à mudança climática. É possível reduzi-las adotando fontes renováveis de energia, tornando os meios de transporte elétricos e investindo em ações como o reflorestamento, que compensa emissões ao sequestrar carbono da atmosfera.

Adaptação a desastres

Adaptação também faz parte do combate à mudança climática: são as medidas que as sociedades podem adotar para se preparar para as alterações do clima, evitando ou moderando possíveis danos causados pelo aumento das temperaturas e por eventos como secas e inundações. Investir em infraestrutura mais resistente a desastres é um exemplo de medida de adaptação.

Bioeconomia

Citada com frequência em debates sobre economia verde, a bioeconomia é o conjunto de atividades que produzem itens com origem nos recursos naturais e fabricados com alta tecnologia. Entre eles, estão os biocombustíveis e os produtos biodegradáveis. Esse ramo se diferencia de outros setores porque faz uso racional dos recursos e busca substituir produtos feitos a partir de atividades poluentes por itens de origem limpa.

Economia circular

É um conceito que propõe a mudança dos padrões de produção e consumo — que hoje seguem um modelo linear, começando pela extração de recursos da natureza e terminando no descarte. Na economia circular, o ciclo de vida dos produtos se prolonga, e o descarte é trocado por novos usos. A reciclagem segue essa lógica.

Serviços ambientais

São os serviços (ou benefícios) prestados pela natureza, como a água usada na produção de energia ou a manutenção da qualidade do ar pelas florestas. Políticas públicas têm incentivado a proteção da biodiversidade pagando para que as pessoas mantenham esses serviços ambientais, como acontece no programa PSA (Pagamento por Serviços Ambientais) no Brasil.

QUEM defende o modelo

Os principais defensores da adoção da economia verde são organismos internacionais, como a ONU, ambientalistas, cientistas que estudam a mudança climática, organizações da sociedade civil e economistas engajados no tema da sustentabilidade.

Com a pandemia de covid-19 e o aumento da percepção dos riscos sobre a mudança climática, o grupo passou a incluir também agentes financeiros, investidores e representantes de setores-chave da economia, inclusive no Brasil, onde a indústria e o agronegócio começam a tratar do tema.

FOTO: YURI GRIPAS/REUTERS – 10.MAI.2018

Mulher olhando celular passa apressada. Atrás dela, encravado na parede, brasão do FMI

Mulher passa em frente à sede do FMI em Washington D.C., nos EUA

Em 2020, um relatório do Fórum Econômico Mundial apontou pela primeira vez a mudança climática como o maior risco para a década. Antes, os estudos do fórum, que recebe a elite econômica global, costumavam destacar crises econômicas e financeiras como maiores fatores de risco para os países.

Nos Estados Unidos e na Europa, cresceram em 2019 movimentos por um Green Deal (ou Green New Deal , “novo acordo verde” em português). No Brasil, ex-ministros da Fazenda e ex-presidentes do Banco Central assinaram em 2020 uma carta-manifesto por uma recuperação econômica sustentável.

O conceito de economia verde, porém, não é o mesmo para todos esses grupos. Considerada vaga, imprecisa e abrangente, a definição mais comum dada pelo Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente torna o conceito passível de disputa, e há divergências sobre temas como crescimento, proteção ambiental e igualdade social.

FOTO: AMANDA PEROBELLI/REUTERS – 24.SET.2021

Participantes da Greve Global pelo Clima do movimento Fridays for Future, em São Paulo

Participantes da Greve Global pelo Clima do movimento Fridays for Future, em São Paulo

Enquanto organismos como a OCDE defendem o discurso do crescimento verde — que propõe encontrar novos mercados e tecnologias para retomar e manter o crescimento econômico —, outros atores acreditam que deve haver uma reorganização radical da economia, que rompa com a ideia de crescimento como é vista hoje.

Para Ricardo Abramovay, economista e autor do livro “Muito além da economia verde”, o crescimento que leva ao aumento da riqueza não é compatível com a preservação ambiental nem é a fórmula para o bem-estar humano, como a economia verde propõe.

Em pesquisa de 2014 sobre os discursos relacionados à economia verde, o pesquisador Carl Death identificou quatro categorias que mais aparecem no debate público. Cada uma é usada de forma diferente por atores como empresários, ambientalistas e organizações internacionais.

