Expresso

O que mostram os gastos do Brasil com segurança pública

André Cabette Fábio

11 de setembro de 2019(atualizado 28/12/2023 às 12h59)

Valor cresceu 3,9% entre 2017 e 2018, segundo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, mas investimento em inteligência ainda é mínimo

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FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS

Policiais em operação no morro do Fallet, no Rio, em fevereiro de 2019

Policiais em operação no morro do Fallet, no Rio, em fevereiro de 2019

Os gastos do governo com segurança pública no Brasil totalizaram R$ 91,2 bilhões em 2018, o equivalente a 1,34% do PIB ou R$ 409,66 por brasileiro. Em relação ao ano anterior, o país aumentou as despesas com a área em 3,9%.

Os dados constam no Anuário do Fórum Brasileiro de Segurança Pública , que indicou queda de 10% nas mortes por crimes violentos no Brasil entre 2017 e 2018. No mesmo período, houve uma alta de 20% nas mortes causadas pelas próprias polícias.

Segundo a avaliação presente no estudo, os investimentos do Estado brasileiro em segurança têm sido pouco eficientes: focados em policiamento ostensivo e nas prisões de pequenos criminosos em flagrante, os valores são pouco usados em áreas que trariam resultados mais efetivos, como inteligência e investigação.

Os gastos por ente federativo

81,1%

Do total gasto em 2018, ou R$ 74,05 bilhões, foram aportes dos estados, que ampliaram seus gastos em 2,3% em comparação com 2017

12,5%

Dos aportes, ou R$ 11,36 bilhões, foram da União, que ampliou seus gastos em 12,3% em comparação com 2017

6,4%

Dos aportes, ou R$ 5,84 bilhões, foram dos municípios, que ampliaram seus gastos em 8,7% em comparação com 2017

Gastos com inteligência são mínimos

O anuário destaca que os gastos com inteligência reportados pelos estados, os principais responsáveis pela entrada de recursos na segurança pública, foram extremamente baixos em 2018 – 0,6%. “Vários estados simplesmente não reportaram valores ou reportaram valores insignificantes, como o Rio de Janeiro, que gastou R$ 1.283,00”, segundo o relatório.

É possível que isso se deva, ao menos em parte, à desorganização dos estados. “Duas alternativas explicariam esse fato, ou os governos, efetivamente, não investem em informação e inteligência – que é o coração das polícias modernas – ou os sistemas contábeis dos estados possuem sérios problemas de definição nos seus planos de contas, no que diz respeito à classificação das despesas segundo as subfunções.”

O relatório detalha alguns dos principais investimentos do orçamento de R$ 14,1 bilhões do Ministério da Justiça e Segurança Pública no campo da segurança em si -parte das verbas é destinada a outras questões, como a Funai (Fundação Nacional do Índio).

Os gastos do Ministério da Justiça

R$ 4,87 bilhões

Foram gastos com a Polícia Federal

R$ 7,29 bilhões

Foram gastos com o Fundo Penitenciário Nacional , criado em 1994 com o intuito de financiar a modernizar e aprimorar o sistema penitenciário brasileiro

R$ 251,41 milhões

Foram destinados ao Fundo Nacional de Segurança Pública , que recebe verbas de loterias e

R$ 142 milhões

Foram gastos com a Força Nacional, que conta com agentes dos estados, mas é gerida pelo Ministério da Justiça e Segurança Pública e utilizada em situações emergenciais

O anuário traz uma lista dos gastos per capita em segurança pública por cada estado em 2018.

Mais gastos não significam mais segurança

Uma análise estatística do economista do Ipea e membro do Fórum Brasileiro de Segurança Pública Daniel Cerqueira não encontrou correlação entre gastos per capita maiores ou menores e aumento ou redução das taxas de homicídio.

Como exemplo, o estado com a menor taxa de homicídios do país em 2018, São Paulo, teve o segundo menor patamar de gastos per capita em segurança pública. Por outro lado, Roraima, que teve a maior taxa de homicídios do Brasil, foi o estado com o maior gasto per capita em segurança pública no ano passado.

Entre 1995 e 2018, em todo o país, o aumento dos investimentos em segurança pública foi de 116%. No mesmo período, o número de homicídios cresceu 76,4%.

“É razoável conjecturar que o aumento dos dispêndios em segurança pública pouco contribuiu para deprimir ou frear a criminalidade no Brasil”, escreveu Cerqueira. ONexo falou com o pesquisador sobre o que esses dados indicam.

O que é possível dizer sobre aumento de gastos com segurança e índices de criminalidade no Brasil?

Daniel Cerqueira Vemos que não há nenhuma correlação entre as variáveis investimento e mortes violentas intencionais. É um mito que gastamos pouco – gastamos perto da mediana da OCDE. Mas gastamos mal, em um modelo falido. Não há gastos baseados em evidências, que mensurem a efetividade das ações.

Continuamos apostando em aumentar viaturas e efetivo policial, em aumentar policiamento ostensivo e prisões em flagrante. Enchemos os presídios com ladrões de galinha, a maioria jovens, sem nenhum planejamento.

Algo que já observamos há alguns anos é que 90% dos gastos em segurança pública são em pessoal, 9% em custeio e 1% em investimentos. O que se gasta em inteligência é pífio. Pega o caso do Rio de Janeiro, que informou gastar R$ 1.238,00.

Se esse dado for verdadeiro, é ridículo. A inteligência é o coração das polícias modernas. Sem investir nela, não vamos prender homicidas contumazes, grandes criminosos, vértices que fazem o mundo criminal funcionar.

O modelo brasileiro de segurança pública é baseado em policiamento ostensivo, o que não existe em nenhum lugar desenvolvido. Não funciona, mas continuamos a investir nisso, ao mesmo tempo em que há uma situação caótica no sistema de perícias criminais. Tem ações particulares entre um estado ou outro, mas com poucos resultados.

Em que os recursos deveriam ser investidos?

Daniel Cerqueira Há situações pontuais que permitem-nos ter alguma esperança no futuro, situações em que a política do achismo, da improvisação, de colocar a patrulhinha para apagar incêndio em uma chacina, foi trocada por uma baseada em monitoramento e resultados.

Isso ocorreu na época de Eduardo Campos em Pernambuco. Ano passado teve um aceno na direção correta com a ideia do Sistema Único de Segurança Pública , de articular governos municipais, Ministério Público, estados etc.

Mas ela foi muito limitada, uma verdadeira carta de intenções. Para criar um sistema federativo de segurança pública, teria que haver reformas constitucionais, a partir do consenso entre todas as partes.

No atual governo, estamos na contramão. Temos 7 decretos sobre armas de fogo. Há o Plano Para Frente Brasil, baseado em diagnóstico e planejamento, mas ele foi inaugurado para atingir só 5 municípios de forma experimental.

Você vê no anuário quantos gastos são feitos de forma aparentemente infrutífera. Os recursos do Fundo Nacional de Segurança Pública [gerido pelo Ministério da Justiça] são repassados para os estados não mais como um aporte para comprar viatura e outros equipamentos.

O papel do governo deveria se basear no tripé: induzir, qualificar e financiar mudanças qualificadoras, capacitando não só agentes, mas gestores. O governo federal poderia ser um negociador indutor de mudanças, em troca de contrapartidas. Mas temos um modelo falido.

O governo também deveria investir fortemente em inteligência e contrainteligência. Mas na maioria dos estados o trabalho das polícias está comprometido, inclusive por grupos corruptos.

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