As respostas de Argentina e Uruguai aos recordes de covid
João Paulo Charleaux
15 de abril de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h05)Países tidos como modelos no início da pandemia sofrem com aceleração da taxa de contaminação e alta no número de mortos
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Mulheres com máscaras no rosto passam diante de bandeiras do Brasil e do Uruguai, em posto de fronteira
Uruguai e Argentina atingiram na segunda-feira (12) a terceira e a quarta maiores taxas de transmissão do coronavírus no mundo, de acordo com estudo feito pelo Imperial College de Londres. Os dois países sul-americanos ficaram atrás apenas de Índia e Irã.
A taxa de transmissão, representada nos estudos pela sigla Rt, refere-se à estimativa de quantas pessoas estão sendo contaminadas por um único portador do vírus dentro de um determinado país. No Uruguai, essa taxa era de 1,42 – ou seja: cada 100 contaminados estavam passando o vírus para 142. Na Argentina, essa taxa era de 1,37. Para efeito de comparação, o Brasil tinha taxa de 1,06 na mesma data, ocupando a 33ª colocação.
O cálculo das taxas de transmissão é uma ferramenta importante para projetar melhora ou piora no quadro futuro de ocupação de leitos hospitalares e mortes. Taxas inferiores a 1 indicam tendência de queda, enquanto as superiores acendem um alerta de aceleração.
Não é apenas a taxa de transmissão que preocupa os governos de Uruguai e Argentina. Os números de contaminados, o número de mortos, a taxa de ocupação de leitos de enfermaria e de UTI também têm crescido, o que leva à adoção de novas rodadas de medidas restritivas que trazem consigo alto custo econômico e social, resultando em pressão política e insatisfação popular com ambos governos.
A deterioração do quadro no fim do primeiro trimestre de 2021 contrasta com o manejo exitoso que uruguaios e argentinos ostentaram ao longo de 2020. Em setembro de 2020, o Uruguai era celebrado como um dos países menos afetados do mundo pela pandemia, perdendo apenas para micronações isoladas do Caribe e da Oceania. Na mesma época, a Argentina era vista como exemplo latino-americano de “ achatamento da curva ” de transmissão, com adoção de medidas uniformes de redução da circulação nas ruas.
Mulher recebe vacina Sputnik V em Avellaneda, perto de Buenos Aires, na Argentina
Ao longo do primeiro trimestre de 2021, essa situação foi mudando para pior. O Uruguai bateu o recorde mundial de novas infecções por grupos de 100 mil habitantes – foram 1.370 diagnósticos positivos da covid-19 no país na primeira quinzena de abril. No mesmo período, nenhum outro país do mundo registrou mais de 1.000 novos casos por 100 mil. No Brasil, por exemplo, foram registrados 335,65 novos casos por 100 mil habitantes, nesta terça-feira (14).
O crescimento no número de mortos também foi grande no Uruguai. Na segunda-feira (12) foram 71 óbitos em 24 horas, um recorde num país que tem apenas 3,5 milhões de habitantes. A ocupação das UTIs estava em 77%, sendo que 53% dos pacientes internados em terapia intensiva estavam com Covid.
Já a Argentina registrou nesta quarta-feira (14), 368 mortos em 24 horas, o maior índice desde 18 de janeiro, quando 242 pessoas morreram com a doença. Na mesma quarta (14), foram feitos 25.157 diagnósticos positivos da Covid-19.
Na Província de Santiago del Estero, no centro-norte argentino, o crescimento do número de casos foi de 441,8% em 30 dias. Em Neuquén, na fronteira com o Chile, o crescimento foi de 215,8%. Em Buenos Aires, onde vive um terço da população argentina, o aumento foi de 121,3%.
Diante de um diagnóstico comum – do crescimento dos casos de contaminação e morte –, os governos dos dois países sul-americanos têm assumido posturas políticas distintas: na Argentina, as quarentenas rigorosas se tornaram política nacional, enquanto no Uruguai elas foram evitadas a todo custo.
