Como a violência afeta minorias no Brasil, segundo este relatório
André Cabette Fábio
09 de junho de 2019(atualizado 28/12/2023 às 12h59)Atlas anual com dados de 2017 destaca que 75,5% das vítimas de homicídios são pessoas negras. E traz dados sobre violência contra mulheres, homossexuais e bissexuais
Mulher deposita flores durante o funeral de Vanessa dos Santos, morta aos dez anos em ação na comunidade do Complexo de Lins, no Rio, em 2017
O Brasil registrou 65.602 homicídios no ano de 2017, segundo registros do SUS (Sistema Único de Saúde) publicados na edição de 2019 do Atlas da Violência. Isso equivale a 31,6 mortes para cada 100 mil habitantes do país, um recorde histórico, tanto em números absolutos quanto no índice frente à população.
Na quinta-feira (6), oNexo analisou os motivos pelos quais a alta de assassinatos foi puxada pelas regiões Norte e Nordeste . Os mesmos dados também mostram como a violência afeta as minorias.
O documento anual, parceria entre Ipea (Instituto de Pesquisas Econômicas Aplicadas), órgão federal, e o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, entidade da sociedade civil, revela que houve crescimento de homicídios de mulheres e violência contra a população LGBTI – embora, neste último caso, os dados disponíveis sejam limitados. Como em edições anteriores, o atlas mostrou como os negros são as grandes vítimas de assassinatos no Brasil.
No território nacional, observa-se que, para cada indivíduo não negro assassinado em 2017, aproximadamente 2,7 negros foram mortos. Além disso, a taxa de homicídios entre negros aumentou em 33,1% de 2007 a 2017, período de uma década.
75,5%
das vítimas de homicídios em 2017 são pessoas negras, soma de pretos ou pardos, segundo a classificação usada pelo IBGE. A porcentagem de brasileiros que se declaram negros é de 54%
43,1 por 100 mil
foi a taxa de homicídios entre a população negra em 2017. A taxa entre não negros, o que inclui brancos, amarelos e indígenas, foi de 16 para cada 100 mil no mesmo ano
Alagoas é o estado onde a desigualdade racial na violência se manifesta de forma mais evidente: é, ao mesmo tempo, a unidade da federação mais segura para não negros (incluídos indígenas e descendentes de asiáticos), com 3,7 homicídios a cada 100 mil pessoas, e a mais letal para negros. A taxa de homicídios registrada nessa população, de 67,9 (a quinta do país), é cerca de 18 vezes maior do que a observada na primeira.
“É estarrecedor notar que a terra de Zumbi dos Palmares é um dos locais mais perigosos do país para indivíduos negros, ao mesmo tempo que ostenta o título do estado mais seguro para indivíduos não negros (…) Em termos de vulnerabilidade à violência, é como se negros e não negros vivessem em países completamente distintos”, diz o relatório.
Contudo, o estado em que se registrou violência contra os negros de forma mais intensa em 2017 foi o Rio Grande do Norte, com 87 homicídios para cada 100 mil habitantes negros. As unidades federativas que vêm na sequência também são do Nordeste: Ceará (75,6%), Pernambuco (73,2) e Sergipe (68,8).
Acompanhando a toada de alta da região como um todo, a região Norte foi a que registrou o crescimento de homicídios de negros mais acentuado – chegando, no caso do Acre, a um aumento de 276,88%.
As menores taxas de homicídios de negros foram registradas em São Paulo, com 12,6 para cada 100 mil habitantes, Paraná, com 19, e Piauí, com 21,5.
“Em resumo, constatamos em mais uma edição do Atlas da Violência a continuidade do processo de profunda desigualdade racial no país, ainda que reconheçamos que esse processo se manifesta de formas distintas”, conclui o documento.
Das 65.602 mortes registradas em 2017, 4.936 foram de mulheres. Apesar de ser uma pequena fração das mortes de homens, esse é o maior número registrado desde 2007. Em uma década, houve um crescimento de 30,7% dos homicídios de mulheres no Brasil. Também nesse caso, há uma forte desigualdade racial: a taxa de homicídio entre mulheres negras é muito mais alta do que entre não negras.
Segundo o relatório, a percepção geral de aumento de casos de feminicídio não reflete necessariamente que crimes dessa natureza explodiram nos últimos anos, mas sim que a sua notificação às autoridades passou a ocorrer com mais frequência.
