Quais as frentes de pressão para adiar o Enem de novo
Aline Pellegrini
11 de janeiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h53)Pedidos para mudar data do exame levam em consideração defasagem educacional, aumento da desigualdade e potencial de propagação do novo coronavírus durante a prova
Em 2019, Enem teve pouco mais de cinco milhões de inscritos
Falta de transparência sobre os protocolos de segurança, perigo do aumento exponencial de casos do novo coronavírus e aumento da desigualdade educacional são alguns dos pontos usados por quem defende o novo adiamento do Enem (Exame Nacional do Ensino Médio). Nas redes sociais, uma campanha pela mudança na data chegou aos assuntos mais comentados por meio da hashtag #adiaEnem.
Na sexta-feira (8), instituições e entidades estudantis se juntaram para formalizar três pedidos que foram apresentados à Justiça, ao Ministério Público Federal e ao Ministério da Educação. Todos solicitam a mudança da data da prova ressaltando os problemas para a realização do exame que tem cerca de 6 milhões de inscritos e começa no domingo (17).
Em uma carta enviada ao MEC, 48 entidades como a SBPC (Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência), a Anped (Associação Nacional de Pós-Graduação e Pesquisa em Educação), e a Abrasco (Associação Brasileira de Saúde Coletiva) afirmam que as propostas apresentadas pelo Inep (Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira, responsável pelo Enem) não são suficientes para garantir a segurança da população brasileira “num momento de visível agravamento da pandemia no país”.
Já a Defensoria Pública da União recorreu à Justiça Federal para adiar o Enem. O requerimento é para que “o exame seja adiado até que possa ser feito de maneira segura ou ao menos enquanto a situação [da pandemia] não esteja tão periclitante quanto agora”.
O Enem estava previsto para ocorrer inicialmente nos dias 1º e 8 de novembro de 2020, mas, em maio, após semanas de pressão de professores, secretários estaduais de Educação e políticos, o Inep foi forçado a alterar a data do exame. Em junho, o instituto realizou então uma enquete em que pedia que os inscritos votassem em três opções de datas para o adiamento da avaliação.
A opção mais votada foi a mais tardia, maio de 2021. Mas a data não foi escolhida porque, segundo Alexandre Lopes, presidente do instituto, caso as provas ocorressem em maio, o calendário do início das aulas do primeiro semestre do ensino superior em todo o país poderia atrasar e ficar prejudicado. O exame é usado desde 2009 como critério de seleção para o ingresso no ensino superior.
Na noite de segunda-feira (11), o Inep divulgou uma nota na qual anunciou a morte do general da reserva Carlos Roberto Pinto de Souza, de 59 anos. Ele era diretor de Avaliação da Educação Básica do instituto, área responsável pela elaboração da prova do Enem. Souza morreu de complicações decorrentes da covid-19 .
Entre os pontos destacados pela carta das entidades ao MEC ao pedir o adiamento da prova estão o crescimento do número de casos de covid-19, o fato de os participantes serem adolescentes e adultos jovens — segmento com maior probabilidade de ter participado das aglomerações recentes (festas de fim de ano) — e a previsão de que cada sala tenha, em média, 30 alunos, que vão permanecer lá durante cerca de cinco horas.
Na carta, as associações ressaltam que “é sabido que o risco de transmissão está correlacionado diretamente com o tempo de permanência no mesmo ambiente”. Segundo o documento, também “faltam informações sobre avaliação realizada nas escolas sobre as condições de dimensões e ventilação das salas”, já que “em boa parte das escolas do país, as condições não são adequadas”.
A previsão de que o número de infectados pelo novo coronavírus aumente nas próximas semanas também é ressaltada pela Defensoria Pública da União. “Temos uma prova agendada exatamente no pico da segunda onda de infecções, sem que haja clareza sobre as providências adotadas para evitar-se a contaminação dos participantes da prova, estudantes e funcionários que a aplicarão”, afirma o defensor João Paulo Dorini no documento.
As duas maiores entidades estudantis do Brasil, a UNE (União Nacional dos Estudantes) e a Ubes (União Brasileira dos Estudantes Secundaristas), assinam o documento da Defensoria Pública como “amicus curiae” (expressão em latim para “amigos da corte” — aquele que pode fornecer esclarecimentos ao tribunal), assim como a Defensoria Pública do Estado do Ceará, a Campanha Nacional pelo Direito à Educação e a ONG Educafro.
As organizações de alunos também entraram com uma ação no MPF pedindo esclarecimentos ao MEC de dúvidas levantadas por estudantes e afirmam que não conseguiram diálogo com o MEC para auxiliar no planejamento da estrutura e das medidas sanitárias da prova.
