A reação da equipe econômica ao avanço da pandemia no Brasil
Marcelo Roubicek
24 de novembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 12h56)Indícios de um novo crescimento do contágio no país aumentam a pressão sobre a pasta de Paulo Guedes para definir o futuro do auxílio emergencial
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Paulo Guedes participa de evento em Brasília
Paulo Guedes afirmou na segunda-feira (23) que não há indícios de um novo avanço significativo do coronavírus no Brasil. Segundo o ministro da Economia, a “evidência empírica é que a doença diminuiu” no país.
A declaração de Guedes veio menos de uma semana após seu secretário de Política Econômica, Adolfo Sachsida, dizer que a possibilidade de uma segunda onda de contágio é baixa .
Sachsida afirmou que muitos estados já teriam alcançado ou estariam perto da chamada imunidade de rebanho – quando uma parcela significativa da população já foi exposta à doença e desenvolveu os anticorpos de proteção, reduzindo a circulação do vírus. Os argumentos apresentados pelo secretário contrariam evidências científicas e divergem do parecer da OMS (Organização Mundial da Saúde).
Os números mostram que há, em novembro, um aumento do número de casos de infecção pelo novo coronavírus no país. O Brasil é o segundo país com mais mortes pela doença no mundo (quase 170 mil em 24 de novembro) e o terceiro com mais infectados desde o início da pandemia (mais de 6 milhões de registros na mesma data).
Os números indicam um crescimento na média móvel tanto para os novos contágios como para os óbitos causados pela covid-19. Esse aumento pode estar ligado a problemas de divulgação de dados no início de novembro, que resultaram no represamento de parte dos registros.
Há, no entanto, outros indícios de que o vírus está avançando no país. O sistema InfoGripe , da Fiocruz, por exemplo, aponta um crescimento de casos de SRAG (síndrome respiratória aguda grave) no Brasil em novembro. Nem todos os casos de SRAG são causados pela covid-19, mas como os registros de síndrome respiratória grave aumentaram muito em 2020 em comparação com os anos anteriores, o excesso tende a ser causado pelo novo coronavírus — o vírus respiratório com maior circulação no momento. Por isso, a evolução de casos de SRAG acaba servindo como um indicador da pandemia.
Além disso, o número de internações pelo coronavírus vem acelerando em diversas cidades brasileiras. É o caso de São Paulo, onde as internações na rede municipal cresceram 26% na terceira semana de novembro, e do Rio de Janeiro, onde as UTIs já superam 90% de ocupação.
Ao Nexo , o infectologista Plinio Trabasso, da Faculdade de Ciências Médicas da Unicamp, explicou que não há consenso entre os especialistas sobre haver ou não uma segunda onda de contágio no Brasil. Mas não se trata de uma divergência quanto ao aumento de casos em diversos lugares do país, mas sim de uma discordância sobre o uso da expressão .
No geral, aqueles que preferem dizer que não há segunda onda argumentam que a primeira onda ainda não acabou. Há, por outro lado, especialistas que falam abertamente em segunda onda .
Independentemente do termo usado para se referir ao avanço do vírus, o estágio da pandemia no Brasil está no radar da equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro. Um novo boom de covid-19 pode significar um novo choque na economia brasileira, que ainda não se recuperou do tombo inicial da pandemia.
O avanço do coronavírus pode levar a novas reduções na circulação de pessoas nas cidades do país – seja pela imposição de novas medidas restritivas pelos poderes públicos locais ou pelo medo do contágio. Isso pode novamente paralisar parte da atividade econômica, freando a recuperação que se iniciou ainda no final do primeiro semestre .
Com menos pessoas e dinheiro circulando, as empresas poderão ver as dificuldades para manter os negócios de pé se aprofundarem. As contratações devem perder prioridade, e pode haver novas rodadas de demissões – isso em um mercado de trabalho já fragilizado. Mais de 12 milhões de pessoas perderam o emprego nos primeiros seis meses de pandemia e a taxa de desemprego está em tendência de recordes consecutivos .
Para o governo, isso significa que haverá um aumento da pressão por novas medidas de apoio às empresas e população. Em especial, o debate sobre a extensão do auxílio emergencial deve se intensificar.
O auxílio emergencial articulado pelo Congresso Nacional em março foi a mais importante política do governo federal para apoiar a população economicamente atingida pela crise em 2020. Ao atingir mais de 67 milhões de pessoas, o benefício mensal pago a trabalhadores informais, autônomos e desempregados ajudou a atenuar o impacto da recessão causada pela pandemia na renda dos brasileiros. O programa também ajudou a reduzir a pobreza no Brasil a níveis historicamente baixos, e foi um dos principais impulsionadores da popularidade de Bolsonaro , que bateu recorde na pandemia.