Isso porque a lei que define o crime de feminicídio é muito recente, de 2015. Pelo dispositivo, não é qualquer assassinato de mulher que corresponde a feminicídio, mas sim aqueles que tenham como motivação a condição feminina da vítima (discriminação por questões de gênero ou violência doméstica e familiar, por exemplo).
Ainda de acordo com o atlas, “pode haver processo de aprendizado em curso pelas autoridades judiciárias”. Ou seja, não são só as mulheres que estariam reportando mais crimes dessa natureza: o sistema judiciário estaria se aperfeiçoando para captar e classificar casos de acordo com essa tipificação.
Questão institucional à parte, o relatório tenta desvendar se realmente houve aumento de feminicídios. Baseado na literatura internacional e em dados do SUS que reportam o local de óbito das vítimas, o relatório considerou que a maioria das mortes violentas intencionais de mulheres em residências são cometidas por conhecidos ou íntimos das vítimas.
28,5%
das mortes ocorrem dentro da residência; 39,3% quando se considera os casos em que o local do óbito era ignorado
Segundo o atlas, esse número seria uma estimativa confiável para aferir os casos de feminicídio íntimo, aquele cometido por pessoas próximas da vítima (namorados, maridos, parentes).
O trabalho ressalta que 11,8% de todos os assassinatos de mulheres foram causados por armas de fogo. A partir disso, critica as medidas de facilitação do acesso às armas no Brasil, implementadas pelo governo do presidente Jair Bolsonaro a partir de 2019.
“Considerando os altíssimos índices de violência doméstica que assolam o Brasil, a possibilidade de que cada vez mais cidadãos tenham uma arma de fogo dentro de casa tende a vulnerabilizar ainda mais a vida de mulheres em situação de violência”, diz o documento.
Conclusões dessa natureza, contrárias ao afrouxamento das restrições em relação ao uso de armas de fogo e reiteradas ao longo do documento, foram objeto de críticas do presidente do Ipea, Carlos von Doellinger.
A obtenção de dados confiáveis sobre a violência contra a população LGBTI é um desafio estatístico histórico. Primeiro, porque os censos e demais pesquisas conduzidas pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) não perguntam a orientação sexual dos entrevistados – o que não permite sequer saber qual é o tamanho dessa população no país. Segundo, porque as polícias não costumam classificar as vítimas por esse critério.
Por isso, o atlas analisa os dados obtidos pelo Viva (Sistema de Vigilância de Violências), instituído em 2006 pelo Ministério da Saúde como parte do Sinan (Sistema de Informação de Agravos de Notificação).
O Sinan capta dados da violência interpessoal ou autoprovocada nos serviços de saúde do Brasil. Desde 2011, a notificação de violências passou a ser compulsória. Como fator diferencial em relação à lógica predominante no Brasil, o Sinan também classifica a orientação sexual das pessoas atendidas: heterossexual, homossexual ou bissexual.
O Atlas descreveu a evolução do número de registros em 2015 e 2016, quando a vítima era bissexual ou homossexual.
10%
foi o aumento de notificações de violências contra homossexuais ou entre 2015 e 2016, quando comparados os registros realizados nas mesmas unidades do Sinan – ou seja, desconsiderando unidades que surgiram e que aumentaram a cobertura do registro
35,3%
foi o aumento de notificações de violências contra bissexuais entre 2015 e 2016, quando comparados os registros realizados nas mesmas unidades do Sinan
Além dos homicídios, o sistema também revelou aumento de para vários tipos de agressões. Entre elas, violência física, violência psicológica e tortura.
64,8%
dos casos de violência foram executados por autores do sexo masculino
Embora avalie que os dados são “evidências do aumento de casos de violência contra a população LGBTI no país”, o Atlas ressalta que a limitação das informações disponíveis é um “desafio central ao avanço da agenda de direitos para essa pessoas”.
O documento avalia que os dados disponíveis podem ser encarados como “evidências do aumento de casos de violência contra a população LGBTI+ no país”, diz o documento.
“Diante da escassez dos dados disponíveis, um desafio central à pauta da redução da violência enfrentada pelo segmento LGBTI+ é a criação de dispositivos de coleta e monitoramento de dados estatísticos e indicadores relativos à temática.”
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