Por que países antecipam metas ambientais na Cúpula do Clima
Mariana Vick
22 de abril de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h28)Presidente dos EUA promete cortar emissões de gases de efeito estufa pela metade até 2030, em vez de 2050. Promessa é mais ambiciosa do que Acordo de Paris e foi seguida por outros países
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O presidente dos EUA, Joe Biden, em transmissão online da Cúpula do Clima
O presidente dos EUA, Joe Biden, anunciou nesta quinta-feira (22) novas metas climáticas para o país durante a abertura da Cúpula de Líderes sobre o Clima, evento convocado pelo governo americano para discutir a agenda ambiental com outros chefes de Estado.
O democrata anunciou que os EUA irão cortar 50% de suas emissões de gases de efeito estufa até 2030. O compromisso representa quase o dobro da redução de emissões até essa data que os EUA haviam anunciado durante a assinatura do Acordo de Paris , tratado global pelo clima, que foi aprovado em 2015.
“Os EUA colocam-se no caminho para reduzir os gases de efeito estufa pela metade até o fim da década. É para esse lugar que estamos indo como nação. E é isso que podemos fazer, se agirmos para construir uma economia que não seja apenas mais próspera, mas mais saudável, justa e limpa para todo o planeta”
Com a medida, Biden afirmou que os EUA terão chances de zerar suas emissões líquidas de carbono até 2050 (ou seja, o país chegará a algo como a “neutralidade climática”, com redução intensa de lançamento de gases e compensação dos restantes). O anúncio foi visto com otimismo por ambientalistas.
O presidente americano foi seguido por representantes de outros países que anunciaram metas climáticas mais ambiciosas que as definidas em 2015. Na quinta-feira (22), representantes da União Europeia, do Japão e do Canadá também afirmaram que irão reduzir suas emissões pela metade até 2030.
O presidente francês, Emmanuel Macron, chegou a dizer no evento que “2030 é o novo 2050”, isto é, compromissos marcados para a metade do século deverão ser adiantados para o fim desta década. A frase sintetizou a disposição de parte dos participantes do evento de criar metas no mais curto prazo.
40
é o número de líderes mundiais que participam da Cúpula do Clima; evento acontece de forma on-line
Em seu discurso, Joe Biden afirmou que agir para mitigar os efeitos da mudança climática é urgente. Para ele, este é “um momento imperativo ” em termos morais e econômicos, e não se pode mais negar as consequências do aquecimento global. “Não temos escolha, temos que fazer isso”, disse.
O discurso de Biden deu destaque a ações globais para responder à mudança climática. Mesmo com seu anúncio de redução drástica de emissões, o presidente americano afirmou que “ nenhuma nação pode resolver essa crise por conta própria”, pedindo “um passo à frente” de todos os países da cúpula.
O presidente ressaltou o papel das grandes economias em reduzir suas emissões e ajudar os países mais pobres na agenda climática. O discurso repetiu uma mensagem que Biden vinha discutindo com líderes estrangeiros desde semanas antes da cúpula, na tentativa de estabelecer compromissos coletivos mais ambiciosos que os do Acordo de Paris.
O presidente dos EUA, Joe Biden, caminha em área de painéis solares na cidade de Plymouth
A cientista política e professora do Centro de Estudos em Negócios Internacionais da UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) Ariane Roder considera o posicionamento de Biden um dos principais motivos para a antecipação de metas climáticas de outros países desenvolvidos.
“Como os EUA são uma grande potência global, com capacidade de influência e pressão, fica mais fácil sincronizar os movimentos globais na direção que se quer”, disse ela ao Nexo . “Eu diria que há mais forças remando na mesma direção [da agenda climática], mas uma dessas forças de fato faz a diferença na aceleração dessa corrente.”
Com a iniciativa conjunta, pela primeira vez os países fazem metas condizentes com o objetivo de limitar o aquecimento global a 1,5ºC, como propõe o Acordo de Paris. Em 2018, relatório do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da ONU) mostrou que, para não aumentar ainda mais a temperatura média do planeta, os governos deveriam cortar suas emissões pela metade até 2030.
1ºC
é quanto a temperatura média do planeta aumentou desde o período pré-industrial, no século 18; Acordo de Paris propôs limitação desse número a qualquer valor abaixo de 2ºC, mas, idealmente, a 1,5ºC
Nem todos os participantes da cúpula adotaram a mesma proposta de Biden. Líderes de países como China, Índia, Rússia e Brasil não fizeram promessas de cortar suas emissões pela metade até 2030. O presidente chinês, Xi Jinping, porém, afirmou que quer trabalhar com os EUA na agenda climática e pretende sair do pico de emissões de carbono para atingir a neutralidade antes de 2060.
Com o evento, “o próximo passo é o acompanhamento dos planos nacionais de implementação dessas metas, controlando socialmente e cuidadosamente o que ficará e o que de fato sairá do plano discursivo”, afirmou Roden ao Nexo .
O presidente da COP-26 (Conferência das Nações Unidas sobre Mudança Climática de 2021), Alok Sharma, afirmou na cúpula que a iniciativa de Biden permitiu avanços, mas que espera ações mais efetivas, “à altura da urgência” do aquecimento global. “Precisamos de mais passos”, disse. “[A mudança climática] é o problema fundamental da época política que vivemos.”