Presidente da Argentina, Alberto Fernández, em sessão do Congresso, antes da quarentena
O presidente da Argentina, Alberto Fernández, não hesitou em implementar um lockdown longo e rigoroso, que foi de março a setembro de 2020, com reedições em versões mais leves na sequência. Já o presidente uruguaio, Lacalle Pou, optou por restrições pontuais – nas aulas presenciais, por exemplo – mas manteve o comércio aberto, para evitar o que ele chamou então de um “Estado policial”.
Apesar disso, nenhum dos dois governos foi contra as recomendações dos especialistas em saúde. Ambos incentivaram o uso de máscaras, a higiene das mãos e o distanciamento entre as pessoas, além de terem advertido para o risco de aglomerações.
Diante da explosão de casos, Fernández anunciou nesta quarta (14) toque de recolher das 20h às 6h na região metropolitana de Buenos Aires – onde vive um terço da população –, assim como o fechamento de comércio e restaurantes a partir desta sexta-feira (16).
O país inteiro suspenderá as aulas presenciais a partir de segunda-feira (19). Todas as medidas valem até 30 de abril, e incluem a proibição de missas e cultos em locais fechados, assim como as atividades culturais e esportivas.
No Uruguai, o governo decretou a suspensão das aulas presenciais até maio, com possibilidade de extensão da medida por um novo prazo não informado. As atividades culturais, como cinemas, shows e teatros, estão proibidas. Porém, o comércio, incluindo bares e restaurantes, continua aberto.
A piora no quadro da pandemia no Uruguai e na Argentina trouxe consigo alto custo político tanto para Fernández quanto para Pou, mesmo que os dois presidentes tenham aderido a receituários diferentes para lidar com a crise.
O presidente argentino, que é de esquerda, tornou-se alvo de críticas da oposição, de direita, por ter adotado medidas consideradas restritivas demais. Já o presidente uruguaio, que é de direita, tornou-se alvo de críticas da esquerda por ter adotado medidas restritivas de menos.
Presidente do Uruguai, Lacalle Pou, em comício em Montevidéu
Nos dois países, vêm ocorrendo panelaços. Das janelas de casa, pessoas gritam palavras de ordem contra os dois presidentes, com Pou sendo criticado pelo relaxamento e Fernández, pelas restrições.
A perda de popularidade é maior para o líder argentino. Fernández – que foi diagnosticado no início de abril com uma forma branda do vírus depois de ter recebido as duas doses da Sputnik-V – viu a aprovação a seu governo passar de 67% para 28% em um ano. O índice é exatamente ao oposto o que ele tinha em abril de 2020: 67% de aprovação e 28% de reprovação à época.
Já Pou entrou no mês de abril de 2021 com 58% de aprovação ao seu governo e 24% de desaprovação. O índice permanece estável e reflete o relativo bom desempenho de seu governo ao longo da pandemia. Porém, os protestos se tornaram mais frequentes à medida que os casos de contaminação e morte cresceram.
Nas redes sociais, os panelaços passaram a ser organizados sob a hashtag #UruguayCacerolea (Uruguai bate panela). Opositores do presidente postam vídeos gravados das janelas de casa, como também ocorre contra Jair Bolsonaro no Brasil.
O clima político é mais intenso na Argentina do que no Uruguai por causa da proximidade das eleições legislativas, marcadas para 24 de outubro, quando uma parte do Congresso será renovada (127 dos 257 deputados e 24 dos 72 senadores), além da renovação das assembleias de oito províncias (estados).
O embate maior se dá entre a direita, reunida em torno do bloco Juntos pela Mudança, ligada ao ex-presidente Mauricio Macri, e o bloco de esquerda Frente de Todos, que vive tensões internas entre a corrente peronista, mais ligada a Fernández, e a corrente kirchnerista, mais ligada à vice dele, Cristina Kirchner.
Em relação à vacinação, o avanço é lento especialmente para os argentinos . Até esta quarta-feira (14), 11,06% da população argentina tinha recebido pelo menos uma dose de vacina. O índice é semelhante ao do Brasil (11,38%). No Uruguai, esse percentual era de 27,81%, o que representa mais que o dobro da vacinação brasileira, mas é menos que o percentual obtido, por exemplo, pelo Chile (39,35%).
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