Visões sobre o tema

Crescimento verde

Difundido entre agentes do mercado, o discurso do crescimento verde se apoia na crença de que o crescimento econômico é o principal gerador de progresso e bem-estar e na noção de que a degradação ambiental põe o desenvolvimento em risco. Para isso, a solução deve ser a retomada do crescimento, mas com soluções “verdes”.

Transformação verde

Associado à visão de organismos internacionais como a ONU, esse discurso transmite a ideia de que a sociedade pode chegar à sustentabilidade por meio da tecnologia e de mudanças institucionais marginais. É semelhante ao do crescimento verde, mas dá mais ênfase ao papel das instituições e da justiça social.

Revolução verde

Descrito como o mais antigo da economia verde, esse discurso defende profundas transformações sociais, políticas e econômicas que ponham a sociedade em harmonia com a natureza e dentro dos limites ecológicos do planeta. Aproxima-se de ideias como a da ecologia profunda — de que a natureza tem valor intrínseco, independentemente de seu uso pelas pessoas —, do decrescimento e do ecossocialismo.

Resiliência verde

Esse discurso defende mudanças com o objetivo de manter o status quo. Considerado o menos radical de todos, é utilizado por atores que veem a economia verde com desconfiança. Ele se diferencia do discurso do crescimento verde por ser mais cauteloso e menos otimista.

A discussão sobre soluções

Divergências como essas também aparecem na avaliação de propostas como os mercados de carbono — visto por grande parte da indústria e do setor financeiro como um meio legítimo de combate à mudança climática, mas por ambientalistas como greenwashing (“lavagem verde”, nome dado a pretensas políticas ambientais).

Na COP26, conferência sobre o clima realizada pela ONU em 2021, ativistas e ambientalistas criticaram propostas de bancos, empresas e governos feitas na ocasião para combater a crise climática. Para eles, mecanismos para compensar emissões de carbono seriam uma “licença para poluir”, quando o mais eficaz seria propor eliminar as emissões que causam o aquecimento global.

FOTO: RUSSELL CHEYNE/REUTERS – 29.10.2021

Três pessoas usam roupa social e galões de petróleo na cabeça, com olhos e boca desenhados. Nas mãos, seguram mais galões.

Ativistas usam máscaras de galões de petróleo em protesto às vésperas da COP-26, em Glasgow, Escócia

O grupo também pressionou os representantes na COP a adotarem medidas para proteger países vulneráveis aos efeitos da mudança climática. Entre as críticas feitas na época, estava a de que o encontro focava mais em questões de mercado do que sociais — que também fazem parte da resposta à mudança climática.

O acordo final da COP26 definiu que os países mais ricos devem cumprir com a regra do Acordo de Paris de pagar US$ 100 bilhões anuais aos países mais pobres para se adaptar à mudança climática e investir na redução de emissões. Principal tratado sobre o clima, o Acordo de Paris foi assinado em 2015, mas essa regra não havia sido cumprida até 2021.

QUANDO o conceito surgiu

O conceito de economia verde foi citado pela primeira vez em 1987, no Relatório Brundtland — também chamado de “Nosso futuro comum” —, publicado pela Comissão Mundial sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento criada pela ONU naquele ano.

FOTO: YVES HERMAN/REUTERS – 17.SET.2020

Senhora com máscara em meio à plantação de uvas

Senhora com máscara em meio a plantação de uvas

A publicação ficou conhecida por ter disseminado a ideia de desenvolvimento sustentável. Coordenado pela então primeira-ministra da Noruega, Gro Harlem Brundtland, o texto foi a primeira tentativa de estabelecer metas globais para evitar o avanço dos problemas ambientais vistos até então.

“[Desenvolvimento sustentável é] o desenvolvimento que satisfaz as necessidades presentes, sem comprometer a capacidade das gerações futuras de suprir suas próprias necessidades”

Nosso Futuro Comum

documento da ONU de 1987, também chamado de Relatório Brundtland

Os países discutiam esse tema desde a década de 1970, quando cresceu a percepção sobre os efeitos negativos — poluição, desmatamento, escassez de água, aquecimento global etc. — do modelo de desenvolvimento que seguiam até então, baseado no capitalismo industrial.

Em 1972, 113 países participaram da Conferência de Estocolmo, a primeira sobre meio ambiente da história da ONU. Em 1988, a organização criou o IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas), autoridade científica para investigar o avanço da mudança climática.

