O efeito econômico de parar o desmatamento na Amazônia
Mariana Vick
20 de dezembro de 2018(atualizado 11/03/2024 às 16h39)Estudo de professor da USP analisa o impacto da atividade predatória no crescimento econômico e no PIB regional
Policial militar anda ao lado de tronco derrubado ilegalmente na Amazônia
Em novembro de 2018, os ministérios do Meio Ambiente e da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicação divulgaram que, em julho do mesmo ano, o desmatamento na Amazônia teve aumento de 13,7% em relação aos 12 meses anteriores. Foram suprimidos 7.900 km² da floresta, o equivalente a mais de cinco vezes a área da cidade de São Paulo. É a maior taxa desde 2009, quando se registrou 7.464 km².
O aumento do desmatamento prejudica os compromissos do Brasil de diminuição de emissão de gases de efeito estufa no Acordo de Paris , tratado internacional sobre o clima. Ambientalistas e integrantes da sociedade civil também falaram nos efeitos do desmatamento para o regime de águas no continente, no aumento de secas e incêndios florestais e na proximidade de uma possível desertificação da floresta .
Ao mesmo tempo em que preocupa uma parcela da sociedade por seu impacto ambiental no Brasil e no mundo , setores da economia brasileira defendem a exploração da floresta para que seu território seja destinado à construção de obras de infraestrutura ou para a agropecuária, com o objetivo de alavancar o crescimento do país num contexto de crise.
A esse e a outros pontos responde o estudo “ A Amazônia precisa de uma economia de conhecimento da natureza ”, produzido por Ricardo Abramovay, professor no Instituto de Energia e Ambiente da USP (Universidade de São Paulo). Além de abordar os efeitos ambientais do desmatamento, o texto afirma que sua contribuição para a economia é irrisória, em comparação a de um possível modelo sustentável.
O estudo foi publicado na ocasião do lançamento do documentário “ O amanhã é hoje ”, exibido na COP 24, a Conferência do Clima da ONU, em 6 de dezembro de 2018. O filme, que teve o apoio de organizações como Greenpeace e ISA (Instituto Socioambiental), trata dos efeitos das mudanças climáticas no Brasil e de sua relação com a manutenção da Amazônia.
O modelo que Abramovay chama de “economia de conhecimento da natureza” se contrapõe, segundo ele, à permanência do que hoje ele considera a “economia da destruição da natureza”, marcada pelo desmatamento indiscriminado e pelo mau uso da terra, por exemplo.
A expressão “economia de conhecimento da natureza” foi cunhada pela geógrafa brasileira Bertha Becker, autora de diversos livros sobre a Amazônia e desenvolvimento sustentável. Em entrevista de 2010 ao portal Ecodebate, ela definiu o modelo como uma forma de utilizar a natureza “ sem destruir todas as suas potencialidades e diversificação”.
“É justamente utilizar [a natureza] sem destruir. Ou destruir o mínimo. […] Já se tinha um conhecimento baseado nas culturas dos povos de acordo com seus diferentes lugares de vida, e agora é que se entende que a natureza é tão poderosa, ela tem tantas potencialidades que é possível você desenvolver uma economia baseada nestes conhecimentos, com consciência, tecnologia e práticas adequadas”
No estudo divulgado em 2018, Abramovay defende que técnicas da chamada quarta revolução industrial — era industrial do século 21, marcada principalmente pelo desenvolvimento de robôs — sejam aplicadas ao conhecimento e à exploração da Amazônia, a fim de transformar a floresta em base para o desenvolvimento sustentável.
O pesquisador também diz ser necessário fortalecer a presença de centros de pesquisa e estruturas universitárias na Amazônia. A ideia tem sido defendida desde 2008 pela Academia Brasileira de Ciências.
Como exemplo bem sucedido de uso sustentável da terra, o estudo menciona o trabalho de povos tradicionais — indígenas, ribeirinhos e extrativistas — em UCs (Unidades de Conservação), áreas públicas protegidas que chegam quase à metade do território da Amazônia. Sem comprometer a preservação da floresta, esses povos desenvolvem atividades como o ecoturismo e o manejo florestal comunitário .
Apesar de iniciativas do tipo, as Unidades de Conservação também têm sido atingidas pelo desmatamento. Cerca de 2,5 milhões de hectares foram desmatados dentro de UCs na Amazônia até 2013, diz o estudo. Entre 1995 e 2012, 2,8 milhões de hectares perderam sua condição de área protegida, dando lugar a ocupações irregulares na região.
O estudo afirma que “não há razões econômicas que justifiquem a persistência do desmatamento na Amazônia”, que, segundo Abramovay, tem contribuição irrisória para o crescimento do país.
Isso porque o vigor da agropecuária, mesmo a da Amazônia, hoje depende mais da tecnologia que do uso da terra — algo que, antes, exigia a destruição da floresta. Ele defende sua posição em três pontos:
A redução do desmatamento não conduz à redução da produção, diz o estudo. Entre os anos de 1999 e 2013, por exemplo, PIB agropecuário da Amazônia cresceu mesmo com o desmatamento em queda.
Em outro exemplo, enquanto a área plantada para produção de grãos e oleaginosas no Brasil cresceu 61% entre 1991 e 2017, a própria produção de soja subiu 312% , segundo o Observatório do Clima.
No plano nacional, entre 2007 e 2006, o desmatamento médio de 7.410 km² por ano no país teve como resultado o acréscimo de 0,013% ao PIB (Produto Interno Bruto) brasileiro, segundo documento do Grupo de Trabalho pelo Desmatamento Zero apresentado à 23 COP, em 2017.
