Expresso

Prevaricação: o novo inquérito contra Bolsonaro no Supremo

Isabela Cruz

02 de julho de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h12)

Relatora Rosa Weber abre segunda investigação oficial contra o presidente, desta vez no caso Covaxin, que envolve suspeitas na compra de vacinas contra a covid

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FOTO: ALAN SANTOS/PR – 9.JUN.2021

Imagem mostra o presidente Jair Bolsonaro segurando um microfone durante discurso. Atrás dele, há um telão com a imagem da bandeira do Brasil

O presidente Jair Bolsonaro, durante evento em igreja de Anápolis, em Goiás

A ministra Rosa Weber, do Supremo Tribunal Federal, autorizou na sexta-feira (2) a abertura de um inquérito para investigar o presidente Jair Bolsonaro pela suspeita de crime de prevaricação no caso Covaxin .

Trata-se da segunda investigação oficial instaurada contra Bolsonaro desde que ele tomou posse, em janeiro de 2019. A primeira se refere às suspeitas de interferência política na Polícia Federal a fim de proteger aliados políticos.

Neste texto, o Nexo mostra quais são as novas suspeitas contra o presidente, explica o que é prevaricação e lista os próximos passos judiciais do caso Covaxin.

Como o caso chegou ao Supremo

O caso Covaxin chegou ao Supremo na segunda-feira (28), com o ingresso de uma notícia-crime protocolada pelos senadores Randolfe Rodrigues (Rede-AP), vice-presidente da CPI da Covid, Fabiano Contarato (Rede-ES) e Jorge Kajuru (Podemos-GO).

Uma notícia-crime é um comunicado de crime feito às autoridades, que, a partir dos indícios apresentados, decidem se uma investigação é necessária ou não. Durante a pandemia, várias notícias-crime contra Bolsonaro foram arquivadas por inciativa da Procuradoria-Geral da República.

A notícia-crime do caso Covaxiné baseada nos depoimentos dos irmãos Luis Miranda, deputado federal pelo DEM do Distrito Federal, e Luis Ricardo Miranda, servidor da Saúde e chefe do departamento de importações do Ministério da Saúde. A ministra Rosa Weber foi escolhida relatora do caso por sorteio eletrônico.

O que disseram os irmãos Miranda

À CPI o deputado Luis Miranda confirmou o que vinha dizendo em entrevistas anteriores: numa reunião em 20 de março de 2021 no Palácio da Alvorada, residência oficial da Presidência, ele e seu irmão alertaram Bolsonaro sobre irregularidades nos contratos para a compra da Covaxin, imunizante indiano. Eles suspeitam de superfaturamento e favorecimento indevido à empresa contratada.

O parlamentar acrescentou no depoimento à comissão que Bolsonaro reagiu da seguinte maneira: “é mais um rolo do Ricardo Barros ”, em referência ao líder do governo na Câmara, deputado federal pelo PP do Paraná. O presidente teria ainda dito que informaria a Polícia Federal sobre as irregularidades.

A declaração é importante porque, se confirmada, revela que o presidente tinha indícios de crime fortes o suficiente – inclusive com o nome do suposto articulador do esquema – para acionar as autoridades responsáveis por investigar irregularidades. A Polícia Federal não tinha nenhum inquérito aberto sobre o caso antes que as denúncias dos irmãos Miranda se tornassem públicas.

“Que presidente é esse que tem medo de pressão de quem está fazendo o errado? De quem desvia dinheiro público de gente morrendo por causa dessa p… de covid”

Luis Miranda (DEM-DF)

deputado federal, em depoimento à CPI da Covid, no dia 25 de junho de 2021

O que dizem Bolsonaro e aliados

Bolsonaro tem insistido na tese de que o governo não pode ser acusado de corrupção, uma vez que o pagamento pela Covaxin, negociado com a intermediária Precisa Medicamentos, não chegou a ser desembolsado pelo governo.

Os senadores governistas Marcos Rogério (DEM-RO) e Jorginho Mello (PL-SC) afirmaram à CPI que Bolsonaro encaminhou as suspeitas ao general Eduardo Pazuello, que à época estava se despedindo do Ministério da Saúde, na prática dividindo o cargo com o recém-nomeado Marcelo Queiroga. Pazuello teria então promovido uma apuração interna, sem encontrar qualquer problema. Tampouco foram apresentadas provas dessa apuração.

Em vídeos que gravou para integrantes do Ministério da Saúde e revelou apenas após deixar a pasta, Pazuello afirma que, enquanto ministro, foi pressionado por uma “liderança política” para atender a uma série de demandas orçamentárias, sem esclarecer a quem se referia. O general também disse que “todos querem um pixulé no fim do ano”. Pixulé é termo que costuma ser utilizado como sinônimo de propina.

