Expresso

Brasil, 400 mil mortos: quais as chances de novas ondas

Estêvão Bertoni

28 de abril de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h06)

País atinge marca no mês mais letal da pandemia, mas com queda nas médias de casos e mortes. Especialistas consideram que reaberturas devem causar novos surtos da doença

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FOTO: UESLEI MARCELINO/REUTERS – 27.ABR.2021

Imagem mostra homem agachado acendendo vela em frente a uma cruz fixada no chão, no gramado em frente ao Congresso Nacional, que aparece ao fundo; atrás dele há centenas de outras cruzes brancas

Homem acende vela em protesto contra as 400 mil mortes pela covid-19 em frente ao Congresso Nacional, em Brasília

O Brasil alcançou nesta quinta-feira (29) a marca de 400 mil mortes pela covid-19 pouco mais de um mês depois de registrar 300 mil vítimas da doença. O número revela a aceleração da pandemia em 2021: num intervalo de apenas 36 dias, o país somou mais 100 mil mortes. Esse aumento ocorreu em menos da metade dos 76 dias necessários para o Brasil saltar dos 200 mil óbitos, em janeiro, para 300 mil, em março.

O mês de abril se encerra como o mais letal desde o início da pandemia do novo coronavírus, e as mortes por covid-19 nos quatro primeiros meses de 2021 já superam todos os óbitos pela doença em todo o ano de 2020. No primeiro ano da crise sanitária, o Brasil teve 194.976 mortes num período de 289 dias. Neste ano, a marca foi superada em 25 de abril, quando o país somou 195.949 óbitos em apenas 113 dias.

No final de abril, as médias móveis de casos e mortes (que consideram os sete dias anteriores) estavam em queda , mas num patamar ainda considerado muito alto. Na segunda-feira (26), pela primeira vez durante a pandemia, nenhum estado apresentou tendência de alta nos óbitos, segundo levantamento do consórcio de veículos de imprensa.

A evolução da pandemia

A evolução das mortes por covid-19 no Brasil

Especialistas são cautelosos sobre a queda. Mesmo com a gravidade da crise sanitária, vários estados decidiram afrouxar as medidas restritivas em abril, o que pode ter impacto nos números nas próximas semanas, freando a tendência ou mesmo revertendo-a.

A vacinação, considerada a única esperança de frear a doença no país, ainda caminhava em ritmo muito lento no país até o final de abril, devido à falta de imunizantes em quantidade suficiente para uma população de 210 milhões de habitantes.

14,29%

da população recebeu ao menos uma dose da vacina contra a covid-19 até quarta-feira (28), segundo o consórcio de veículos de imprensa; a proporção de vacinados com as duas doses era de 6,61%

O risco de novas ondas

Com a escassez de vacinas, as medidas restritivas são ainda mais importantes no combate à covid-19. Os estados, porém, adotaram uma política de ziguezague de abre e fecha das atividades não essenciais que não tem sido eficiente para controlar a transmissão do vírus.

As aberturas têm ocorrido seguindo parâmetros de ocupação de leitos de UTIs (Unidades de Terapia Intensiva). Quando a ocupação cai, os estados liberam determinadas atividades como bares e restaurantes.

“Existe um erro básico que é usar como indicador a taxa de ocupação de UTI. Isso não é um indicador epidemiológico, é um indicador administrativo”, afirmou na terça-feira (27) ao jornal El País Brasil o médico epidemiologista Paulo Lotufo, que é professor da USP (Universidade de São Paulo).

Segundo ele, os números ainda devem cair mais um pouco antes de haver uma nova subida causada pelas reaberturas (que costumam ser sentidas duas semanas depois de ocorrerem devido ao tempo de incubação do vírus, que é de 14 dias).

“A questão é qual será a magnitude desta subida. Ninguém imaginou, por exemplo, que essa segunda subida fosse tão acentuada como foi. Se as coisas continuarem como estão, em julho já existe uma possibilidade de terceira onda”, afirmou. Ele lembrou ainda que novas aglomerações devem ocorrer por causa do Dia das Mães, em 9 de maio.

A dinâmica das epidemias

Segundo o pesquisador em saúde pública Leonardo Bastos, do Procc (Programa de Computação Científica) da Fiocruz (Procc/Fiocruz), que trabalha com modelagem estatística de doenças infecciosas, existe uma dinâmica de altas e baixas que é comum às epidemias.

