Expresso

Perdeu algo da CPI da Covid? Veja o que aconteceu até aqui

Fernanda Boldrin

13 de maio de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h10)

Das provas apresentadas por ex-integrantes do governo, passando por xingamentos e ameaças de prisão e fechando com o protagonismo dos filhos de Bolsonaro, leia um resumo das duas primeiras semanas da comissão

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FOTO: JEFFERSON RUDY /AGÊNCIA SENADO – 13.MAI.2021

Representante da Pfizer, Carlos Murillo depõe na CPI da Covid no Senado

Representante da Pfizer, Carlos Murillo depõe na CPI da Covid no Senado

Ex-presidente da Pfizer Brasil e atual gerente-geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo prestou depoimento na CPI da Covid na quinta-feira (13). Ele indicou que o governo brasileiro deixou de fechar acordos que tinham potencial de garantir que o país tivesse 4,5 milhões de doses a mais de imunizantes da farmacêutica até março de 2021. Murillo ainda detalhou quais nomes da parte brasileira estiveram envolvidos nas negociações com a empresa e relatou o passo a passo dos contratos, citando ao menos cinco acordos que o governo federal deixou de fechar.

Com isso, a comissão parlamentar de inquérito conclui sua segunda semana de depoimentos. O colegiado, formado por senadores, investiga a gestão do combate à pandemia feita pelo governo de Jair Bolsonaro e os repasses de recursos federais a estados e municípios. As informações colhidas até o momento dão munição à visão de que a gestão federal do combate à covid-19 foi marcada por omissões e pressões por medidas ineficazes, com prejuízo ao Programa Nacional de Imunização.

Seis depoentes já foram ouvidos pela CPI. Ao longo das sessões, senadores governistas tumultuaram os trabalhos com questões de ordem e buscaram chamar atenção para a apuração envolvendo estados e municípios, desviando assim o foco do governo federal sem sucesso. Os senadores críticos ao governo, por sua vez, centraram foco no que apontam como erros deliberados do governo na condução da pandemia. E dizem que a comissão já colheu evidências disso.

O Nexo elenca abaixo os principais pontos dos depoimentos até agora, das evidências que pesam contra o governo às rixas que fizeram subir o tom na comissão.

Luiz Henrique Mandetta: carta a Bolsonaro

Ex-ministro da Saúde do governo Bolsonaro, Luiz Henrique Mandetta foi demitido do cargo em abril de 2020, após divergências com o presidente no enfrentamento à pandemia. Ele inaugurou a fase de depoimentos em 4 de maio com fortes críticas à gestão do governo Bolsonaro, de quem se tornou opositor. Seu relato indica não só que o governo se omitiu em temas relevantes, mas também que o presidente agiu deliberadamente contra orientações científicas no enfrentamento à covid-19.

Mandetta disse que apresentou a Bolsonaro projeções que o país poderia atingir 180 mil mortes até o fim de 2020 (o ano encerrou com cerca de 194 mil óbitos pela doença). Mesmo assim, o presidente descartou medidas recomendadas por cientistas, como o isolamento social. Mandetta também entregou à CPI uma carta escrita por ele e endereçada a Bolsonaro. O documento data de março de 2020. Nela, o ex-ministro alerta para o risco de “colapso no sistema de saúde” caso o presidente não revisasse seu posicionamento. O documento foi visto como uma prova de que o mandatário foi alertado da gravidade da situação e mesmo assim agiu em sentido contrário.

Mandetta afirmou também que Bolsonaro manteve um “ assessoramento paralelo ” sobre medidas a serem tomadas no enfrentamento à pandemia. Ou seja, de acordo com o ex-ministro, o presidente se baseava em aconselhamentos de fora do Ministério da Saúde. O ex-ministro citou ainda a presença de Carlos Bolsonaro, filho do presidente, em reuniões. Carlos é vereador no Rio e não tem qualquer cargo formalmente relacionado à gestão da pandemia. Ele tampouco é da área da saúde.