14,5%
é o quanto a Amazônia, com 750 mil km² de área desmatada, contribui do valor do produto agropecuário brasileiro; o estado de São Paulo, com área agrícola de 193 mil km², entra com 11,3% da produção nacional
Cerca 70% do território desmatado na Amazônia está ocioso, e, nas áreas que podem ser legalmente desmatadas — por serem áreas privadas que não são reserva legal —, 27% apresentam potencial agronômico que justifica seu aproveitamento, segundo o estudo.
US$ 7,4 bi
é o valor que a agricultura brasileira pode perder em 2020 em razão das mudanças climáticas, segundo relatório da Embrapa
A elevação do desmatamento na Amazônia preocupa um “expressivo conjunto de organizações empresariais”, que parecem considerar os “custos reputacionais” da atividade para as exportações e a expansão do Brasil no mercado internacional, segundo o estudo. A cadeia de valor ligada à produção de soja na Amazônia, por exemplo, está engajada “no compromisso de que os grandes traders globais não comprem o produto vindo de áreas recentemente desmatadas”, diz Abramovay.
Apesar de ser possível detectar impactos negativos para quem depende da atividade a nível local, o fim do desmatamento na Amazônia traria prejuízo econômico irrisório no plano nacional, segundo Abramovay.
0,62%
seria a redução do PIB acumulado entre 2016 e 2030 se o desmatamento na Amazônia acabasse, segundo este estudo
Até 2030, os prejuízos seriam maiores no Acre, que perderia 4,53% de seu PIB; no Mato Grosso, que perderia 3,17%; e no Pará, que perderia 2,05%, segundo relatório sobre desmatamento zero feito em conjunto por Imazon (Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia), Imaflora (Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola) e USP.
Segundo esse estudo, o aumento da produtividade na bovinocultura, por exemplo, seria mínimo para compensar as perdas — uma variação de 0,29 entre 2016 e 2030 para a bovinocultura de corte e de 0,13 para a de leite em todo o país, estima o estudo. As perdas previstas na atividade pecuária poderiam ser “totalmente compensadas”, afirma.
As categorias consideradas menos qualificadas entre os trabalhadores da Amazônia teriam as maiores perdas salariais. Para Abramovay, no entanto, “tolerar a continuidade do desmatamento por razões supostamente sociais é perenizar atividades predatórias, na maior parte das vezes ilegais e associadas a condições de trabalho degradantes”.
“As perdas decorrentes do fim do desmatamento recaem sobre atividades que uma sociedade democrática moderna deveria superar, ou seja, aquelas que se concentram em atividades extrativistas e na maior parte das vezes ilegais, distantes das inovações tecnológicas das economias contemporâneas”
Para compensar as perdas, o estudo aponta uma meta que o Brasil apresentou na COP 21, em Paris, em 2015 — a recuperação de 12 milhões de hectares de florestas até 2030 — como oportunidade para atrair investimentos e fortalecer a expansão agrícola, pois “restaurar paisagens naturais tornou-se uma cadeia produtiva do agronegócio ”.
O valor para reflorestar 12 milhões de hectares na Amazônia e na Mata Atlântica representa, no máximo, R$ 3,7 bilhões anuais, segundo projeção da indústria de reflorestamento reproduzida por Abramovay.
Atualmente, o ritmo do Brasil da recuperação florestal não tem ido além de 100 mil hectares por ano, diz o estudo. É o correspondente a 0,9% do que o país se comprometeu a restaurar em 2015. Nessa velocidade, seriam necessários 120 anos para o objetivo estabelecido ser cumprido.
“A proteção florestal, longe de ser uma idiossincrasia nacional, é uma tendência global que acompanha o próprio processo de desenvolvimento”, diz Abramovay no último ponto de seu estudo.
Apesar de largamente difundida por algumas figuras públicas — como o presidente eleito, Jair Bolsonaro (PSL), que já questionou o que a Europa faz a mais que o Brasil para preservar suas florestas —, a afirmação segundo a qual a lei brasileira impõe aos agricultores exigências excessivas e não praticadas em outros países é enganosa.
Segundo a pesquisa, o desmatamento não é a base do crescimento econômico dos países mais ricos do mundo, como França, Reino Unido, Estados Unidos e China — os quais, pelo contrário, a partir do início do século 20, com o êxodo rural e o desenvolvimento de novas tecnologias, aumentaram sua produção agrícola com cada vez menos uso da terra.
Ao mesmo tempo, a recuperação florestal passou a integrar a legislação e os objetivos nacionais desses países, que consideraram que florestas bem geridas, por seu desempenho no regime climático e das águas, têm “potencial para melhorar o desempenho da própria agricultura”.
França
A conversão de qualquer área florestal de mais de quatro hectares exige permissão do governo — que só é concedida por razões ambientais.
Estados Unidos
A Lei Florestal Nacional (National Forest Roadless Area Conservation Act, no nome original) proíbe a conversão de áreas intactas de florestas naturais em todo o país. As florestas localizadas em terras privadas são controladas na esfera estadual e, por esse motivo, sua regulação varia.
China
A lei chinesa afirma que as florestas não devem ser supridas para mineração ou infraestrutura. Caso seja necessário impulsionar essas atividades, os agentes que desejam a supressão florestal devem obter aprovação do governo e pagar uma taxa de restauração florestal.
Polônia
Os proprietários de florestas são obrigados pelo governo a manejá-las de acordo com um plano de manejo florestal. A exploração é autorizada, mas as florestas devem ser regeneradas. A conversão não é permitida.
Reino Unido
A conversão da floresta para a agricultura não é permitida, exceto em situações “excepcionais”. No caso da infraestrutura, a conversão é permitida quando for provado que não há “alternativa razoável”.
Atualmente, cerca de 7% das áreas florestais oferecem mais da metade da madeira consumida no mundo. Esse número deve aumentar para 80% nos próximos anos, segundo artigo da revista Science.
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