Contexto na época

Esgotamento

Na década de 1970, a Terra entrou pela primeira vez no “cheque especial” — a quantidade de recursos consumida pela população mundial ultrapassou a capacidade de regeneração do planeta. Exemplos como o secamento de rios mostraram que os recursos naturais não poderiam ser compensados na mesma velocidade do consumo.

CFCs

Outro problema que despertou atenção na época foi a destruição da camada de ozônio. Estudos feitos na década de 1980 mostraram que a emissão de CFCs (clorofluorcarbonetos, compostos usados antigamente para aerossóis e gases para sistemas de refrigeração) havia começado a abrir um “buraco” na camada, que protege a Terra de raios ultravioleta emitidos pelo Sol. A produção de CFCs foi proibida.

Alerta nuclear

Acidentes em usinas nucleares em Three Mile Island, nos EUA, em 1979, e em Chernobyl, na União Soviética, em 1986, lançaram grandes quantidades de partículas radioativas na atmosfera e resultaram na contaminação de pessoas e do meio ambiente. Os eventos despertaram a atenção da sociedade para eventuais riscos daquele tipo de energia, e movimentos sociais a favor do desarmamento nuclear se disseminaram nas décadas de 1970 e 1980.

Mudança climática

Conhecida no meio científico desde a primeira metade do século 20, a mudança climática também ganhou atenção política entre as décadas de 1970 e 1980. Em 1988, o Canadá sediou a Conferência de Toronto, primeiro encontro público mundial para tratar especificamente do aquecimento global. No mesmo evento, a ONU anunciou a criação do IPCC.

A popularização do conceito

A ideia de economia verde se popularizou anos depois da publicação do Relatório Brundtland, em eventos como a ECO-92, conferência das Nações Unidas realizada em 1992 no Rio de Janeiro que lançou as bases para acordos ambientais importantes, e a crise financeira de 2008, quando houve propostas de retomada sustentável.

FOTO: PHIL NOBLE/REUTERS

No fundo da imagem, aparecem oito torres brancas com hélices situadas no mar. Mais à frente, passa uma prancha de windsurf com a vela verde

Fazenda de geração de energia eólica na costa do Reino Unido

Apesar desses avanços, a maioria dos países fez pouco nas décadas seguintes para a transição para a economia de baixo carbono, na avaliação de ambientalistas e economistas engajados no tema. Embora fontes de energia renováveis tenham ganhado espaço, o uso de combustíveis fósseis ainda é predominante.

Com a pandemia de covid-19, em 2020, a economia verde ganhou novo fôlego. Economistas, ambientalistas, integrantes da sociedade civil e parte dos políticos defendem agora a “retomada verde” como forma de sair da crise econômica deixada pelo coronavírus.

“A crise da covid-19 não mudará o clima, mas a resposta vai. […] Medidas tomadas agora provavelmente terão efeitos duradouros na economia global e moldarão as sociedades nas próximas décadas”

Fundo Monetário Internacional

em documento sobre a resposta econômica à covid-19

“A humanidade está enfrentando uma pandemia, uma crise econômica e um colapso ecológico — não podemos perder em nenhuma frente”

Inger Andersen

diretora executiva do Programa das Nações Unidas para o Meio Ambiente, em declaração em 2021

Projetos para a “recuperação verde” da economia passaram a ser discutidos em diversos países, como Estados Unidos, China e os países da União Europeia. No Brasil, ex-ministros da Fazenda pediram em 2020 a transição para uma economia de baixo carbono.

ONDE há bons exemplos

Apesar de terem anunciado esforços para concretizar a “retomada verde” após a pandemia de covid-19, a maioria dos países falhou nesse compromisso , segundo estudo feito após a fase mais aguda da crise e publicado em 2021 pela ONU e pela Universidade de Oxford, no Reino Unido.

FOTO: SIMON DAWSON/REUTERS – 19.OUT.2018

Carro vermelho com os dizeres Blue City e 100% Electric está parado junto à calçada. Ao fundo se vê uma cabine telefônica vermelha, típica do Reino Unido

Carro elétrico se abastece em ponto de recarga no centro de Londres, Reino Unido

Com base em dados das políticas fiscais de 50 países em 2020, a pesquisa mostra que apenas 18% dos gastos com recuperação anunciados na crise foram para investimentos “verdes”. Em números absolutos, dos US$ 46 trilhões gastos, US$ 386 bilhões foram para setores considerados sustentáveis.