O ex-ministro disse também que o Planalto avaliou modificar a bula da cloroquina por meio de decreto presidencial para indicar o uso do medicamento contra a covid-19. O medicamento é considerado ineficaz para o tratamento da doença. Além disso, Mandetta afirmou que o governo não quis fazer uma campanha de comunicação oficial contra a covid-19, algo considerado essencial por especialistas para o enfrentamento da doença. A comunicação do governo na pandemia é uma das linhas que os senadores pretendem investigar.

Nelson Teich: pressões pela cloroquina

Médico como Mandetta, Nelson Teich assumiu o Ministério da Saúde em abril de 2020. Menos de um mês depois, em maio, pediu demissão do cargo. À CPI, Teich comentou sua breve passagem pelo cargo e explicou por que deixou o posto esse foi o ponto central de seu depoimento. Diferentemente de Mandetta, Teich foi monocórdico.

Segundo a depor na CPI, ele disse que deixou a pasta porque não teve a autonomia e a liderança que julgava necessárias. Citou como exemplo a defesa do presidente Jair Bolsonaro por estender o uso da cloroquina para tratar a covid-19, medida à qual ele se disse contrário.

O depoimento do ex-ministro dá força à visão de que o presidente Jair Bolsonaro pressionou pelo uso de medidas ineficazes, minando a atuação do próprio Ministério da Saúde.

Apesar disso, Teich evitou desferir críticas diretas ao mandatário ou tecer considerações sobre o impacto das atitudes do presidente para a saúde da população. Ele disse, em diversos momentos, que precisaria de números ou estudos mais apurados para indicar, por exemplo, se as aglomerações promovidas por Bolsonaro sem máscara teriam impacto no espalhamento do vírus. Somadas a diversos momentos em que o oncologista disse não se lembrar sobre o assunto que estava sendo questionado, as evasivas irritaram os senadores críticos ao governo, que buscavam falas mais incisivas.

Marcelo Queiroga: respostas evasivas

O cardiologista Marcelo Queiroga foi o terceiro a depor na CPI da Covid. Atual ministro da Saúde, ele é o quarto a assumir o posto no governo Bolsonaro, depois de Luiz Henrique Mandetta, Nelson Teich e do general da ativa Eduardo Pazuello o militar alegou suspeita de covid-19 e teve seu depoimento adiado para 19 de maio.

Queiroga, que assumiu a pasta em março de 2021, prestou depoimento à CPI em 6 de maio. Entre os principais pontos do depoimento, o ministro admitiu que a pasta divulgou um número inflado de doses de vacinas contratadas. O governo federal vinha divulgando o número de cerca de 560 milhões de doses até o final de 2021. Na comissão, ao ser questionado sobre o tema, Queiroga reiterou a versão. Após ser corrigido por um auxiliar, falou em 430 milhões de doses .

O que marcou o relato do ministro, porém, foi o tom evasivo. Ele desviou de criticar as atitudes do presidente Jair Bolsonaro no enfrentamento à pandemia. Seu depoimento chegou a ser apontado como um “ show de omissão ” por analistas.

Questionado insistentemente sobre se compartilhava da mesma opinião do presidente sobre o tratamento precoce, especialmente sobre o uso da cloroquina para pacientes de covid-19, por exemplo, Queiroga se absteve de responder . Alegou que há correntes divergentes na medicina e que a questão precisa de um “posicionamento técnico”. Atualmente, porém, já existe um consenso científico contra o medicamento, abandonado pelas principais entidades médicas internacionais.

Ele também evitou responder sobre medidas de isolamento social e as reiteradas investidas do presidente que são contrárias à medida, e evitou ainda comentar os reiterados ataques de Bolsonaro à China o país é considerado fundamental para o plano de imunização contra a covid-19, já que é um dos principais fornecedores de insumos e vacinas.

Antonio Barra Torres: contrariando o amigo

Diretor-presidente da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), Antonio Barra Torres depôs na CPI da Covid na terça-feira (11). Depois do depoimento evasivo de Queiroga, o relato de Barra Torres surpreendeu. Tido como um amigo íntimo do presidente Jair Bolsonaro, ele não poupou críticas ao mandatário e defendeu atitudes respaldadas na ciência para enfrentar a pandemia.

