Expresso

Quais as perspectivas de navegação para o rio Pinheiros

Adriano Cirino e Ana Beatriz Damasceno

06 de janeiro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 23h37)

Implementação de transporte fluvial urbano pode ser viabilizada na região metropolitana da cidade de São Paulo após programa de despoluição e revitalização do rio

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FOTO: RICKEY ROGERS/REUTERS – 02.10.2006

Garça aparece sobre pilha de lixo no rio Pinheiros

Garça pousa sobre uma ilha de lixo no rio Pinheiros

Este conteúdo foi produzido pelos autores como trabalho final do Lab 99+Nexo de Jornalismo Digital, com o tema “A cidade como pauta: desafios e soluções de mobilidade urbana”, realizado na redação do Nexo, em outubro de 2019.

Para além da redução do esgoto lançado em seus afluentes, da redução do mau cheiro e da sua integração à cidade, o Novo Rio Pinheiros prevê, num segundo momento, “captar investimentos privados, com a concessão do transporte hidroviário”. Dessa forma, o programa de despoluição e revitalização do rio desperta mais uma vez o debate sobre as possibilidades de implementação de algum tipo de transporte fluvial urbano na região metropolitana da cidade de São Paulo.

Foi no dia 5 de junho de 2019, Dia Mundial do Meio Ambiente, que o governador João Doria (PSDB) anunciou que o rio Pinheiros será despoluído e terá suas margens recuperadas até dezembro de 2022. O prazo corresponde ao final de seu mandato. No mesmo dia, declarou que irá privatizar a Usina de Traição e transformá-la em uma espécie de “Puerto Madero paulistano”, em referência à zona portuária de Buenos Aires, na Argentina, revitalizada nos anos 1990 e que hoje é um de seus cartões-postais.

“Em 2021, esse espaço será privado . A usina continuará a funcionar, mas os outros espaços públicos serão de lazer, para entretenimento, para cafés, para restaurantes”, afirmou o governador.

“Haverá passarelas sobre o rio, de maneira que as pessoas possam usar as duas margens. Com o aumento do calado [da profundidade], poderia haver uma navegação turística do Pinheiros”, disse Benedito Braga, presidente da Sabesp (Companhia de Saneamento Básico do Estado de São Paulo), em setembro, no evento “Rios por um triz – despoluição dos rios Pinheiros e Tietê”, promovido pela Fundação SOS Mata Atlântica.

Se comparada com a ideia da despoluição do rio Pinheiros (um “objetivo”, uma “meta” do governo), a ideia da navegação em suas águas se apresenta pelo poder público como uma questão secundária e uma possibilidade um tanto quanto remota. Trata-se de uma aposta reservada para o futuro (“poderia haver uma navegação”, nos termos de Braga). No entanto, não se trata de ideia inédita nem descabida.

Pelo contrário. A navegação dos rios da cidade de São Paulo é discutida há muito mais tempo que sua despoluição, que entrou na agenda política a partir do governo de Orestes Quércia (do então PMDB, hoje MDB), que comandou o estado entre 1987 e 1991. No ano seguinte, em 1992, seria lançado pela administração de Luiz Antônio Fleury Filho (do também então PMDB) o Projeto Tietê, de ampliação da coleta e do tratamento de esgoto, que ainda hoje não foi concluído.

Os projetos de navegação para os rios de São Paulo

Há pelo menos 90 anos, engenheiros, urbanistas e arquitetos traçam projetos de navegação para os rios da cidade de São Paulo. Já em 1924, o engenheiro Francisco Saturnino de Brito, diretor da recém-criada Comissão de Melhoramentos do Rio Tietê, propunha construir quatro eclusas para garantir a navegabilidade do rio e criar um parque em suas margens para dar vazão à água na época das cheias.

FOTO: COMISSÃO DE MELHORAMENTOS DO RIO TIETÊ

Mapa com antigo projeto para o Rio Tietê.

Projeto elaborado por Saturnino Brito em 1924 para o rio Tietê

Em inventário encomendado à FAT (Fundação de Apoio à Tecnologia) em 2003 pelo Departamento Hidroviário da Secretaria de Transportes que foi cedido ao Nexo , foram identificados, a partir década de 1960, 29 estudos sobre as possibilidades de “implantação de algum tipo de transporte nos rios e reservatórios da região metropolitana de São Paulo”.

Um dos estudos mais recentes, posterior ao inventário, é o do Hidroanel Metropolitano, apresentado em 2011 ao governo do estado pelo Grupo Metrópole Fluvial da FAU-USP (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo, da Universidade de São Paulo). O projeto de proporções monumentais tinha conclusão prevista, à época, para a década de 2040.

Orientado pelas diretrizes das políticas nacionais de recursos hídricos , de resíduos sólidos e de mobilidade urbana , bem como pelos conceitos de “cidade fluvial” e “transporte fluvial urbano”, o Hidroanel Metropolitano propõe a construção e a articulação de “uma rede de canais navegáveis” composta por rios e represas existentes na região metropolitana de São Paulo e um canal artificial, totalizando 170 km de hidrovias urbanas.

FOTO: GRUPO METRÓPOLE FLUVIAL (FAU-USP)

Mapa dos trechos do hidroanel metropolitano de São Paulo

Mapa dos trechos do hidroanel metropolitano de São Paulo, apresentado em 2011 pela FAU-USP

De acordo com o “ Estudo de pré-viabilidade técnica, econômica e ambiental do Hidroanel Metropolitano de São Paulo ”, as vantagens da implementação do anel hidroviário seriam “de ordem econômica, ecológica, social e urbanística”.