Outra razão para a predisposição inédita em assumir mais metas para o clima é a pandemia do novo coronavírus, segundo Roder. A crise da covid-19 “vem sinalizando que questões ambientais e sanitárias serão cada vez mais frequentes, ultrapassam fronteiras e exigem cooperação internacional”, disse.
A relação entre pandemias e a mudança climática é amplamente documentada. Ambas compartilham a mesma causa: a degradação ambiental. Atividades como o desmatamento e a expansão desorganizada da agropecuária não só elevam os níveis de carbono na atmosfera, como podem levar à transmissão de novos vírus .
Estudos apontam que o novo coronavírus surgiu provavelmente de um morcego. Do animal, o vírus acabou se espalhando e se adaptando ao organismo humano. O processo, chamado de “ transbordamento ”, não acontece por acaso, mas pelo contato forçado entre humanos e esses animais, ou o ambiente em que eles vivem.
“A humanidade precisa se reconectar com seu meio, e essa mensagem ficou mais clara neste momento de crise sistêmica”
O aumento de temperaturas também favorece a transmissão de doenças infecciosas, como a dengue. Em editorial na revista The Lancet, em 2020, cientistas que apontaram os efeitos da mudança do clima nos sistemas de saúde afirmaram que, como problemas ambientais e sanitários estão entrelaçados, eles devem ser tratados em conjunto .
O debate sobre a degradação ambiental e a pandemia levou países a pensarem em projetos de retomada verde — nome dado à recuperação da economia após a crise da covid-19 por meio de investimentos em setores não poluentes. Entre esses países estão os EUA, que, por meio de Biden, dizem querer avançar na agenda climática.
O presidente Jair Bolsonaro também discursou nesta quinta-feira (22) na Cúpula do Clima. Por cerca de três minutos, Bolsonaro falou das vantagens comparativas do Brasil na área ambiental (como os biomas, a biodiversidade e a energia limpa) e pediu “ justa remuneração ” pela preservação florestal no país.
O discurso foi marcado pelo tom moderado em comparação com as falas anteriores de Bolsonaro. Em uma delas, ele chegou a acusar ONGs pelo desmatamento na Amazônia. A fala, porém, foi também marcada por mentiras sobre a preservação ambiental no país e sobre as contribuições brasileiras para a mudança climática.
Em contraste com presidentes como Biden, que anteciparam compromissos para esta década, Bolsonaro repetiu metas previstas na assinatura do Acordo de Paris, com poucas informações novas. Entre suas promessas, estão a neutralidade climática até 2050 e “eliminar o desmatamento ilegal até 2030”, o que, segundo ele, deve reduzir em 50% as emissões do país. O número, no entanto, é questionado .
Em entrevista ao Nexo , Ariane Roder afirmou que o discurso de Bolsonaro sinaliza “uma predisposição” para a cooperação internacional, depois de “uma trajetória de resistência em avanços” na agenda climática. Ela afirma, porém, que “será necessário olhar com lupa” as ações que o governo tomará para cumprir as metas que anunciou.
“O Brasil não tem trilhado nessa direção. A gestão de Bolsonaro e de [Ricardo] Salles [ministro do Meio Ambiente] tem sido marcada por recordes em desmatamento e pelo desmonte das estruturas e do funcionamento do sistema de gestão e fiscalização do meio ambiente. Temos razão para desconfiar se de fato o que foi dito no plano discursivo será posto em prática”
Ambientalistas também viram com desconfiança o discurso de Bolsonaro. “O Brasil sai da cúpula dos líderes como entrou: desacreditado ”, disse Marcio Astrini, secretário-executivo do Observatório do Clima, em nota publicada pela organização. Para ele, Bolsonaro pediu dinheiro “por conquistas ambientais anteriores, que seu governo tenta destruir desde o dia da posse”.
O discurso de Bolsonaro foi visto como “positivo” e “construtivo” pelo governo dos EUA, que desde a posse de Biden pressiona o Brasil para assumir compromissos com o clima e a preservação da Amazônia. A credibilidade de Bolsonaro com os americanos, porém, irá depender de “ planos sólidos ”, segundo eles.
A Cúpula do Clima foi convocada pelo presidente americano, Joe Biden, em um esforço para assumir a liderança mundial da agenda climática, que havia sido negligenciada pelo governo dos EUA de 2016 a 2020, sob o mandato de seu antecessor, Donald Trump.
O presidente americano tornou a agenda do clima uma das prioridades de seu governo. Em janeiro de 2021, Biden pôs os EUA de volta no Acordo de Paris — do qual os americanos haviam saído por decisão de Trump — e, em abril, anunciou um plano trilionário de infraestrutura para reduzir emissões e gerar empregos.
15%
das emissões de gases do efeito estufa vêm dos EUA; eles são o segundo maior emissor do mundo, atrás da China, com 26% das emissões
O evento que dura dois dias e termina na sexta-feira (23) não terá espaço para fechamento de acordos, segundo diplomatas, mas deve servir para antecipar discussões e metas que serão formalizadas na COP-26, a Conferência das Partes sobre o clima, que reúne todos os países.
A COP-26 está marcada para novembro, na Escócia. Na reunião de 2021, os países que assinaram o Acordo de Paris irão revisar as metas que estabeleceram em 2015. Em seus cinco primeiros anos de vigência, o tratado foi marcado pelo anúncio de compromissos importantes, mas ações insuficientes de governos.
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