Contra-almirante da Marinha e médico com atuação num hospital naval, Torres foi indicado por Bolsonaro para chefiar a agência, onde tem um mandato fixo até 2024. Em seu depoimento à CPI da Covid, Torres se opôs ao uso da cloroquina, disse que os estudos disponíveis apontam que o remédio é ineficaz contra a covid-19 e confirmou a realização de uma reunião no Palácio do Planalto onde foi aventada a mudança da bula do remédio para estender seu uso contra a doença. Ele disse que vetou a iniciativa, confirmando o que Mandetta já havia dito à CPI.

O chefe da Anvisa também foi questionado por senadores sobre um ato de apoio a Bolsonaro realizado em março de 2020, ao qual Torres compareceu sem usar máscara. Ele se disse arrependido e que, depois do episódio, nunca mais participou de eventos do tipo.

Fabio Wajngarten: contradições e admissões

Ex-chefe da Secom (Secretaria Especial de Comunicação Social) do governo Bolsonaro, Fabio Wajngarten protagonizou a sessão de depoimentos mais acalorada até o momento, realizada na quarta-feira (12). O publicitário foi convocado para explicar as declarações dadas à revista Veja no final de abril, em que dizia ter havido “ incompetência ” do Ministério da Saúde ao não responder à carta da Pfizer.

Ao tratar do tema na CPI, ele foi acusado pelos senadores de mentir ao negar ter chamado o ex-ministro da Saúde Eduardo Pazuello de incompetente em entrevista à revista Veja. Presente à CPI na condição de testemunha, Wajngarten estava obrigado de dizer a verdade, sob o risco de ser preso em flagrante delito se não o fizesse. Durante a sessão, a revista Veja divulgou o áudio da entrevista , que os senadores reproduziram em seguida. O relator da comissão, Renan Calheiros (MDB-AL), chegou então a pedir a prisão de Wajngarten, mas o presidente da CPI, Omar Aziz (PSD-AM), disse que não o faria.

O depoimento contou com diversas contradições , e o tema da prisão de Wajngarten foi debatido na comissão em vários momentos. Em meio à pressão sobre o ex-auxiliar do governo e com a base governista expressando pouca capacidade de reação, o senador Flávio Bolsonaro (Republicanos-RJ), filho do presidente Jair Bolsonaro, causou tumulto ao chamar Renan de “ vagabundo ”. “Imagina a situação, um cidadão honesto sendo preso por um vagabundo como Renan Calheiros”, disse o primogênito de Bolsonaro, que também mandou o relator “se foder”. O alagoano respondeu citando as suspeitas de rachadinhas contra Flávio. A prisão de Wajngarten, ao fim, não ocorreu. Os parlamentares determinaram o envio do depoimento de Wajngarten ao Ministério Público para apurar possível crime de falso testemunho .

Em meio ao tumulto e às contradições, uma parte do depoimento de Wajngarten foi destacada por Aziz. O ex-chefe da Secom admitiu que uma carta que tratava da oferta de vacinas pela Pfizer ao Brasil, enviada em setembro de 2020 à cúpula do governo federal, ficou dois meses sem resposta. Ele entregou uma cópia do documento aos senadores. “A CPI hoje teve uma informação que nós não tínhamos: que metade da cúpula do governo sabia, desde o dia 2 de setembro, que a Pfizer estava oferecendo vacina para a gente (…). Talvez tenha sido a informação mais importante de toda a CPI”, disse Aziz.

Carlos Murillo: seguidas ofertas recusadas

Ex-presidente da Pfizer Brasil e atual gerente geral da Pfizer na América Latina, Carlos Murillo esteve à frente das negociações da empresa com o Brasil e depôs na CPI da Covid na quinta-feira (13). Seu depoimento expôs que o governo federal ignorou uma série de ofertas de imunizantes. O primeiro contrato do Brasil com a Pfizer foi assinado apenas em março de 2021, mas conforme o depoimento de Murillo, as tratativas tiveram início em maio de 2020 e a empresa chegou a fazer três ofertas já em agosto daquele ano sem resposta.

