Como a falta de critérios na fila afeta a vacinação no Brasil
Estêvão Bertoni
09 de fevereiro de 2021(atualizado 28/12/2023 às 22h57)Ministro Ricardo Lewandowski deu prazo de cinco dias para Ministério da Saúde definir ordem de preferência de grupos prioritários
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Trabalhadores da saúde fazem fila para receber Coronavac em centro de convenções em Curitiba, no Paraná
O ministro Ricardo Lewandowski, do Supremo Tribunal Federal, determinou na segunda-feira (8) que o Ministério da Saúde defina em até cinco dias a ordem de preferência na fila da vacinação contra a covid-19. Segundo ele, a distribuição das doses entre os grupos prioritários atualmente em execução não tem seguido uma “racionalidade” e precisa se basear em “critérios técnico-científicos” para que exista “clareza” sobre quais pessoas serão vacinadas primeiro.
A decisão atendeu a um pedido da Rede Sustentabilidade. O partido de oposição alegou que o plano apresentado pelo governo federal em janeiro é muito genérico, o que abre brechas para “situações de injustiças”, com grupos furando a fila e prejudicando quem mais precisa do imunizante num primeiro momento. A desorganização tem gerado problemas em várias regiões do país.
“Ao que parece, faltaram parâmetros aptos a guiar os agentes públicos na difícil tarefa decisória diante da enorme demanda e da escassez de imunizantes, os quais estarão diante de escolhas trágicas a respeito de quais subgrupos de prioritários serão vacinados antes dos outros”, diz trecho da decisão .
Até segunda-feira (8), 3,8 milhões de pessoas haviam recebido a vacina no Brasil. O número representa apenas 1,8% da população. Com quase 10 milhões de casos de covid-19 confirmados, o país registrava 233.520 mortos pela doença na terça-feira (9).
O papel de coordenar o PNI (Programa Nacional de Imunizações) e de desenhar a estratégia de vacinação em todo o país, definindo o público-alvo das campanhas, é do Ministério da Saúde. Os estados recebem as vacinas e as distribuem aos municípios, que executam a vacinação de acordo com os critérios do governo federal.
Em dezembro, o órgão divulgou um plano operacional de vacinação com três etapas iniciais que incluíam entre os grupos prioritários profissionais de saúde, idosos, indígenas, quilombolas e pessoas com comorbidades. Ao todo, eram 49,6 milhões de pessoas.
Devido à escassez de vacinas, os estados e os municípios ficaram livres para adequar as prioridades às realidades locais. A vacinação começou em janeiro em todo o país com profissionais de saúde e idosos — e, em algumas regiões, indígenas e quilombolas. Mas a falta de um rigor na definição das prioridades, mesmo entre os profissionais de saúde, abriu brechas para que algumas pessoas furassem a fila.
Além disso, outros grupos foram sendo acrescentados. Em janeiro, a revista Piauí revelou que o veterinário Laurício Monteiro Cruz, que dirige o Departamento de Imunização e Doenças Transmissíveis do Ministério da Saúde, assinou um ofício para incluir sua categoria entre os grupos prioritários. Ele preside o Conselho Regional de Medicina Veterinária do Distrito Federal. O ministério afirmou à revista que o cronograma de vacinação é constantemente atualizado e “dependerá de vacinas disponíveis”.
Ainda em janeiro, a pasta atualizou o plano de vacinação contra a covid-19 e ampliou o público-alvo para 77 milhões de pessoas , divididas em 27 categorias, como professores, caminhoneiros e militares. O documento não definia uma ordem de vacinação entre esses grupos, aumentando a confusão sobre a sequência a ser seguida.
A falta de critérios criou confusão em várias regiões do país. Em São Gonçalo, no Rio de Janeiro, a prefeitura decidiu vacinar profissionais de saúde de qualquer idade. Como resultado, trabalhadores que atuam na área mas vivem em municípios vizinhos viajaram até a cidade para serem vacinados, e os imunizantes acabaram , comprometendo a aplicação da segunda dose.
Em Petrópolis, também no Rio, o Ministério Público decidiu investigar denúncias de que servidores administrativos da rede municipal de saúde se vacinaram antes de médicos que atendem pacientes com covid-19.
Em São Paulo, também por falta de critérios claros, o Hospital das Clínicas chegou a vacinar funcionários jovens da área de relações institucionais, que não estão na linha de frente do combate à pandemia, enquanto outras instituições receberam vacinas em quantidade insuficiente para imunizar todos do grupo prioritário.
Em Manaus, cidade duramente afetada pela pandemia, a Justiça chegou a suspender por 24 horas a vacinação em janeiro por causa de denúncias de que pessoas foram vacinadas sem pertencerem aos grupos prioritários.
Para frear a pandemia do novo coronavírus, algo entre 80% e 90% da população precisa ser vacinada para que haja um resultado coletivo favorável, segundo representantes da Sociedade Brasileira de Imunizações.
Apenas duas vacinas estão disponíveis atualmente: a Coronavac e a vacina de Oxford, feita em parceria com o laboratório anglo-sueco AstraZeneca. As empresas Pfizer/BioNTech pediram à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) o registro definitivo para sua vacina, mas ainda não há um acordo de distribuição com o governo federal.
Para ampliar o número de vacinas, além das 10 milhões já fornecidas aos estados, a Anvisa vem sendo pressionada a facilitar as regras de liberação dos imunizantes. O órgão já desistiu, por exemplo, de exigir a realização de testes da fase 3 dos ensaios clínicos em voluntários brasileiros.
Parlamentares também aprovaram uma medida provisória obrigando a agência a autorizar o uso emergencial de uma vacina num prazo de cinco dias caso ela tenha aval de agências reguladoras internacionais. A decisão foi interpretada como uma tentativa de esvaziamento do órgão, mas tende a beneficiar vacinas como a Sputnik, que já tem acordo com empresas brasileiras para a produção no país.
Um grupo de empresários liderado por Luiza Helena Trajano, do Magazine Luiza, anunciou na segunda-feira (8) a criação de um movimento para tentar acelerar a vacinação e ajudar o SUS (Sistema Único de Saúde) a ter mais vacinas contra a covid-19. Segundo a empresária, a meta é atingir a cobertura de todos os brasileiros até setembro deste ano.
Até terça-feira (9), apenas 42,55% das vacinas entregues aos estados tinham sido aplicadas, segundo o portal MonitoraCovid-19 , da Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz). Caso o ritmo seja mantido, a cobertura de 100% só seria alcançada em 2024.
Dados da consultoria Economist Intelligence Unit, divulgados pelo jornal O Globo no domingo (7), mostram que o Brasil só conseguiria começar a vacinar o público não prioritário a partir de setembro de 2021 e só alcançaria a meta de ampla cobertura vacinal em meados de 2022.
Para isso, seria necessário manter medidas de contenção da pandemia, como o distanciamento social. A empresa fez a análise com base na capacidade de compra de vacinas dos países e de sua infraestrutura de imunização.
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