“Em Manaus, por exemplo, nada foi feito, [a epidemia de covid-19] simplesmente subiu e desceu. As epidemias têm esse tipo de perfil”, afirmou em entrevista ao Nexo no final de março. O pesquisador disse existir uma quantidade de pessoas suscetíveis à infecção andando o tempo todo nas ruas, e a maioria dessas pessoas já se contaminou e parou de transmitir o vírus. Com isso, as curvas de casos e mortes caem.

O problema, segundo ele, é que, além dessas pessoas, existe ainda um número grande de gente que “está em casa, que está evitando sair, que está usando máscara”. “Essas pessoas em algum momento podem se infectar também”, disse. Outros países na Europa, como o Reino Unido, e os Estados Unidos também registraram mais de uma onda.

A pandemia no mundo

Número de óbitos pelo novo coronavírus no Brasil em comparação com outros países

Na segunda-feira (26), o pesquisador escreveu em suas redes sociais que, caso a taxa de letalidade do coronavírus seja de 1%, com 400 mil óbitos, o Brasil teria 40 milhões de casos. Isso significa que cerca de 20% da população brasileira teria se infectado em algum momento desde fevereiro de 2020, quando o país registrou o primeiro caso.

Mas ainda existem 80% que podem ficar doentes. “Há muita gente suscetível, veremos outras ondas. A dúvida é: quando será a próxima?”, escreveu.

“Claro que uma boa cobertura vacinal é a melhor forma de reduzirmos o impacto das próximas ondas. Mas o ritmo atual não vai impedir as próximas ondas. Tomara que sejam menos intensas. Infelizmente, as ondas virão. Epidemias funcionam assim, temos os ingredientes”

Leonardo Bastos

pesquisador da Fiocruz

Os novos picos acontecem por causa das flexibilizações das medidas, segundo Bastos. “No Rio de Janeiro, a gente teve uma onda, um pico em novembro, aí caiu. Em março, subiu de novo, porque relaxou. As pessoas vêem que a situação não está tão séria quanto em outros lugares, e aí começou a subir de novo”, afirmou ao Nexo, em março.

A lentidão da vacinação

A doutora em saúde pública Suzana Pasternak, que é professora da FAU (Faculdade de Arquitetura e Urbanismo) da USP, diz que previsões sobre novas ondas são difíceis de serem feitas. “A influenza, na Gripe Espanhola, foi embora mesmo sem vacina. Tudo bem que as pessoas tinham menos contato antigamente, eram mais isoladas, mas ela desapareceu de repente. Não dá para garantir que esse vírus [o novo coronavírus] vai desaparecer”, afirmou ao Nexo.

Segundo ela, um dos problemas é que a vacinação ainda está muito lenta no Brasil. “Nós temos ainda um estoque grande de gente não vacinada, infelizmente. Elas têm chance de se infectar, não quer dizer que vão ser. Eu não sei se elas não foram infectadas ainda porque são imunes, ninguém sabe. Em Manaus, depois da primeira onda, a gente tinha achado que a cidade estava livre porque todo mundo que deveria morrer, morreu. E teve uma segunda onda tenebrosa”, disse.

Ela lembra que o efeito da vacinação entre os mais velhos já pode ser sentido no Brasil. O número de internações de pessoas nas faixas dos 80 e dos 90 anos já desacelerou em abril , no pior da pandemia, enquanto houve um aumento nas demais faixas etárias.

A pesquisadora diz que os governos ficam “sem saída” em relação às medidas restritivas. “Do lado sanitário, sou obrigada a dizer que [a abertura das atividades no atual estágio da pandemia] é prematura. De outro, também sou obrigada a dizer que tem gente morrendo de fome. Quando percorro um pouco São Paulo, vejo gente recolhendo comida no lixo. Não via isso há muito tempo. Como manter o mínimo de restrição sem auxílio financeiro e, ao mesmo tempo, sem ter dinheiro para ter mais auxílio financeiro?”, disse.

Uma vacinação rápida, de acordo com a pesquisadora, conseguiria fazer com que o vírus parasse de circular, e isso interromperia a epidemia. “Agora, abrindo tudo com o vírus ainda circulando loucamente, tenho medo que possa [ter uma nova onda]. Não é que vai acontecer, mas existe chance de ter um ataque maior do vírus”, afirma.

Colaboraram Caroline Souza e Gabriel Zanlorenssi

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