Em 14 de agosto de 2020, segundo ele, foi realizada a primeira oferta. Eram duas possibilidades de compra total: 30 milhões de doses ou 70 milhões de doses, com parte da entrega prevista ainda para o ano de 2020. A Pfizer chegou a fazer uma nova oferta em 18 de agosto e, depois, em 26 de agosto essa sendo a que disponibilizaria o maior número de doses entre o final de 2020 e o início de 2021.

Considerando a oferta de 70 milhões de doses feita em 26 de agosto e detalhada por Murillo, seriam 1,5 milhão de doses ainda em 2020; 3 milhões no primeiro trimestre de 2021, 14 milhões no segundo trimestre, 26,5 milhões no terceiro e 25 milhões até o final do ano. Caso o cronograma se realizasse, portanto, o país poderia ter recebido 4,5 milhões de doses até março de 2021 – foi só nesse mês que um contrato com a empresa, para a compra de 100 milhões de doses, acabou assinado. Murillo ainda relatou mais duas ofertas da Pfizer ao longo de 2020, totalizando ao menos cinco ofertas que o governo brasileiro deixou de assinar. O relato do representante da Pfizer foi considerado importante pelos senadores críticos ao governo, que buscam evidências de que o governo federal atrasou a vacinação.

Ele falou ainda sobre quem esteve envolvido nas negociações. Afirmou que a interlocução foi feita principalmente com o Ministério da Saúde, mas que não chegou a tratar diretamente com Pazuello até novembro de 2020. O representante da Pfizer mencionou ainda que o presidente do Senado, Rodrigo Pacheco, o presidente da Câmara, deputado Arthur Lira, o ministro da Economia, Paulo Guedes e o ex-secretário de comunicação, Fabio Wajngarten, fizeram parte de reuniões ou conversas.

Além disso, ele mencionou que uma representante da área jurídica da Pfizer chegou a se reunir com Wajngarten e que, na ocasião, estiveram presentes Filipe Martins e Carlos Bolsonaro. Segundo ele, Carlos ficou brevemente na reunião e saiu da sala. Filipe Martins ainda permaneceu na reunião. A presença de Carlos citada mais uma vez nas tratativas envolvendo a vacina chamou a atenção dos senadores, que também apuram se o presidente Bolsonaro tinha uma espécie de “conselho paralelo” ao Ministério da Saúde.

Os poderes de uma CPI. E o depoimento de Pazuello

Uma comissão parlamentar de inquérito é um instrumento por meio do qual congressistas podem investigar um fato de interesse público e com relevância na ordem constitucional, legal, econômica ou social do país. O colegiado tem poderes de autoridades judiciais, o que significa que os parlamentares podem coletar provas e convocar testemunhas. Caso as testemunhas mintam, eles podem prendê-las.

A CPI da Covid foi instalada em 27 de abril de 2021. A previsão é de que os trabalhos durem 90 dias, prorrogáveis. Ao final, os senadores podem sugerir indiciamentos, cabendo ao Ministério Público decidir se apresenta denúncias à Justiça. Ou podem ainda apontar possíveis crimes de responsabilidade do presidente Bolsonarocabendo então ao presidente da Câmara, Arthur Lira (PP-AL), decidir se dá prosseguimento a um processo de impeachment.

Por ter o maior potencial de impacto para o Palácio do Planalto, o depoimento do ex-ministro da Saúde e general da ativa Eduardo Pazuello é um dos mais aguardados da comissão. Na quinta-feira (13), a AGU (Advocacia Geral da União) acionou o Supremo Tribunal Federal para garantir a ele o direito de ficar em silêncio ao depor à CPI. O órgão argumenta que ele não pode ser obrigado a produzir provas contra si mesmo. A AGU pede ainda que Pazuello possa levar um advogado e que tenha garantido o direito de não sofrer ameaças ou constrangimentos físicos ou morais, como a prisão.

ESTAVA ERRADO: Uma versão anterior deste texto citava27 de abril de 2020 como data da instalação da CPI da Covid. Na verdade, a comissão foi instalada em 27 de abril de 2021. O texto foi corrigido às 15h50 de 13 de junho de 2021.

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