O que diz a ciência sobre acesso a armas e violência, em 5 estudos
André Cabette Fábio
20 de janeiro de 2019(atualizado 28/12/2023 às 23h25)Por decreto, presidente autorizou a posse de armas por qualquer cidadão maior de 25 anos, morador de cidades ou zonas rurais de qualquer uma das 27 unidades da federação
Funcionário da fabricante de armas Taurus trabalha em São Leopoldo (SP)
No dia 15 de janeiro de 2019, o presidente Jair Bolsonaro assinou um decreto que facilita a posse de armas de fogo no Brasil. Ele altera, por sua vez, um outro dispositivo , que regulava o Estatuto do Desarmamento , de 2003, e determinava que a posse de armas seria permitida apenas para aqueles que comprovassem “efetiva necessidade”.
Entre outros, agora se encaixam no grupo daqueles com “efetiva necessidade” quem possui estabelecimentos comerciais, vive em área rural ou em cidades de unidades da federação com taxa de homicídios acima de 10 por 100 mil habitantes. Atualmente, todas as 27 unidades da federação ficam dentro desse recorte , o que significa que qualquer morador de cidade ou zona rural brasileira tem os pré-requisitos para ter uma arma.
Na Câmara, um projeto de lei pretende reduzir a idade mínima para a posse de 25 para 21 anos . O presidente promete ainda promover no Congresso uma nova lei que amplie o direito de cidadãos de circularem armados, e abrir um prazo para recadastrar armas irregulares. Ele também diz que avalia reduzir impostos sobre armas .
As mudanças estão em linha com as propostas de Bolsonaro durante sua campanha eleitoral. Apesar de a plataforma ter sido aquela escolhida nas urnas, em dezembro de 2018 uma pesquisa do Instituto Datafolha apontou que 61% dos brasileiros acreditam que a posse de armas deveria ser proibida , porque elas representam risco à vida das pessoas.
Bolsonaro argumenta que o acesso facilitado à posse de armas garante um direito individual de legítima defesa e que isso ajudaria no combate à violência em um país com mais de 60 mil homícidios por ano.
A flexibilização é adotada pelo governo brasileiro apesar de as pesquisas sobre o tema no geral apontarem que a maior circulação de armas não só não diminui a criminalidade, como tem correlação com um aumento de certos tipos de crime e a um risco maior de assassinato do proprietário.
Em um manifesto publicado em 2016, 57 pesquisadores de instituições nacionais e internacionais defenderam a manutenção do Estatuto do Desarmamento brasileiro.
Eles afirmam que o intuito do documento é “informar a sociedade sobre as evidências científicas disponíveis” sobre o tema, e que “o relaxamento da atual legislação sobre o controle do acesso às armas de fogo implicará mais mortes e ainda mais insegurança”. Os signatários citam uma série de pesquisas que embasam seu posicionamento.
Em uma análise publicada em 2017 sobre o assunto, o professor do Insper e pesquisador em análise econômica do direito, Thomas Conti, aborda 61 trabalhos acadêmicos sobre o tema publicados entre 2013 e 2017, muitos deles revisões a partir de outras dezenas de pesquisas.
Ele conclui que “as evidências são completamente contrárias à afirmação que colocar mais armas em circulação não aumentaria o número de mortes acidentais”.
Formulados por pesquisadores do campo da segurança pública, os principais documentos que contabilizam e analisam homicídios no Brasil — Mapa da Violência , Atlas da Violência , e Anuário Brasileiro de Segurança Pública — também indicam que mais armas em circulação se relacionam a mais homicídios.
Eles recomendam a restrição do acesso e a manutenção dos termos originais do Estatuto do Desarmamento. A edição de 2016 do Mapa da Violência, que tematiza os efeitos do Estatuto do Desarmamento até então, conclui : “armas matam. Mais armas matam mais”.
Os pesquisadores brasileiros estão alinhados com seus colegas estrangeiros. Um trabalho publicado em 2017 no Injury Prevention Journal enviou a sociólogos, criminologistas e pesquisadores da área de saúde pública de vários países questionários sobre o tema das armas de fogo e violência.
