Por que a África do Sul decidiu suspender a vacina de Oxford
Juliana Sayuri
08 de fevereiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h57)Dados preliminares de estudo indicam que o imunizante da Oxford-AstraZeneca dá ‘proteção mínima’ contra variante detectada no país
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Participante do primeiro estudo clínico de uma vacina contra a covid-19 na África do Sul, em junho de 2020
A África do Sul anunciou no domingo (7) a decisão de interromper temporariamente o uso da vacina contra a covid-19 desenvolvida pela universidade britânica de Oxford em parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca.
O governo sul-africano recebeu 1 milhão de doses da vacina importadas da Índia e pretendia distribuí-las em fevereiro, mas recuou após a divulgação de um estudo das universidades de Witwatersrand (África do Sul) e da própria Oxford. Esse estudo preliminar indicou “proteção mínima” das duas doses contra infecções de tipo leve e moderado da variante sul-africana do novo coronavírus.
A informação foi publicada pelo diário britânico Financial Times no sábado (6). No dia seguinte, a Universidade de Oxford publicou um comunicado confirmando que a vacina teve eficácia “substancialmente reduzida” contra infecções leves e moderadas decorrentes da variante B.1.351 do novo coronavírus nos testes realizados com jovens sul-africanos. Desde sua descoberta, esta variante do vírus já foi encontrada em 31 países.
Segundo o ministro da Saúde sul-africano, Zweli Mkhize, o governo vai dar continuidade ao programa de imunização utilizando as versões desenvolvidas pela Johnson & Johnson e Pfizer até que o conselho de cientistas do país dê mais orientações acerca da vacina de Oxford-AstraZeneca.
Até domingo (7), de acordo com dados da Universidade Johns Hopkins, o país havia registrado 1,4 milhão de casos e mais de 46 mil mortes por covid-19.
Em estudo divulgado como pré-print (ainda sem revisão de outros cientistas da área), pesquisadores das universidades de Witwatersrand e Oxford analisaram o desempenho da vacina em um experimento clínico com cerca de 2.000 voluntários sul-africanos, com idade média de 31 anos: parte deles recebeu a vacina, e o outro grupo recebeu um placebo.
De acordo com os dados preliminares, a vacina demonstrou “alta eficácia” contra a primeira variante do vírus Sars-CoV-2 (o novo coronavírus). Entretanto, contra infecções leves e moderadas provocadas pela variante posteriormente identificada na África do Sul, no fim de 2020 , a eficiência foi significativamente reduzida. Quase não houve diferença no número de infectados pela nova variante entre os dois grupos analisados:
19
pessoas foram infectadas pela variante B.1.351 entre os 748 participantes que foram vacinados
20
pessoas foram infectadas pela variante B.1.351 entre os 714 participantes que receberam placebo
Isso corresponde a uma proteção de apenas 10%, e os pesquisadores não têm confiança de que a porcentagem continuará igual caso a vacina seja administrada a uma amostra maior da população.
A análise considerou como infecção de tipo “leve” o desenvolvimento de ao menos um sintoma de covid-19 . A eficácia ante manifestações mais graves da covid-19 (incluindo necessidade de hospitalização ou morte) não foi avaliada neste estudo específico.
Segundo Shabir Madhi, diretor da unidade de pesquisa de doenças infecciosas da Universidade de Witwatersrand e responsável pelos ensaios clínicos na África do Sul, um outro estudo (ainda não publicado) indica que a vacina seria suficientemente eficaz contra casos graves de covid-19.
“Essas descobertas fazem repensar como abordar o vírus pandêmico e mudar o foco , de uma meta de imunidade de rebanho contra a transmissão para uma proteção de todos os indivíduos de risco na população contra casos graves”, ponderou, em comunicado, em 7 de fevereiro.
Pessoa é testada para covid-19 durante período de lockdown na cidade de Lenasia, África do Sul
Em nota à imprensa, a universidade britânica informou que pretende trabalhar no desenvolvimento de uma segunda linha da vacina, adaptada para as variantes do vírus.
“Estão em andamento os esforços para desenvolver uma nova geração de vacinas que permitirá que a proteção seja redirecionada para variantes emergentes, se for necessário”, disse Sarah Gilbert, professora de vacinologia da Universidade de Oxford.
“Esse estudo confirma que o coronavírus vai encontrar caminhos para continuar a se espalhar em populações vacinadas, o que é esperado, mas, considerando os resultados promissores de outros estudos na África do Sul usando vetor viral similar, as vacinas podem continuar a aliviar o peso dos sistemas de saúde por prevenir casos graves da doença”, acrescentou Andrew Pollard, que lidera o experimento clínico da vacina de Oxford.
Mutações são comuns , fazem parte da evolução de epidemias virais e, portanto, são esperadas. Os vírus invadem células para se multiplicarem e, durante o processo, podem ocorrer alterações. Quando há muitas mutações, surgem variantes ou cepas (grupo de microorganismos da mesma espécie, mas com marcas genéticas distintas). Os resultados dessas mutações são imprevisíveis: os vírus podem tanto se fortalecer, quanto se enfraquecer. As mutações não necessariamente os torna mais transmissíveis ou letais, é preciso investigar caso a caso.
Até o início de fevereiro, 10 vacinas contra o novo coronavírus tinham sido aprovadas para o uso limitado ou emergencial ao redor do mundo, e outras 20 em desenvolvimento estavam sendo testadas na fase 3, a última etapa dos ensaios clínicos. Todas elas são baseadas no sequenciamento genético do novo coronavírus encontrado na China, no final de 2019. Desde então, foram detectadas três variantes do vírus : no Reino Unido , no Brasil e na África do Sul.
Além da vacina de Oxford, as vacinas da Pfizer/BioNTech e da Moderna também tiveram eficácia menor contra a variante sul-africana. Estudos indicaram que elas tiveram eficácia superior a 90% nos ensaios clínicos com o coronavírus “original”, mas de 50% a 60% no caso da variante B.1.351. A vacina da Novavax teve 49,4% de eficácia; a da Janssen (Johnson & Johnson), 57%.
Embora a eficácia dos imunizantes tenha se mostrado menor com variantes como a da África do Sul, as vacinas aprovadas ainda funcionam e deveriam ser aplicadas o mais rápido possível , de acordo com orientações da OMS . “Quanto mais pessoas são infectadas e mais tempo isso persiste, maior a probabilidade de ter mais variantes”, disse Helen Rees, presidente do grupo técnico consultivo de imunização na África da OMS, à agência Bloomberg, em 30 de janeiro. “A velocidade é essencial na vacinação.”
Laboratórios como Johnson & Johnson e Moderna anunciaram que estão elaborando versões das vacinas especialmente para a nova estirpe. “Precisamos ter muita cautela porque esse vírus é traiçoeiro, como todos nós aprendemos da maneira mais dura no ano passado”, disse Stéphane Bancel, chefe-executivo da Moderna, ao Financial Times, em 26 de janeiro. “Não podemos ficar parados agora, porque levaria meses para termos uma vacina pronta caso precisarmos.”
Além de agilidade e cautela, transparência nas informações é essencial no desenvolvimento de imunizantes, destacou o pesquisador Gregory Poland, editor-chefe da revista médica Vaccine e referência mundial no estudo das vacinas, em entrevista à BBC News Brasil, em 5 de fevereiro. “Vivemos num mundo em que as pessoas estão desconfiadas da ciência, das instituições e dos governos. E, em meio à desconfiança, precisamos ser radicalmente transparentes e honestos sobre as vacinas.”
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