Entre os benefícios diretos, o estudo destaca a racionalização energética do transporte de cargas (“uma vez que o transporte hidroviário é mais econômico em relação ao rodoviário”); a redução da emissão de gases poluentes; a melhoria do sistema de gestão de cargas urbanas; e a diminuição dos congestionamentos rodoviários.

Entre os benefícios indiretos, ressalta a transformação do ambiente fluvial urbano, com a recuperação dos canais e suas margens; e o incentivo à cultura de convivência com os rios (“que deixam de ser entendidos como um problema”), acompanhada da conscientização social e ambiental da população.

FOTO: GRUPO METRÓPOLE FLUVIAL (FAU-USP)

Ilustração de bulevar fluvial em um dos trechos do Hidroanel

Ilustração de bulevar fluvial para a ‘Cidade Canal Billings-Taiaçupeba’, um dos trechos do Hidroanel

Segundo Alexandre Delijaicov, arquiteto da Prefeitura de São Paulo, professor da FAU-USP e coordenador do Grupo Metrópole Fluvial, “o programa Novo Rio Pinheiros pode ser considerado como uma das fases de execução dos projetos e obras públicas do Hidroanel Metropolitano”. Ao Nexo , ele afirmou que “o Hidroanel é uma política pública de Estado, de projeto integrado, intersetorial, onde as políticas públicas de governo estão inseridas em um cronograma de execução de curto, médio e longo prazos”.

Para Pedro Victoria Junior, consultor do Idelt (Instituto de Desenvolvimento de Logística e Transportes), a navegação no rio Pinheiros é “um projeto de difícil execução, que envolve vários setores e recursos de que os governos não dispõem”. Ele afirmou ao Nexo que “daí a necessidade de atrair a iniciativa privada, com a possibilidade de se alavancarem negócios, sendo estes propiciados pela revitalização do rio”.

Uma breve história dos rios de São Paulo

Conforme o já referido “Estudo de pré-viabilidade” apresentado pela FAU-USP, ainda que a cidade de São Paulo tenha se estabelecido e expandido a partir de seus rios, estes foram, ao longo da história, retificados (antes eram sinuosos) e “confinados em canais estreitos e rasos, os quais impedem a navegação continuada”.

Com o crescimento populacional vertiginoso experimentado pela metrópole ao longo do século 20, os rios foram cercados por avenidas expressas, as chamadas “marginais”, construídas na década de 1960 com base no Plano das Avenidas, política de modelo rodoviarista elaborada pelo ex-prefeito Prestes Maia nos idos de 1940.

“As características rodoviárias destas avenidas, aliadas à ocupação das várzeas, à poluição dos rios urbanos e à consequente degradação da orla fluvial, isolaram os rios da cidade”, aponta o estudo. “O pedestre não consegue mais se aproximar da beira das águas fluviais”.

As consequências de todo esse processo “são sentidas no cotidiano de São Paulo: enchentes, alagamentos, dependência excessiva do transporte rodoviário e desarticulação logística e urbanística dos rios com a cidade”. Daí a necessidade de despoluição, revitalização e navegação dessas águas, segundo os especialistas.

“Menores índices de poluição atmosférica, de acidente, redução de congestionamento”, são alguns dos efeitos que Victoria Junior apontou ao Nexo como motivadores para se insistir na navegação fluvial urbana. “Agora, não se pode resolver a questão do transporte hidroviário na região sem conciliá-la com a da macrodrenagem, a da despoluição, a da geração de energia e, principalmente, a do urbanismo”.

Joaquim Riva, engenheiro naval e consultor dos estudos do Hidroanel Metropolitano já afirma que “é difícil prever que as intervenções [do Novo Rio Pinheiros] estarão totalmente concluídas em quatro anos”. Entretanto, “a iniciativa é necessária e não tem retorno”, disse ao Nexo .

Hoje, o Pinheiros percorre 25 km de extensão e recolhe as águas de uma bacia de 271 km², uma área onde vivem 3,3 milhões de pessoas. Muitos córregos de seus afluentes são, nas palavras de Delijaicov, “canais de esgoto a céu aberto ou subterrâneos”.

O Pinheiros se forma próximo à serra do Mar e deságua no rio Tietê, cujo curso, de sua nascente em Salesópolis (região metropolitana), até sua foz, numa barragem do rio Paraná (na divisa com o Mato Grosso do Sul), percorre pouco mais de 1.100 km, banhando 62 municípios ribeirinhos.

Encontro do Pinheiros e Tietê

Desde o início de 2019, de acordo com o site oficial do Novo Rio Pinheiros , a Sabesp vem mapeando a bacia do rio, “para identificar o impacto gerado por imóveis que não são conectados à rede coletora já existente e também os lugares onde é necessário implantar a rede”. Paralelamente, a Emae (Empresa Metropolitana de Águas e Energia) realiza seu desassoreamento e seu desaterro. Esses e outros órgãos têm procurado somar esforços, articulados por meio da Secretaria Estadual de Infraestrutura e Meio Ambiente, a fim de cumprir a tempo as promessas do governador.

Por enquanto, apenas os “ecoboats” navegam o Pinheiros. Assim são chamados os barcos coletores dos resíduos flutuantes do rio. Apenas de janeiro a setembro de 2019, foram recolhidas de suas águas 3.100 toneladas de lixo, a um custo de R$ 5,6 milhões.

Edição Conrado Corsalette

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