O que ainda está em aberto no plano nacional de vacinação
Estêvão Bertoni
16 de dezembro de 2020(atualizado 28/12/2023 às 13h01)Após pressão de governadores e da Justiça, Ministério da Saúde divulga estratégia de imunização em todo o país sem data exata para começar. Coronavac é incluída como intenção de compra
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Presidente Jair Bolsonaro apresenta plano de vacinação do governo federal contra a covid-19
O governo federal anunciou na quarta-feira (16) seu plano nacional de vacinação contra a covid-19. O Ministério da Saúde vinha sendo pressionado por governadores e cobrado pela Justiça a entregar uma estratégia de imunização em todo o país depois que o governador de São Paulo, João Doria, anunciou uma data de início de vacinação para o estado: 25 de janeiro de 2021.
O documento apresentado prevê a intenção de compra de mais vacinas, como a Coronavac, produzida pelo Instituto Butantan, ligado ao governo paulista. Mas não fala exatamente quando o plano terá início. O ministério diz ser impossível fixar uma data porque nenhum laboratório solicitou a aprovação de um imunizante na Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), autarquia federal responsável pelo registro dos produtos. Em entrevista após o anúncio, o ministro da Saúde, Eduardo Pazuello, cogitou, porém, a aplicação das primeiras doses em fevereiro .
“Se nós conseguirmos manter o planejado do Butantan e da Fiocruz de apresentar a fase 3 dos estudos e toda a documentação da fase 1 e 2 ainda em dezembro à Anvisa e solicitar o registro, nós teremos aí janeiro para análise da Anvisa e, possivelmente, em meados de fevereiro para frente nós estejamos com estas vacinas recebidas e registradas para iniciar o plano”
O anúncio foi feito no Palácio do Planalto em evento com a presença de Jair Bolsonaro. O presidente adotou um discurso que contrasta com o que havia dito um dia antes. Bolsonaro afirmou na terça-feira (15) que não tomaria a vacina, o que é visto como um desincentivo à população para se imunizar. O presidente ainda havia colocado em dúvida a segurança das vacinas, defendendo o uso da hidroxicloroquina, medicamento que estudos já demonstraram não ter qualquer efeito em doentes infectados com o novo coronavírus. Na quarta-feira (16), porém, o tom foi de conciliação:
“Se algum de nós extrapolou, foi no afã de buscar solução”
Mais doses previstas
No documento que o Ministério da Saúde havia enviado na sexta-feira (11) ao Supremo Tribunal Federal, que julga duas ações sobre vacinas, o governo previa 300 milhões de doses disponíveis para a vacinação no país, somando as vacinas da Oxford/AstraZeneca, adquiridas para serem produzidas na Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz, ligada ao governo federal), do consórcio Covax Facility e da Pfizer, num acordo ainda não fechado. No novo plano, a pasta fala em 350 milhões de doses, apenas das duas vacinas já compradas pelo governo federal, sem incluir a Pfizer.
Intenção de compra
Pela primeira vez, o plano inclui a vacina Coronavac, do laboratório chinês Sinovac, na lista de vacinas que o ministério pretende comprar. Ela está sendo produzida pelo governo paulista no Instituto Butantan e está no centro da disputa política entre Doria e Bolsonaro. A Coronavac aparece na relação de “memorandos de entendimento” firmados pela pasta com outros laboratórios. O governo estuda comprar ainda doses da Bharat Biotech (Índia), Moderna (EUA) e Gamaleya (da vacina russa Sputnik V). Com a Pfizer, a intenção continua sendo adquirir 70 milhões de doses. Com a Janssen, o acordo prevê 38 milhões de doses.
Grupos prioritários
No plano entregue ao STF, constavam quatro grupos prioritários que receberiam primeiro a vacina. Agora, serão três, com a inclusão de novos segmentos da população: trabalhadores das áreas da educação e transporte (coletivo e rodoviário de carga), populações quilombolas, ribeirinhas, em situação de rua e carcerária e pessoas com deficiência severa. O governo havia recebido críticas por ter excluído alguns desses grupos (como quilombolas e presos) no plano inicial.
Embora tenha incluído outras vacinas no plano, o Ministério da Saúde continua contando com apenas duas opções já garantidas, em quantidade insuficiente para atender uma população de cerca de 212 milhões de pessoas, considerando que cada pessoa precisará tomar duas doses do imunizante contra a covid-19.
