Por que o IGP-M perde força como referência de aluguéis
Marcelo Roubicek
29 de junho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h12)Índice sobe 0,60% em junho e acumula mais de 35% de alta em 12 meses. Descolamento com a inflação aos consumidores tem levado a debates sobre novas formas de corrigir os contratos de locação
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O IGP-M – Índice Geral de Preços, conhecido por ser usado para corrigir aluguéis – subiu 0,60% em junho de 2021. O dado foi divulgado na terça-feira (29) pela Fundação Getulio Vargas, instituição que produz o índice.
35,75%
é o IGP-M acumulado em 12 meses até junho de 2021
A alta do índice ocorre em um contexto de descolamento do IGP-M dos principais medidores de inflação ao consumidor do país – o índice dos aluguéis está crescendo mais do que o restante dos produtos consumidos pelos brasileiros. Essa disparidade vem levando inquilinos e locatários a buscarem outras formas de reajustar contratos de aluguel em meio à pandemia do novo coronavírus.
Neste texto, o Nexo explica por que esse descolamento vem ocorrendo e quais são as alternativas para driblar o IGP-M na hora de ajustar o aluguel.
A alta do IGP-M acontece num momento de crescimento da inflação no Brasil. O IPCA – Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo, o principal medidor de inflação do Brasil – acumulou alta de 8,06% em 12 meses até maio de 2021, e está acima do teto da meta do Banco Central. O IPCA de junho será publicado pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística) em 8 de julho.
A alta do IPCA, no entanto, não chega à mesma intensidade da alta do IGP-M. No segundo semestre de 2020, a inflação dos aluguéis – como é conhecido o IGP-M – chegou a ser quase seis vezes a inflação ao consumidor.
A disparidade entre o IPCA e o IGP-M é resultado das diferenças de como os dois índices são calculados. O IPCA mede o preço de produtos para a cesta de consumo média de pessoas com renda entre 1 e 40 salários mínimos – um grupo bastante amplo e diverso. A variação dessa cesta de produtos de um mês para o outro é o que o IBGE divulga todo mês.
O IGP-M, por sua vez, tem um cálculo diferente. Ele também mede os preços ao consumidor, mas isso é apenas uma parte do índice. Na conta entram também preços de matérias primas agrícolas e industriais. O IGP-M é resultado de uma composição de três índices :
Mais da metade do IGP-M, portanto, vem de preços do atacado – preços sentidos pelos produtores, seja na indústria ou na agricultura. E são justamente esses produtos que estão mais em alta desde meados de 2020.
Os índices de preços no atacado são mais suscetíveis às variações do câmbio, já que muitos insumos para a produção são importados e comprados em dólar. O real foi uma das moedas que mais se desvalorizou no mundo em 2020 e, apesar de uma queda no segundo trimestre , segue em patamar alto em 2021.
Além disso, por causa do grande peso dos preços ao produtor, o IGP-M também é sensível às variações das commodities – mercadorias com pouco valor agregado, como minérios metálicos e produtos agropecuários. Desde meados de 2020, os preços desses bens estão crescendo nos mercados internacionais, em um novo boom de commodities impulsionado pela recuperação das potências globais, pelos estímulos de governos pelo mundo e pelas disrupções de cadeias de fornecimento. Esse movimento ajuda a puxar a alta do IGP-M.
O IGP-M foi criado nos anos 1940 “para ser uma medida abrangente do movimento de preços” segundo a FGV. Ou seja, não foi criado pensando especificamente nos aluguéis.
Não há, na lei brasileira, nada que diga que os contratos precisam ser reajustados pelo IGP-M. A lei do inquilinato , de 1991, determina apenas que os contratos indiquem um índice para o reajuste, e que as correções não podem ocorrer antes de um período de 12 meses. A adoção do IGP-M para corrigir contratos de locação é uma herança do período da hiperinflação no Brasil – que foi dos anos 1980 até meados dos anos 1990, quando foi lançado o Plano Real.
No início da década de 2020, no entanto, há discussões para usar outros índices nessa função. Até mesmo economistas da FGV já admitiram a possibilidade de criar um novo índice para refletir melhor os preços do mercado de aluguéis – a iniciativa está em fase de estudos preliminares.
Além disso, inquilinos e locatários têm negociado cada vez mais contratos usando o IPCA para correção, e não o IGP-M. Segundo o site 6 Minutos, em empresas de locação de imóveis, como Lello e QuintoAndar, mais da metade dos novos contratos estão incluindo o IPCA como índice de correção do aluguel.
Há também casos de ajustes que são negociados abaixo do IGP-M, mesmo sendo esse o índice adotado do contrato. Não à toa, os preços médios dos aluguéis não têm acompanhado a alta do IGP-M. Especialistas recomendam negociar com os locatários para não precisar reajustar tão agressivamente o aluguel em um momento de crise econômica, com a renda em baixa .
Fabio Gallo, professor de finanças da FGV-EAESP (Escola de Administração de Empresas de São Paulo da Fundação Getulio Vargas), disse ao Nexo no início de 2021 que na hora de reajustar o aluguel, “ a primeira instância é negociar ; a segunda, é negociar; e a terceira, é negociar”. “Se não der certo, então o melhor é negociar com o locador para sair de uma forma a conseguir um outro imóvel com aluguel que seja mais compatível com seu bolso”, disse.
O descolamento do índice de aluguéis da inflação também virou assunto no Congresso Nacional. O deputado Vinicius Carvalho (Republicanos-SP) apresentou em março de 2021 um projeto de lei que determina que a correção dos contratos de locação não poderá ser maior que o IPCA acumulado desde o último ajuste. O texto tramita em regime de urgência , mas está parado na Câmara.
O projeto de lei enfrenta resistências por parte do governo e de alguns setores da economia. Segundo reportagem do jornal O Estado de S. Paulo, a equipe econômica do governo de Jair Bolsonaro entende que os contratos de locação são privados, e não deve haver interferência estatal. O Executivo também teme uma onda de disputas judiciais em torno das renovações de contrato, o que pode gerar insegurança jurídica no país.
Há também a pressão de associações de donos de shoppings, que entendem que seriam prejudicados pela medida – isso em um contexto já de diminuição das receitas por causa da pandemia.
Além disso, há a preocupação de instituições financeiras que administram fundos imobiliários. Muitos desses fundos investem em prédios comerciais e shoppings e, portanto, têm boa parte da rentabilidade associada aos aluguéis. A correção pelo IPCA, assim, poderia levar a uma diminuição dos retornos desses fundos.
Ao jornal O Estado de S. Paulo, Carvalho reconheceu que o texto sofre pressão de empresários . “Embora legítimo, existe sim o movimento daqueles que são contrários ao projeto. Enquanto isso, há milhares de inquilinos residenciais e comerciais sendo prejudicados”, disse o deputado.
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