US$ 66 bilhões

foram investidos em energia de baixo carbono, segundo o estudo

US$ 86,1 bilhões

foram anunciados para transporte verde — o que inclui incentivos para veículos elétricos e subsídios e investimento em transporte público

US$ 35,2 bilhões

foram anunciados para reformar edifícios para aumentar a eficiência energética

A ONU afirma no estudo que as oportunidades dos países de fazer investimentos verdes robustos “ainda não acabaram”. Na prática, porém, é mais comum encontrar exemplos pontuais desse tipo de iniciativa. Os investimentos “verdes” feitos recentemente passam por áreas como agricultura, energia, turismo e transporte.

Políticas criadas

China

A China é o país que mais investe em energia renovável. É também o maior produtor mundial de energia eólica e solar. Em 2019, 26% da geração de eletricidade no país veio de fontes renováveis — nos EUA, em comparação esse percentual é de 17%. Apesar disso, a China é ainda o maior emissor global de gases de efeito estufa. Grande parte da energia que produz vem de usinas de carvão.

México

Implementado em 2005, o sistema de BRT (ônibus de trânsito rápido) baseado em corredores exclusivos na Cidade do México reduziu o trânsito e a poluição do ar. Estudo de 2008 apontou que em 10 anos apenas um de seus corredores evitaria a emissão de 280 mil toneladas de gás carbônico, o equivalente a retirar cerca de 49 mil veículos de circulação por um ano nos EUA.

Namíbia

Localizado no sudoeste da África, o país criou um modelo de negócios para o turismo que incentiva a preservação do meio ambiente e envolve comunidades locais. Os destinos mais visitados são parques nacionais e áreas de conservação. Não é um turismo de massas — o país optou por uma estratégia menos predatória para os ecossistemas.

COMO colocar o modelo em prática

Com a pandemia de covid-19, organizações internacionais como a ONU, a OCDE e o FMI produziram documentos sobre como pôr a recuperação verde em prática. Segundo as orientações, a retomada deve envolver políticas públicas em diversas áreas e ação dos setores público e privado.

Os principais planos sugeridos até agora defendem investimentos públicos robustos em setores como o de infraestrutura e na criação de novos empregos. Propõem também mudanças legislativas, na cobrança de impostos e nos subsídios dados a setores da economia.

FOTO: BENOIT TESSIER/REUTERS – 14.JUN.2020

Um homem e uma mulher sem máscara passam por cruzamento de Paris em bicicleta num dia de sol

Ciclistas circulam por Paris após o fim da quarentena provocada pela pandemia da covid-19

As políticas para retomada verde podem ser diferentes em cada país. Embora seja recomendado que todos os governos se engajem na construção da economia verde, nem todos podem ter as mesmas condições. Organizações recomendam que países ricos financiam os mais pobres para que eles consigam criar novas políticas.

Medidas propostas

Apoiar setores limpos

Os projetos de investimento devem se concentrar em infraestruturas “verdes” (energia renovável, modernização da rede de transporte, entre outros), apoio à adaptação (na construção de estradas ou edifícios resilientes) e novas tecnologias (como de captura de carbono), em detrimento de setores poluentes.

Incentivar mudanças

O apoio a setores ainda poluentes em crise deve ser condicionado à criação de metas de redução de emissões, ou à promessa de uma transição para a economia de baixo carbono. Grandes empresas que recebem investimentos públicos no longo prazo desde antes da crise podem ser obrigadas a divulgar ao público suas emissões.

Precificar o carbono

É possível criar ou aumentar impostos sobre setores com altas emissões de carbono. Segundo o FMI, uma taxa de US$ 75 sobre a tonelada de carbono no setor de petróleo incentivaria mudanças na economia e teria impacto sobre o preço da gasolina menor que o da crise da covid-19.

Mudar as finanças

Além dos governos, os bancos podem direcionar seu financiamento para investimentos verdes. Os países podem exigir de instituições financeiras que recebem recursos públicos que divulguem a carteira de setores ou empresas que apoiam e qual o seu impacto ambiental.

