Expresso

A influência dos Racionais MCs no ativismo da periferia

Camilo Rocha

25 de agosto de 2020(atualizado 28/12/2023 às 13h00)

Nova versão de ‘Voz ativa’, música lançada originalmente em 1992, conversa com um contexto de luta que foi fortemente inspirado pelo trabalho do grupo de rap

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FOTO: KLAUS MITTELDORF

Racionais MC's

Racionais MC’s

A música “Voz ativa” é um clássico do início da carreira dos Racionais MCs. Foi lançada em 1992, parte do EP “Escolha seu caminho”. Sua mensagem procura incentivar a confiança e o potencial das pessoas negras, lembrando ao ouvinte que “mais da metade do país é negra e se esquece/Que tem acesso apenas ao resto que ele oferece”.

Uma nova versão da faixa foi lançada em 21 de agosto, em interpretação dos rappers Dexter, Djonga e Coruja BC1. No começo do videoclipe, uma mensagem lembra que a música original foi composta quando a Zona Sul de São Paulo era “considerada pela ONU o lugar mais violento da Terra” e que, de lá para cá, “pouca coisa mudou”.

Dirigido por João Wainer, o clipe traz imagens de protestos contra assassinatos recentes de negros por policiais, como o americano George Floyd e o adolescente brasileiro João Pedro Mattos. Em agosto de 2020, um relatório da Rede de Observatórios da Segurança, grupo que pesquisa a violência nos estados de São Paulo, Rio de Janeiro, Bahia, Ceará e Pernambuco, apontou que 75% das pessoas mortas pela polícia são negras .

“Me preocupo muito com o futuro, com o que está acontecendo com aquilo que veio da periferia e é nosso. Isso me despertou o interesse em resgatar algo do passado que pudesse conversar com as pessoas sobre a responsabilidade de ser e fazer”, afirmou Dexter ao site Alma Preta sobre as motivações para a regravação.

A proposta dos Racionais

Ao site Alma Preta, o rapper Mano Brown, dos Racionais, explicou que se inspirou em textos do ativista antirracista Malcolm X para compor “Voz ativa”. “A letra sou eu conversando com ele no livro, dizendo que aqui no Brasil as coisas estavam do mesmo jeito, mas que agora o negro tinha voz ativa e disposição de lutar”, afirmou.

O americano, assassinado em 1965, foi uma influência chave para a proposta dos Racionais. Malcolm X também foi uma fonte primordial para as ideias do grupo de rap americano Public Enemy, referência importante para os Racionais quando surgiram, em 1988.

FOTO: REPRODUÇÃO

Os três rappers aparecem caminhando, de roupas pretas

Rappers Coruja BC1, Dexter e Djonga em cena do clipe de ‘Voz ativa’

“Quando li Malcolm X, senti que era negro mesmo”, disse Brown à revista Rolling Stone em 2013.As coisas começaram a fazer sentido. Foi um murro na cara. Eu pensava: ‘Vou ser igual ao Malcolm X. Quero ser o Chuck D’ [rapper do Public Enemy].”

Naquela década, como resultado de uma urbanização descontrolada, a periferia de São Paulo vivia a intensificação de problemas como índices de violência e carência de serviços públicos.

O Capão Redondo, bairro em que surgiram os Racionais, era palco da atuação de policiais justiceiros que matavam jovens negros com a justificativa de que seriam criminosos. Ali perto ficava o Jardim Ângela, apontado pela ONU (Organização das Nações Unidas) como o lugar mais violento do planeta, com uma taxa anual de 116,23 assassinatos para cada 100 mil habitantes em 1996.

A música “Pânico na Zona Sul”, estreia dos Racionais em disco, de 1988, traz uma letra que acusa a polícia de ser conivente com os crimes dos “justiceiros que matam, humilham e dão tiros a esmo”.

Para além da denúncia e das crônicas “do inferno”, a mensagem dos Racionais também procurava elevar e enaltecer a potência do indivíduo periférico. “Aos seus ouvintes, os Racionais ofereceram não só identificação, mas também propostas de saída para esse desafio, na forma de batidas e rimas. Com reflexão e sentimento”, escreveu no Nexo Gabriel Gutierrez, mestre em ciência política pelo Iuperj (Instituto Universitário de Pesquisas do Rio de Janeiro) e pesquisador do Centro de Arte e Cidade da Uerj (Universidade do Estado do Rio de Janeiro).

Ativismo da periferia

O movimento hip hop ocupou lugar central na construção de uma nova identidade periférica em São Paulo na década de 1990. Essa identidade era orgulhosa da origem, empreendedora e socialmente consciente, e concretizava-se por meio de iniciativas que vão desde a marca de roupas 1dasul, do escritor Ferréz, à Cooperifa (Cooperativa Cultural da Periferia), do poeta Sérgio Vaz.

“Há muitos tipos de rap, mas o rap de verdade tem um lado mais político. O rap ligado ao hip hop fala de autoestima, do valor das pessoas de um modo positivo”, explicou o rapper pioneiro Thaíde, em entrevista à Folha de S.Paulo em 1999.

Em entrevista de 2011, Preto Zezé, presidente da Cufa (Central Única das Favelas) lembrou a maneira como foi impactado pela faixa “Negro limitado”, dos Racionais MCs, do mesmo EP que contém “Voz ativa”. “Até falei pro Mano Brown quando conheci ele: cara, você! O cara falava pro preto que o preto não escutava, chamava ele de otário. Aí, pronto, foi o transtorno. Aí vem Malcolm X, o interesse pela leitura”, disse à revista Carta Capital. Uma das primeiras iniciativas em que Zezé se envolveu foi a criação de um projeto de assistência a usuários de drogas chamado Rapterapia.

Na esteira da mensagem consciente do rap, em especial dos Racionais, a década de 1990 viu o surgimento das chamadas “posses”, coletivos que unem criação artística e ações sociais. A primeira foi a Aliança Negra, de Cidade Tiradentes, que em 2000 se tornou uma ONG (Organização Não-Governamental) e continua na ativa em 2020. Outro nome importante foi a Conceitos de Rua, que reunia os grupos Z Áfrika Brasil, Conclusão Final e Face Original.

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