De 109 respondentes, apenas 5% concordaram com a afirmação de que a posse de armas em casa a torna mais segura. E 90% discordaram da afirmação “o porte de armas por cidadãos comuns aumenta a segurança pública”.
Mais armas, mais crimes
Um trabalho publicado em 2017 pelo National Bureau of Economic Research, ligado ao governo dos Estados Unidos, analisou o que aconteceu quando estados adotaram regras que facilitavam que a população portasse armas ocultas, mesmo sem comprovar necessidade.
No país, estados têm maior autonomia para legislar sobre temas do tipo, assim como ocorre em relação às políticas de drogas.
A partir de modelos estatísticos, os pesquisadores estimam que, decorridos dez anos da adoção das legislações mais permissivas, crimes violentos aumentaram em uma proporção entre 13% e 15% maior nos estados do que ocorreria sem as mudanças.
Risco de suicídio
Um trabalho publicado em janeiro de 2014 na revista acadêmica Annals of Internal Medicine reuniu dados coletados por 16 pesquisas, feitas nos Estados Unidos, na Nova Zelândia e na Irlanda , a respeito da associação entre posse de armas em residências e risco de suicídio dos moradores.
Os pesquisadores concluíram que o acesso a armas de fogo não só está associado a uma probabilidade maior de alguém da casa ser vítima de homicídio, como também de realizar suicídio .
Um dos trabalhos afirmava que “quando pediatras lidam com um adolescente suicida, eles devem insistir para que armas sejam removidas da casa. Pediatras também devem informar aos pais que a presença de armas de fogo pode estar associada ao suicídio de adolescentes, mesmo sem haver sinais claros de uma doença psiquiátrica”.
Em 2004, uma revisão de pesquisas realizada pelo National Research Council, ligado à Academia Nacional de Ciências, dos Estados Unidos, concluíra que “estados, regiões e países com as maiores taxas de propriedade de armas têm as maiores taxas de suicídios com armas”.
Risco de ser morto
Muitas pesquisas no campo da criminologia apontam que, ao contrário do que muitos esperariam, o porte de armas aumenta o risco de que o proprietário seja vítima de violência letal.
Um trabalho publicado em 2014 no periódico acadêmico The British Journal of Criminology, por exemplo, analisou dados relativos a 26 países desenvolvidos, disponíveis na pesquisa International Crime Victims Survey, e concluiu que os proprietários de armas têm risco maior de serem vítimas de crimes violentos .
Feminicídio
Um trabalho publicado em 2003, nos Estados Unidos, no American Journal of Public Health buscou analisar fatores de risco que se relacionam a chances maiores de que mulheres que vivem relacionamentos abusivos sejam vítimas de feminicídio.
Com base em informações sobre 220 vítimas fatais, aliadas a entrevistas com 343 mulheres que viviam relacionamentos abusivos nas mesmas regiões, concluíram que a posse de arma de fogo pelo parceiro era um fator de risco que contribuía para que morressem por feminicídio .
Morte de crianças
Uma pesquisa publicada em janeiro de 2016 na revista acadêmica Epidemiologic Reviews, ligada à Universidade Oxford, do Reino Unido, analisou 130 estudos acadêmicos realizados em 10 países, que tinham como objetivo compreender os efeitos de leis que limitam o acesso a armas pela população.
A conclusão foi de que as restrições estão associadas a menos mortes por armas de fogo no geral. O trabalho ressalta que as leis se relacionam tanto a menos homicídios realizados por parceiros íntimos como a menos mortes acidentais de crianças .
Uma pesquisa publicada em 2017 na revista acadêmica Pediatrics analisou informações dos bancos de dados governamentais dos Estados Unidos, National Vital Statistics System e do National Electronic Injury Surveillance System, sobre as mortes de crianças de até 17 anos por armas de fogo.
Ela concluiu que: “o atirador que brincava com uma arma era a circunstância mais comum envolvendo mortes involuntárias de armas de fogo de crianças mais novas e mais velhas”.
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