Criar novos planos

Os países podem criar novas metas climáticas, atualizando as que foram submetidas no Acordo de Paris. Organizações internacionais sugerem que essas novas metas sejam mais ambiciosas que as vigentes hoje e que os governos busquem cumpri-las. Os países também podem atualizar a própria legislação ambiental.

Garantir a igualdade

Em todos os setores, as mudanças devem ser feitas sem agravar as desigualdades. Trabalhadores de setores prejudicados na transição para a economia de baixo carbono devem receber apoio dos governos para que sejam realocados no mercado de trabalho ou não percam a renda. Os países também devem avaliar o impacto das novas políticas econômicas sobre grupos vulneráveis como mulheres, populações negra e indígena, imigrantes, entre outros.

O que fazer no Brasil

Estudo de 2020 do instituto WRI com a UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro), o Ipea (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada) e outras instituições de pesquisa mostra que a recuperação verde no Brasil poderia adicionar R$ 2,8 trilhões ao PIB (Produto Interno Bruto) e gerar 2 milhões de empregos em uma década, se implementada.

Segundo a pesquisa, a indústria nacional tem tecnologias que podem crescer em escala, como nas áreas de veículos elétricos e energia renovável. O etanol é um dos exemplos de combustíveis limpos que o país usa no setor de transportes e na eletricidade.

FOTO: RAHEL PATRASSO/REUTERS – 08.ABR.2020

Homem, visto de perto, manipula caquis em plantação. Os caquis estão à frente, e seu rosto, desfocado, está atrás.

Homem em plantação de caqui, em Piedade (SP)

O país também pode fazer a retomada verde construindo obras de infraestrutura mais resilientes, considerando o fator da mudança climática ao elaborar novos projetos. A publicação aponta que em 20 anos o governo federal gastou R$ 180 bilhões para recuperar obras danificadas por chuvas, deslizamentos e outros eventos climáticos extremos.

Na agricultura, é possível fazer a transição para um modelo de baixo carbono com a intensificação da pecuária e a recuperação de pastagens degradadas, segundo o estudo. A ideia é que, com a proteção da natureza e sem mais pressão por desmatamento, o setor agrícola pode aumentar a competitividade, produtividade e confiança no mercado.

12 milhões

de hectares de áreas degradadas é quanto o Brasil pode recuperar, segundo o estudo; o retorno pode chegar a R$ 19 milhões em dez anos no cenário mais otimista

A pesquisa afirma que a adoção do modelo de baixo carbono não deve representar uma ruptura para o país, que tem em vigor uma série de políticas “verdes”, como o Plano ABC, voltado à agricultura de baixo carbono. O plano, contudo, ainda recebe pouco investimento se comparado com o financiamento da agricultura tradicional, segundo o estudo.

Com a maior floresta tropical — a Amazônia — e a maior biodiversidade do mundo, o Brasil também pode investir em inovação na área de produtos naturais e atrair recursos com a vegetação em pé, num contexto em que boas práticas ambientais se tornaram valor de mercado, segundo a pesquisa.

R$ 202 bilhões

foi o valor dos empréstimos de títulos verdes (usados para financiar projetos de desenvolvimento sustentável) no mundo em 2019, segundo o estudo

POR QUE concretizar a ideia é desafiador

O principal desafio para a retomada verde é reformar o sistema econômico atual, baseado no uso de combustíveis fósseis como o petróleo, o carvão e o gás, principais responsáveis por emissões de gases de efeito estufa. Grandes economias como os EUA, a China, países europeus e o Brasil são também grandes emissores.

A substituição dos combustíveis fósseis é desafiadora porque exige mudanças em setores cruciais, como de energia, transportes, construção civil e agricultura. Grupos cautelosos com a ideia da economia verde afirmam que remodelar o sistema econômico poderia destruir empregos e serviços para os quais não há equivalente.

FOTO: AGUSTIN MARCARIAN/REUTERS – 21.JAN.2019

Duas bombas de exploração de petróleo lado a lado no deserto.

Bombas de exploração de petróleo no sul da Argentina

A pesquisa e o uso de fontes renováveis de energia — como a eólica e a solar — cresceu desde a primeira disseminação do conceito de economia verde, em 1987. Apesar disso, o investimento nessas fontes é considerado escasso, e elas ainda têm altos custos e pouca capacidade de atender às necessidades energéticas globais no curto prazo.