O valor original definido para o auxílio foi de R$ 600 mensais. Essa quantia valeu por cinco meses, entre abril e agosto. Em setembro, o benefício foi reduzido pela metade, indo para R$ 300, com duração prevista até dezembro. O presidente Jair Bolsonaro e sua equipe consideraram insustentável manter o valor original, visto como muito caro para os cofres públicos.
O pagamento do auxílio em 2020 só foi possível porque regras fiscais que normalmente se aplicam ao Orçamento federal foram flexibilizadas na pandemia – isso inclui o teto de gastos, que limita as despesas do governo a um nível pré-determinado. A flexibilização se deu pelo decreto de calamidade pública e pela aprovação do chamado orçamento de guerra . Mas o regime fiscal diferenciado tem data para acabar: 31 de dezembro de 2020, mesmo dia em que o auxílio emergencial deve ser encerrado.
Conforme o final do ano se aproxima, muitos economistas alertam para possíveis danos causados pela interrupção súbita do auxílio emergencial. O argumento é que, além de atrapalhar os rumos da recuperação econômica, o encerramento do benefício irá devolver milhões de brasileiros à pobreza ao descontinuar as transferências de renda.
O crescimento dos números do coronavírus no país agrava a situação, porque diminui a possibilidade de reinserção no mercado de trabalho – seja pela menor disponibilidade de vagas ou pelo aumento do risco de exposição ao vírus no processo de procura por trabalho.
A cobrança sobre Paulo Guedes e sua equipe por uma extensão do auxílio emergencial vem aumentando ao longo do segundo semestre. Antes mesmo de aparecerem sinais de um novo avanço do coronavírus, o tema já era discutido em Brasília.
O governo buscava uma forma de criar um novo programa social – apelidado de Renda Cidadã – que sucedesse o auxílio e que ao mesmo tempo respeitasse as regras fiscais como o teto de gastos . Mas a dificuldade de encaixar o programa no Orçamento para 2021 travou as articulações.
Originalmente, a promessa era de retomar as discussões sobre o novo programa após o primeiro turno das eleições municipais, ocorrido em 15 de novembro. Mas informações de bastidores obtidas pelo jornal Folha de S.Paulo revelam que o tema só deve voltar à agenda em Brasília em fevereiro de 2021 – já com o auxílio emergencial encerrado.
Como um todo, a posição da equipe econômica é de resistência à prorrogação do auxílio. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo publicada na terça-feira (24), Guedes trabalha contra a extensão, argumentando não haver dinheiro para manter a despesa.
Isso vai em linha com as diretrizes de política econômica pregadas pelo ministro desde a campanha eleitoral de 2018: redução de gastos e ajuste nas contas do governo, mirando diminuir o patamar da dívida pública brasileira. Prolongar a duração do auxílio significaria manter os gastos públicos em um patamar alto em 2021.
Essa resistência da equipe econômica apareceu também nos primeiros momentos de pandemia, quando houve relutância em aumentar os gastos para combater a crise sanitária e econômica que se iniciava.
A preocupação da equipe econômica passa também pela defesa do teto de gastos . Guedes tem se comprometido publicamente com a manutenção da regra, buscando atenuar as preocupações de agentes do mercado financeiro com um possível abandono da agenda de austeridade – o que, aos olhos dos investidores, significaria um aumento do risco em investir no Brasil.
Em novembro, o plano da equipe econômica segue sendo o de retorno ao regime fiscal anterior à chegada da pandemia. Afirmando não haver indícios de um novo avanço do vírus no país, o secretário do Tesouro Nacional, Bruno Funchal falou abertamente em retorno à normalidade a partir de 1° de janeiro de 2021.
“Voltamos ao normal, viramos a página e voltamos ao processo de normalidade, de continuidade dos nossos planos estruturais”
Já Guedes reconhece a possibilidade de prorrogar o decreto de calamidade pública no início de 2021 se houver uma segunda onda de contágio. Isso estenderia a flexibilização das regras fiscais e abriria espaço para o governo pagar novas rodadas do auxílio emergencial.
“Se houver uma segunda onda, não é uma possibilidade, é uma certeza [que o governo vai pagar um novo auxílio emergencial]”
No entanto, o ministro – assim como os integrantes de sua pasta – deixa claro que há e haverá resistência em reconhecer o avanço do coronavírus no Brasil. Na segunda-feira (23), ele chamou de “ fabricações ” as teses de que há um avanço significativo da pandemia no país em novembro. Guedes também pediu “respeito à narrativa científica”, e afirmou que, por enquanto, a extensão do auxílio emergencial está fora dos planos da equipe econômica.
“Dizer hoje que Brasil precisa trancar tudo e estender auxílio é precipitação. Não há hoje evidência [de segunda onda] para puxar esse gatilho. Os fatos são que a doença cedeu bastante e a economia voltou com muita força. Então, do ponto de vista do governo, não existe a prorrogação do auxílio emergencial”
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