A hesitação da Procuradoria-Geral

Inicialmente, a Procuradoria-Geral da República, comandada por Augusto Aras, nome indicado por Bolsonaro desrespeitando a tradicional lista tríplice do Ministério Público Federal, não quis dar um parecer sobre a notícia-crime. A equipe de Aras enviou à relatora Rosa Weber um pedido para que só pudesse decidir investigar ou arquivar o caso após o fim dos trabalhos da CPI da Covid no Senado, que apura, no âmbito parlamentar, as ações e omissões do governo federal na pandemia.

Rosa Weber, porém, determinou que Aras tomasse uma posição, como deve acontecer nos casos de notícia-crime. Sob pressão, a Procuradoria-Geral, então, pediu a abertura de inquérito. Um inquérito que tem como suspeita inicial contra o presidente da República o crime de prevaricação.

O que é o crime de prevaricação

Pelo Código Penal, o crime de prevaricação se configura quando um agente público “ retarda ou deixa de praticar , indevidamente, ato de ofício”, para “satisfazer interesse ou sentimento pessoal”. Isto é, quando alguém da máquina pública deixa de realizar suas obrigações funcionais, por um motivo pessoal. A pena é de detenção de três meses a um ano, mais multa.

Os senadores argumentam que Bolsonaro, seja porque participou do esquema, seja porque quis proteger aliados, deixou, indevidamente, de dar encaminhamento à denúncia que recebeu dos irmãos Miranda, violando seus deveres como chefe da administração federal e, portanto, prevaricando.

“Tudo indica que o sr. presidente da República, efetiva e deliberadamente, optou por não investigar o suposto esquema de corrupção levado a seu conhecimento pelo deputado federal Luis Miranda e por seu irmão”

notícia-crime

apresentada ao Supremo em 28 de junho de 2021

Para que o crime de prevaricação se configure, é desnecessário provar se houve ou não problemas no contrato da Covaxin, ou mesmo prejuízo aos cofres públicos. Basta que se prove que, sabendo de indícios de crime, o presidente nada fez, por interesse ou sentimento pessoal.

Não é necessário haver prejuízo material, imediato e concreto. O prejuízo sempre diz respeito à probidade, ou seja, aos deveres do cargo. O crime está no perigo gerado ao bom funcionamento da administração pública, ainda que fique só no perigo , afirmou ao Nexo a professora de direito penal Raquel Scalcon, da Fundação Getulio Vargas.

Sobre eventuais crimes de corrupção, Scalcon destacou que eles se configuram a partir do momento em que o funcionário público solicita vantagem indevida a um particular ou aceita uma promessa de que receberá uma vantagem indevida. A não realização de pagamentos, portanto, não é imprescindível para que haja crime.

Os problemas do contrato

O contrato para aquisição da Covaxin, assinado com a Precisa Medicamentos, previa a entrega de 20 milhões de doses da vacina a um custo total de cerca de R$ 1,6 bilhão. Entre outras particularidades do negócio, as doses eram uma das mais caras encomendadas pelo Brasil, a negociação ocorreu em tempo recorde, e a Precisa e outras empresas do mesmo sócio têm histórico de irregularidades nos contratos com o Ministério da Saúde.

A entrega dos imunizantes deveria ocorrer “de forma escalonada entre os meses de março a maio” de 2021, segundo informou o Ministério da Saúde à época. Mas, até junho, nenhuma dose chegou. Com isso, apesar do empenho (reserva) do montante acordado no Orçamento federal, não houve pagamentos à Precisa por parte do governo. Na terça-feira (29), um dia depois da apresentação da notícia-crime, o Ministério da Saúde suspendeu o contrato . Integrantes do governo ainda avaliam a possibilidade de cancelar a compra por completo.

Os próximos passos do caso

Depois das investigações, a iniciativa de denunciar Bolsonaro ao Supremo, para que o presidente se torne réu e responda a processo criminal, cabe ao procurador-geral da República. Aras, que tem feito uma gestão marcada por uma blindagem do presidente, pode ser reconduzido ao cargo em setembro de 2021 por mais dois anos.

Se houver uma denúncia criminal, o processo só pode ser aberto pelo Supremo após autorização da Câmara dos Deputados. Antecessor de Bolsonaro, Michel Temer foi denunciado mais de uma vez pela Procuradoria-Geral, mas as denúncias acabaram barradas no Congresso.

Bolsonaro já responde a um inquérito criminal no Supremo. Em abril de 2020, o tribunal atendeu à Procuradoria-Geral e autorizou a abertura de uma investigação diante da suspeita de interferência presidencial na Polícia Federal, após acusações feitas por Sergio Moro, ex-ministro da Justiça e ex-juiz da Lava Jato. O caso está parado porque os ministros ainda não definiram se ouvem Bolsonaro por escrito ou presencialmente.

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