Outro desafio citado com frequência quando se fala de recuperação verde é o consumismo. Segundo estudos, embora a fabricação de bens tenha ficado mais produtiva — portanto, menos poluente — nas últimas décadas, o crescimento econômico foi tão expansivo que os esforços não tiveram efeito.

Para parte dos defensores da economia verde — que também veem problemas em concepções como a de “crescimento verde” —, a sustentabilidade do sistema econômico não é possível sem a estabilização de consumo de acordo com a capacidade do planeta.

FOTO: DARREN STAPLES /REUTERS – 17.10.2009

Segurança vigia usina de carvão na Inglaterra durante protesto de 2009 contra a crise do clima

Reformar o sistema econômico para atingir esses objetivos exige ainda que as sociedades repensem sua relação com o meio ambiente — hoje baseada em uma visão utilitarista, que vê a natureza como fonte de recursos — e a própria economia, segundo pesquisadores.

“Inovação [na indústria] e limite [no crescimento] são duas palavras-chave da economia verde”, disse Ricardo Abramovay, economista e autor de “Muito além da economia verde” em artigo publicado em 2011 no jornal Folha de S.Paulo.

Eventos recentes como a guerra entre Rússia e Ucrânia também podem se tornar desafios para a recuperação verde. Com a guerra, países europeus dependentes de combustíveis russos tentam buscar outros fornecedores de energia e cogitam o uso de fontes limpas. Na necessidade de encontrar alternativas no curto prazo, porém, os governos podem buscar petróleo em outros locais, como países do Oriente Médio.

EM ASPAS

“A base da recuperação verde inclusiva é a possibilidade de reimaginarmos aonde queremos chegar como sociedade”

Laura Bozzi

diretora de programas do Centro de Mudança Climática e Saúde da Universidade de Yale, nos EUA, em entrevista publicada em 2021

“A pandemia de covid-19 não é uma solução para a mudança climática. Mas ela nos dá uma plataforma para uma ação climática mais sustentada e ambiciosa, que busque reduzir as emissões a zero líquido por meio de uma transformação completa de nossos sistemas industriais, de energia e de transporte”

Petteri Taalas

secretário-geral da Organização Meteorológica Mundial, em declaração de 2020

“Se eu pudesse dar um conselho para todos nós é: todos temos responsabilidade de agir. […] No FMI, sempre olhamos para os riscos. E essa [mudança climática] é uma categoria de risco que tem que ser absolutamente central no nosso trabalho”

Kristalina Georgieva

diretora-geral do FMI , em evento em outubro de 2019 do fundo

“A civilização contemporânea vive a explosiva combinação de rápida evolução tecnológica e lenta evolução ético-social. Mesmo assim, nunca foram tão promissoras as oportunidades para a emergência de um sistema econômico em que a partilha, a cooperação e a distribuição dos recursos se coloque a serviço do desenvolvimento sustentável”

José Eli da Veiga

economista , professor e escritor, em artigo para o jornal Valor Econômico em 2012

“Não se trata de contestar o crescimento econômico por si só. Trata-se de fazer a pergunta que a ciência econômica habitualmente não faz: crescer para quê, para produzir o quê, para ter qual resultado na sociedade?”

Ricardo Abramovay

economista , professor e autor do livro “Muito além da economia verde”, em entrevista publicada em 2012

NA ARTE

Artistas de diversas áreas pensaram, escreveram ou filmaram sobre o impacto do atual sistema econômico para o meio ambiente. Outros tentam explorar as alternativas sustentáveis para esse modelo. O Nexo indica filmes e documentários que abordam esses temas.

“Uma verdade inconveniente” (2007)

“Cowspiracy” (2014)

“Oceanos de plástico” (2016)

“Nosso planeta” (2019)

“O menino que descobriu o vento” (2019)

“Desserviço ao consumidor” (2019)

“Brave blue world: a crise hídrica” (2020)

Vá ainda mais fundo

Este conteúdo é parte da série “Para pensar a recuperação verde”, uma parceria institucional com a PAGE (Parceria para Ação em Economia Verde), programa da ONU lançado em 2013 para apoiar os países que desejam implementar trajetórias de crescimento mais verdes e inclusivas. No Brasil, a PAGE foi implementada em Mato Grosso em 2016.

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