Ao iniciar a vacinação de profissionais da saúde e idosos em 8 de dezembro, o Reino Unido, por exemplo, já havia garantido 357 milhões de doses de sete laboratórios diferentes para uma população de 67 milhões de pessoas. A quantidade era suficiente para vacinar cada cidadão britânico cinco vezes.
O início do plano ainda está em aberto e depende que os laboratórios solicitem a aprovação de suas vacinas na Anvisa. A AstraZeneca teve problemas nos testes da fase 3 e admitiu um erro na dosagem aplicada em parte dos voluntários. O problema pode atrasar a liberação do imunizante que será produzido no Brasil pela Fiocruz.
Já o Butantan afirma ter obtido um número suficiente de infectados na última fase de testes para calcular a taxa de eficácia da Coronavac. O instituto, porém, tem segurado os resultados. Eles foram prometidos para o dia 23 de dezembro, quando o registro do produto deve ser solicitado à agência federal. O ministério diz que irá entregar as vacinas para os estados cinco dias após o registro da vacina. Os estados precisam distribuí-las aos municípios, que ficam responsáveis por sua aplicação na população.
O governo federal também não deixou claro o teor da campanha de comunicação sobre a vacinação. Ela será dividida em duas etapas. A primeira visa “transmitir segurança à população em relação à eficácia dos imunizantes, bem como capacidade operacional de distribuição” das vacinas pelo governo. Já a segunda ocorrerá quando houver definição das vacinas, para convocar os grupos a serem imunizados.
Em entrevista na terça-feira (15), Bolsonaro afirmou ter pedido ao ministro Eduardo Pazuello que mostre a bula das vacinas . “Lá no meio dessa bula está escrito que a empresa não se responsabiliza por qualquer efeito colateral. Isso acende uma luz amarela. A gente começa a perguntar para o povo: você vai tomar essa vacina?”, afirmou. Suas declarações contrariam a linha definida para a campanha de comunicação do próprio ministério.
O governo federal também anunciou o gasto de R$ 80,5 milhões para a aquisição de mais de 300 milhões de seringas e agulhas. Embora a atribuição da compra desses itens seja de estados e municípios, o governo federal decidiu ter uma atuação complementar na aquisição dos insumos. Apenas na quarta-feira (16), porém, o governo abriu licitações para a compra de 331 milhões de seringas e agulhas.
O presidente da Abimo (Associação Brasileira da Indústria de Artigos e Equipamentos Médicos, Odontológicos, Hospitalares e de Laboratórios), Paulo Henrique Fraccaro, disse ao jornal O Estado de S. Paulo que as três fabricantes nacionais se reuniram com o governo em agosto para tratar do tema, mas depois disso nada mais aconteceu. Segundo ele, a quantidade exigida demoraria sete meses para ser fabricada.
O anúncio do plano foi uma sinalização de que o Ministério da Saúde pretende tomar as rédeas da campanha de vacinação contra a covid-19 após o governador de São Paulo, João Doria, anunciar um plano estadual de imunização com início em janeiro. O anúncio ocorreu mesmo sem aprovação para o uso da vacina produzida no Butantan.
Desde os anos 1970, o papel de vacinar os brasileiros é exercido pelo governo federal, por meio do Programa Nacional de Imunizações, considerado a maior ação do tipo no mundo. Ele foi responsável por controlar doenças como poliomielite, sarampo e tuberculose no país.
38 mil
salas de vacinas estão espalhadas pelo país e serão usadas na imunização contra a covid-19
50 mil
é o número de postos de vacinação que poderão ser criados em períodos de campanhas
Ao anunciar o plano, Pazuello afirmou que todos os brasileiros receberão a vacina gratuitamente. “O mais importante de hoje, aqui, é demonstrarmos que todos nós estamos juntos. Todos os estados da federação serão tratados de forma igualitária, proporcional. Não haverá nenhuma diferença. Todas as vacinas produzidas no Brasil, pelo Butantan, pela Fiocruz ou qualquer indústria terá prioridade do SUS”, disse.
Ele também respondeu às críticas de que a Anvisa estaria sendo aparelhada para atender às vontades de Bolsonaro e possivelmente negar registro à vacina do Butantan para impor uma derrota política ao governador João Doria.
“Nós não podemos pôr em dúvida a credibilidade da nossa agência reguladora. Cuidado com as pessoas que falam da nossa Anvisa. É a nossa referência e é uma referência mundial, independente, uma agência de estado. Tudo está sendo feito com critérios técnicos e de segurança para todos os brasileiros”, disse.
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