Qual a amplitude política dos protestos contra o governo
Mariana Vick
31 de maio de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h09)Bolsonaro minimiza manifestação nacional, diz que só esquerda e PT foram às ruas e afirma que ‘faltou erva’ para mobilizar mais a oposição. Dois professores analisam os impactos do primeiro grande ato pelo impeachment do presidente
Manifestante segura cartaz contra Jair Bolsonaro em protesto em Brasília
O presidente Jair Bolsonaro minimizou os protestos que no sábado (29) reuniram milhares de pessoas pelo país para condenar as ações do governo federal na pandemia e pedir por seu impeachment , na maior mobilização da oposição desde o início da crise do novo coronavírus .
Em declaração para apoiadores na segunda-feira (31), Bolsonaro ironizou o perfil dos manifestantes, afirmou que “ pouca gente ” foi às ruas no fim de semana e se referiu aos atos como da esquerda e “do PT”, embora a sigla não tenha participado formalmente da organização.
“Você sabe por que teve pouca gente nessa manifestação da esquerda, agora, no último fim de semana? Porque a PF [Polícia Federal] e a PRF [Polícia Rodoviária Federal] estão apreendendo muita maconha pelo Brasil. Faltou erva para o movimento ”
Organizados por centrais sindicais, partidos de esquerda e movimentos sociais, os atos de sábado (29) quebraram o monopólio dos governistas nas ruas – até agora evitadas pela oposição pelos riscos sanitários – num momento de desgaste de Bolsonaro. A gestão do presidente é investigada na CPI da pandemia no Senado. Ele tem queda inédita na aprovação popular.
49%
dos brasileiros apoiam o impeachment de Bolsonaro, enquanto 46% se dizem contrários, segundo pesquisa Datafolha de maio de 2021
O agravamento da crise da covid-19, que registrou mais de 462 mil mortes de brasileiros até segunda-feira (31), também impulsionou os protestos. A justificativa para ir às ruas e criar aglomerações, prática não recomendada pelas autoridades sanitárias, foi de que Bolsonaro é mais perigoso do que o vírus.
Muitos manifestantes levaram cartazes para relembrar parentes e figuras públicas vitimadas pela doença. Quase todos eles usavam máscaras de proteção, algo que não ocorre nas manifestações governistas.
O Nexo conversou com dois analistas políticos sobre a amplitude das manifestações contra o governo federal de 29 de maio e suas possíveis repercussões para o cenário político. São eles:
ANDREA FREITAS Com todas as dificuldades que a pandemia trouxe para os protestos de rua, essa foi uma manifestação grande. Mas ampla? Não tenho certeza. Embora eu tenha visto pessoas com diferentes posturas — e embora atos como o de São Paulo tenham sido muito expressivos para terem tido exclusivamente pessoas de esquerda —, os protestos tiveram ainda presença muito forte dos movimentos sociais, dos sindicatos e dos partidos de esquerda.
Os grupos que foram às manifestações — aqui incluindo os que não se identificam tanto com a esquerda — mostraram apenas que têm um adversário em comum: Bolsonaro. Não dá para falar de uma coalizão entre esses grupos [para além da pauta dos protestos]. Foram manifestações amplas, mas é uma antecipação falar em uma espécie de frente ampla.
PABLO ORTELLADO Os protestos do dia 29 não expressam uma mobilização do tipo frente ampla. Eles foram convocados pela esquerda, e o público que participou dos atos é de esquerda. Os protestos não necessariamente são contrários ao projeto de uma frente ampla, mas não têm a característica desse tipo de mobilização.
Mesmo dentro da esquerda as manifestações não foram representativas. Chama a atenção o papel muito ambíguo das lideranças do PT, que apoiaram nominalmente as manifestações, mas não as convocaram nem se engajaram nelas. Me refiro principalmente aos nomes que o partido tem — o ex-presidente Lula e Fernando Haddad — como eventuais candidatos à Presidência.
Mas, embora não sejam um esboço de frente ampla, as manifestações de agora não são um obstáculo para sua formação. Os protestos de esquerda podem se somar a outros da direita democrática e do centro. Eventualmente, se ocorrerem essas manifestações, elas podem convergir mais adiante em um movimento com formato de frente ampla.
Os protestos também não favorecem a polarização — até porque eles não estão necessariamente alinhados com as estratégias eleitorais do PT, que busca desgastar lentamente o governo Bolsonaro para que ele seja derrotado nas urnas. Colocando no horizonte o impeachment, as manifestações propõem uma solução [para Bolsonaro] de curto prazo que gera muito mais instabilidade e pode atrapalhar a estratégia petista.
ANDREA FREITAS Os protestos de agora contribuíram significativamente para o impeachment: mostraram que há uma quantidade grande de pessoas insatisfeitas — e não só com o governo de forma geral, mas especialmente com a gestão da pandemia. Os cartazes nos atos fizeram menção a questões ligadas à covid-19, como o número de mortos no país, mostrando que o governo não está dando conta de administrar o grande desafio que é essa crise. Com essas manifestações, o governo fica em uma situação complicada.
Mas acho que ainda é preciso mais para que o impeachment vire uma realidade. Talvez seja preciso haver movimentações sistemáticas nas ruas. Pelo que sabemos da dinâmica de impeachment, sabemos que [para o presidente cair] é preciso haver forte presença das pessoas nas ruas. Em geral, pressão da mídia, crise econômica ou eventual crime do presidente não são suficientes para que o impeachment vire realidade. Mas estamos em uma situação complicada para manter as pessoas na rua. Embora grande parte da sociedade considere as manifestações positivas, há também preocupação com aglomerações e a possível terceira onda da covid-19. Nesse contexto, apoiadores do presidente podem usar [as aglomerações] em seu discurso [para deslegitimá-las].
Os protestos do dia 29 colocaram pedras na balança. Se pensarmos que tínhamos uma balança equilibrada — mas que poderia pender para o impeachment —, colocamos [com as manifestações] uma pedra nessa balança [a favor da queda do presidente]. Mas falta mais um pouco para a balança desequilibrar de vez.
PABLO ORTELLADO Os protestos do dia 29 efetivamente recolocam no horizonte o impeachment. Mas, embora tenham sido muito grandes — foram seguramente a maior mobilização desde que a pandemia começou, e talvez tenham sido a maior desde os protestos contra o ex-presidente Michel Temer (MDB), em 2017 —, essas manifestações, sozinhas, não são o bastante. São suficientes para colocar o impeachment no horizonte, mas não para empurrar de fato esse processo.
Para o impeachment acontecer, as manifestações têm que se sustentar no tempo — e não sabemos se isso vai acontecer. Deve depender do entusiasmo das lideranças para convocar mais manifestações neste ano e do público, porque as convocações têm que ser atendidas. A dinâmica das mobilizações é bastante imprevisível. Às vezes, uma grande manifestação é seguida por outra de pequena expressão, e às vezes elas vão crescendo. É difícil antever o que vai acontecer na próxima convocação. Nem sempre “amanhã vai ser maior”.
Além disso, para o impeachment acontecer o índice de aprovação de Bolsonaro [atualmente em 24%, segundo o Datafolha] precisa cair — seja por essas mobilizações ou por efeito delas combinado com outras questões, como a crise econômica, a situação da pandemia ou algum tropeço do governo. Sem que o apoio ao governo caia pelo menos pela metade, é muito difícil, politicamente, que o Congresso encampe o processo de impeachment.
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