Os estudantes pedem que o MEC esclareça qual o número dos locais de prova. Entre as medidas de segurança previstas pelo ministério está a ocupação de 50% da capacidade de cada sala. Para isso, essa edição do Enem precisaria ter o dobro dos locais de prova em comparação com o exame de 2019, mas, segundo as entidades, o Inep não informou em quantos lugares a prova será aplicada.
A exclusão social também aparece em destaque nos dois documentos. A carta ao MEC ressalta que a defasagem educacional intensificada pela pandemia não pode ser desconsiderada ao levar a data do exame em consideração, devido ao seu impacto na vida escolar dos brasileiros. Segundo as entidades que assinam o documento, o Enem existe para reduzir a desigualdade do acesso ao ensino superior e não pode servir para ampliar essa desigualdade.
“Os argumentos sanitários são, portanto, reforçados pelas questões de âmbito pedagógico e educacional que apontam para a deterioração das condições de estudo no ensino médio e de acesso da maior parte dos estudantes brasileiros afetados de todas as formas”, segundo o texto.
A ação do DPU ressalta que, “mesmo diante da grande defasagem educacional, antes suspeitada, e que de fato se consumou, implicitamente reconhecida pela administração pública, como no caso do estado de São Paulo que criou um 4º ano do ensino médio para ‘reforço’ aos alunos que cursaram o 3º ano em 2020, não houve uma solução judicial a contento, até o momento, para viabilizar a realização de um exame que não reproduza as deficiências pedagógicas nas redes estaduais de ensino durante a pandemia e que possa ser realizado de maneira segura.”
Em entrevista à Agência Brasil na quinta-feira (7), Alexandre Lopes, presidente do Inep, afirmou que as datas do Enem estavam mantidas e que as condições de aplicação eram“adequadas”. Ele defendeu a manutenção do exame nos dias 17, 24 e 31 de janeiro e 7 de fevereiro para que seu resultado ocorra a tempo de permitir que estudantes utilizem a pontuação do Enem para o ingresso em universidades públicas.
Entre as medidas de segurança contra a covid-19 que foram adotadas para a realização do Enem estão a limpeza das salas antes e depois das provas, a abertura dos portões duas horas antes do início do exame, para evitar aglomeração na entrada dos prédios, e a obrigatoriedade do uso de máscara de proteção facial durante toda a duração da prova.
Pessoas que integram grupos de risco de contaminação pelo novo coronavírus foram identificadas no momento da inscrição, segundo o MEC, e ficarão em salas com no máximo 12 pessoas. Além disso, quem apresentar sintomas de qualquer doença infectocontagiosa no dia da prova não deverá comparecer ao local do exame e poderá fazer o Enem em fevereiro.
Vestibulando checa sala de prova de exame da Unicamp
Janeiro se tornou o mês da maratona dos vestibulandos. Os exames mais concorridos foram agendados para ocorrer até dia 31 do mês. As duas primeiras grandes provas presenciais que já foram aplicadas no país, serviram como cobaias para as próximas provas, mas ambas já revelam a tendência da abstenção, já que as duas tiveram cerca de 13% de faltantes — número superior ao registrado em 2019 e 2020.
A primeira, que ocorreu na quarta-feira (6) e na quinta-feira (7), foi a prova da Unicamp (Universidade Estadual de Campinas). Para não prejudicar os alunos que sofreram com o fechamento das escolas, os organizadores do exame diminuíram o número de leituras obrigatórias e afirmaram que conteúdos do terceiro ano do ensino médio não seriam cobrados.
Alguns protocolos de segurança, como o aumento do número de salas, a divisão dos inscritos em dois grupos, duplicando os dias de realização do exame, o distanciamento entre os alunos e o uso de máscara durante todo o tempo de realização da prova foram elogiados pelos inscritos. As maiores reclamações entre os que fizeram a prova no primeiro dia foi sobre aglomerações nas entradas dos prédios e sobre a lotação no transporte público.
A partir desses relatos, a Unicamp decidiu antecipar ainda mais a liberação dos portões na quinta-feira (7) e eles foram abertos uma hora e quinze minutos antes do início da prova.
A prova da USP (Universidade de São Paulo), que foi aplicada no domingo (10), também contou com protocolos de segurança contra o coronavírus, como lotação máxima de 40% da capacidade de cada sala, obrigatoriedade do uso de máscara e abertura antecipada dos portões.
No entanto, nem todos os candidatos a uma vaga na universidade escaparam de um abraço dos colegas que encontraram nos locais de prova e outros reclamaram da falta de checagem da temperatura, já que febre é um dos sintomas da covid-19. Na quinta-feira (8), um dos inscritos no vestibular da Unicamp foi desclassificado após sua temperatura ser aferida em 37,4ºC.
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