O Brasil visto como ameaça por outros países na pandemia
Camilo Rocha
06 de março de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h03)Preocupação com descontrole da covid-19 e surgimento de novas cepas aparece na imprensa e em declarações de autoridades e cientistas estrangeiros
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Pessoas aglomeradas na praia de Ipanema, no Rio de Janeiro, em meio à pandemia de covid-19
Cresce fora do país a preocupação com a situação brasileira na pandemia e os reflexos que ela pode ter internacionalmente. Aqui e ali, despontam vozes na mídia e na ciência que alertam para a falta de controle da covid-19, e como essa realidade facilita o surgimento de variantes mais contagiosas, como a P.1, surgida em Manaus e já detectada nos EUA e Europa.
Na sexta-feira (5), o país registrou 1.760 mortes por covid-19 em 24 horas, de acordo com o consórcio de veículos de imprensa. Foi o quarto dia seguido com número de óbitos diários acima de 1.700. O Brasil é o segundo país em número total de mortes pela doença no mundo, com mais de 262 mil óbitos. Em várias regiões do país, o cenário é de colapso na saúde, com vagas de UTI preenchidas e pacientes em estado grave agonizando em enfermarias.
Apesar da situação, o presidente Jair Bolsonaro segue atacando qualquer tentativa de isolamento social, medida defendida pela comunidade científica como forma de contenção do vírus, mas que ele considera prejudicial à economia. O chefe do executivo chegou a criticar até o uso de máscaras. Na quinta-feira (4), perguntou: “Vão ficar chorando até quando?”
Embora ainda fique atrás dos EUA no total de mortos pela doença causada pelo novo coronavírus, o país já é campeão mundial de novos casos. Segundo dados divulgados pela OMS (Organização Mundial da Saúde) na sexta-feira (5), o Brasil teve 71,7 mil novas ocorrências de covid-19 em um dia, em comparação a 65 mil nos EUA (que tem uma população 56% maior). Isso significa que o país responde por 30% das novas infecções no mundo .
Na sexta-feira (5), o diretor-geral da OMS (Organização Mundial da Saúde), Tedros Adhanon Ghebreyesus afirmou estar “muito preocupado” com a situação da doença no país. “Se o Brasil não for sério, toda a América Latina será afetada. Seriedade é muito importante agora”, declarou à imprensa . “Enquanto em muitos países os números estão decrescendo, no Brasil estão crescendo sem parar”.
Em entrevista ao jornal britânico The Guardian , publicada na quarta-feira (3), o neurocientista brasileiro Miguel Nicolelis instou o mundo a “se pronunciar com veemência a respeito dos riscos que o Brasil representa para o combate à pandemia”. “Qual o sentido de se resolver a pandemia na Europa e nos EUA, se o Brasil continua a ser terreno fértil para o vírus?”, indagou o cientista, que é professor titular do departamento de neurobiologia da Universidade Duke, nos Estados Unidos.
No jornal americano The New York Times , no mesmo dia, foi ao ar uma extensa reportagem que afirma que “nenhum outro país que passou por um surto tão grande [de covid-19] ainda tem de lidar com taxas de mortes recorde e um sistema de saúde à beira do colapso”. “Muitos outros países duramente afetados estão, em vez disso, dando passos cuidadosos na direção de alguma espécie de normalidade”.
O presidente Jair Bolsonaro durante discurso em Goiás
Em artigo de opinião no site da NPR , rádio pública americana, o cientista político canadense Robert Muggah, cofundador do Instituto Igarapé, declarou que os equívocos de Bolsonaro “estão prejudicando esforços globais de combate à pandemia” e que o presidente brasileiro precisa ser pressionado no sentido de pôr “a casa em ordem antes que ele acabe colocando fogo em todas as outras casas”.
Para o Brasil conseguir reverter sua situação, uma das estratégias defendidas por especialistas é uma campanha de vacinação rápida e abrangente. Foi o que disse, por exemplo, Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, a TV Globo em 3 de março . “A melhor coisa a fazer é vacinar as pessoas o mais rápido possível, em maior quantidade possíuvel”, afirmou o diretor em relação ao problema da variante de Manaus. É também o posicionamento da OMS. Dados de quinta-feira (4) apontavam menos de 4% da população vacinada.
A mutação do novo coronavírus surgida no final de 2020 em Manaus é especialmente preocupante para autoridades e especialistas no exterior. Chamada de P.1, ela está associada ao segundo colapso do sistema de saúde do Amazonas, ocorrido entre dezembro e janeiro.
O primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, em visita ao Instituto Jenner, em Oxford, Inglaterra
O aparecimento da mutação está relacionado ao alastramento do vírus sem restrições no país. “O vírus sobrevive fazendo cópias dele mesmo, fazendo multiplicações. Quanto mais ele circular, mais chances a gente dá a ele de fazer essas cópias e, consequentemente, alguma mutação, que pode ser vantajosa para ele”, afirmou o epidemiologista Ethel Maciel , pós-doutora pela Universidade Johns Hopkins e professora da UFES (Universidade Federal do Espírito Santo), ao Correio Braziliense.
Em 25 de janeiro de 2021, Anthony Fauci, diretor do Instituto Nacional de Alergia e Doenças Infecciosas dos Estados Unidos, alertou para o perigo da nova variante . “Se ela [a variante] tem a capacidade de se espalhar de maneira mais eficiente, é provável que se torne cada vez mais dominante, mas temos que esperar para ver”, afirmou à CNN americana.
Do outro lado do Oceano Atlântico , em 1º de março, o primeiro-ministro britânico, Boris Johnson, exaltou a política de fronteira do Reino Unido, “uma das mais duras do mundo”, para tranquilizar cidadãos de seu país quanto à chegada do que chamou de “variante brasileira”, termo que foi adotado por diversos veículos estrangeiros para se referir à mutação P.1.
Ao New York Times , comentando sobre o Brasil, a diretora do Centro para Controle e Prevenção de Doenças dos EUA, Rochelle Walensky, declarou que “nesse nível de casos com variantes se espalhando, existe a possibilidade de perdemos completamente o terreno conquistado a duras penas”.
“Se você deixar o Brasil replicar o vírus de maneira descontrolada, essas variantes podem surgir e viajar para qualquer lugar”, afirmou o virologista Julian Tang, da Universidade de Leicester, Reino Unido, ao site da BBC .”Se você tem um celeiro de produção de vírus num país, se você não controla a transmissão, vai ter mutação ocorrendo por seleção natural, se essas variantes viajam pelo mundo e algumas delas escapam totalmente ou parcialmente às vacinas, é claro que é um risco.”
Pessoas infectadas com a mutação de Manaus já foram detectadas nos Estados Unidos, Reino Unido, Alemanha, Bélgica e Japão, num total de 25 países. São casos individuais ou em números bastante reduzidos, mas o bastante para colocar autoridades em alerta e merecer ampla cobertura na mídia. No Reino Unido, ganhou repercussão uma “caçada” a um viajante não identificado que estaria infectado com a P.1. A operação mobilizou uma equipe de 40 pessoas.
Pesquisadores britânicos ouvidos pela revista New Scientist disseram que a P.1 começaria a se tornar uma ameaça maior no Reino Unido se a mutação atingisse pessoas que ainda não foram vacinadas. Nesse caso, internações e taxas de óbitos poderiam subir outra vez. A circulação maior da nova cepa também forneceria mais chances para o surgimento de outras cepas.
Especialistas também avaliam a ação da nova cepa em pessoas que criaram anticorpos contra Sars-Cov-2, seja porque já se infectaram ou porque foram vacinados. Uma pesquisa coordenada pela imunologista Ester Sabino, professora do Instituto de Medicina Tropical da Universidade de São Paulo, junto com o pesquisador Nuno Faria, da Universidade de Oxford, constatou que a nova variante pode reinfectar pessoas que já tiveram covid-19.
Já em relação às vacinas, os resultados variaram. Um estudo de cientistas brasileiros mostrou que a CoronaVac tem baixa efetividade contra a cepa de Manaus, podendo demandar uma terceira dose da vacina. Já outro estudo, também preliminar, mostrou que o imunizante da Oxford/AstraZeneca consegue barrar a variante P.1.
No total, 17 países não aceitam a entrada de pessoas ou voos que passaram pelo território brasileiro. Os dados são da Iata (Associação Internacional de Transporte Aéreo) e foram compilados pelo jornal Folha de S.Paulo. É o segundo país com mais restrições, depois do Reino Unido.
O Brasil faz parte de uma “lista vermelha” de 33 países, que inclui África do Sul, Emirados Árabes Unidos e Venezuela, elaborada pelas autoridades britânicas. Viajantes vindos desses países precisam cumprir uma quarentena de duas semanas em hotéis no Reino Unido, pagando a estadia do próprio bolso.
Brasileiros estão atualmente impedidos de entrar nos EUA e novos vistos não estão sendo emitidos. Há exceções, como em algumas situações de união civil, parentesco e categorias profissionais. Viajantes de outras nacionalidades que estiveram no Brasil também não podem entrar. Em qualquer dos casos, é preciso seguir uma quarentena de 14 dias, a ser cumprida em um país que não está na lista das nações listadas pelo governo americano como sujeitas a restrição (além do Brasil, a lista inclui África do Sul, China e Reino Unido).
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