Como a variante delta ameaça a retomada econômica pelo mundo
Marcelo Roubicek
20 de agosto de 2021(atualizado 28/12/2023 às 23h18)Crescimento de casos leva a lockdowns na Ásia e perda de confiança nos EUA e na Europa. Cepa ainda não é dominante no Brasil
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Ruas vazias durante lockdown em Wellington, na Nova Zelândia
O avanço da variante delta do coronavírus é motivo para preocupação global na área da saúde e na economia. A cepa, mais transmissível que as outras, tem levado a ressurgimento de casos mesmo em locais onde a pandemia parecia estar controlada e a vacinação já estava em estágio mais avançado.
Conforme a delta passa a representar fatia maior dos casos em diferentes países pelo mundo, aparecem os primeiros sinais de impacto econômico . Os indícios de uma desaceleração – ou até recuo – da atividade causada pela variante vão desde novas restrições à circulação em alguns países até a perda da confiança de empresários e consumidores.
Neste texto, o Nexo mostra quais são os sinais de impacto econômico e mostra como a variante lança incertezas em torno da retomada da atividade global.
No início de agosto, a variante delta já era responsável por 93% dos novos casos de covid-19 nos Estados Unidos, segundo dados do CDC (Centro de Controle e Prevenção de Doenças), agência ligada ao Departamento de Saúde americano. Em algumas regiões onde a vacinação estava mais atrasada, a taxa era ainda maior.
Na Europa, a cepa é tida como dominante desde ao menos a primeira metade de julho. Dados do ECDC (centro europeu de controle de doenças) mostram que a variante delta respondia por mais de 94% dos novos casos de covid-19 na semana entre 8 e 14 de agosto.
A delta também tem sido apontada como principal responsável pela explosão de casos de covid-19 na Ásia . Países como Indonésia, Malásia, Vietnã e Tailândia estão entre os mais atingidos . Boa parte dos países da região têm cobertura vacinal baixa em agosto de 2021.
No Brasil, embora os registros da variante delta estejam em crescimento , a variante gama, originada no Amazonas, continua sendo dominante . A expectativa, no entanto, é que os números da delta irão crescer no país inteiro, como já ocorre na cidade do Rio de Janeiro .
A variante delta ganha força pelo mundo cerca de um ano e meio depois do início da crise sanitária global. Nos primeiros meses de 2020, a chegada da pandemia levou a quedas históricas na atividade econômica mundial, movidas principalmente pela adoção de medidas de restrição à circulação.
No início do segundo semestre de 2021, há registros de novas rodadas de lockdown sendo adotadas sobretudo em cidades de países na Ásia e no Pacífico , como Vietnã , Coreia do Sul , Indonésia , Índia , Austrália e Nova Zelândia . A China também adotou restrição de movimentos de algumas cidades após surtos de infecção pela variante delta.
Mas além da retomada de políticas de restrição, há outro mecanismo que tem levado economistas a elevarem o grau de preocupação com relação à variante delta. Em diferentes partes do mundo – como nos EUA e na Europa – há sinais de que as pessoas estão mais hesitantes a sair de casa e consumir.
O impacto econômico do medo do vírus não é algo novo – o isolamento voluntário por receio do contágio também ajudou a derrubar a atividade em 2020. Mas em 2021, o avanço da variante delta traz de volta esse medo mesmo em locais onde a vacinação já estava avançada e os casos estavam em baixa. Isso pode levar a uma desaceleração da retomada econômica.
No Brasil, mesmo com a chegada da variante delta, o isolamento permanece em baixa . Algumas cidades e estados, inclusive, aproveitam a aceleração da vacinação para reabrir atividades. No final de julho, o prefeito do Rio de Janeiro, Eduardo Paes (PSD), anunciou planos para quatro dias de festa em setembro para “celebrar a vida e o fim da pandemia”. Mesmo com o avanço da variante delta na cidade, os planos incluem eventos culturais em diferentes locais da cidade e liberação de público em jogos de futebol e shows. Já em São Paulo, o governador João Doria (PSDB) contrariou as recomendações de especialistas e reabriu o comércio sem restrições de horário e ocupação a partir de 17 de agosto.
As restrições à circulação na Ásia – resultantes principalmente do avanço da variante delta – significam um impacto sobre as cadeias globais de produção. A baixa na atividade asiática tem contribuído para uma escassez global de insumos – como componentes de carros e máquinas, madeira e plástico –, encarecendo e diminuindo a produção de bens que dependem desses materiais.
Além disso, existe um temor especificamente com relação à desaceleração da economia chinesa – movida não só pelo avanço da delta , mas também pela retirada de estímulos do governo local. A perspectiva de uma queda da atividade da China e consequente redução da demanda por produtos de fora já afeta o mercado de commodities como petróleo e minério de ferro – produtos com importante peso nas exportações do Brasil.
Nos EUA, o avanço da delta aparece no movimento menor no comércio a partir do final de julho. Desde então, restaurantes, mercados, academias e outros estabelecimentos do varejo tiveram queda expressiva no número de visitas, segundo dados da consultoria SafeGraph divulgados pelo jornal americano Wall Street Journal.
Esse recuo é atribuído ao maior temor de circular em meio ao crescimento dos casos da variante delta. Dados de confiança do consumidor no país, em queda, também ajudam a ilustrar esse movimento.
Há também efeitos em índices de confiança de empresários pelo mundo. Na Alemanha, as expectativas de produtores pioraram em julho pela primeira vez em 2021, refletindo preocupações com futuras quedas na demanda e com gargalos nas cadeias internacionais de produção. Movimento semelhante ocorreu na Austrália . Na zona do Euro, a confiança de empresários caiu em julho mesmo com as vendas em alta. Nos EUA, cada vez menos pequenos negócios estão otimistas com relação ao futuro.
Entre economistas, o entendimento predominante é que, embora o avanço da delta traga riscos para a retomada global, há poucas chances de que o impacto econômico seja tão profundo quanto no início da pandemia.
Muitos apontam, no entanto, que ainda há muitas incertezas sobre como a delta poderá impactar a economia nos próximos meses. E isso contribui para o ambiente de menor confiança entre empresários e investidores .
Na terça-feira (17) Jay Powell, o presidente do Federal Reserve, o Banco Central do EUA, afirmou que ainda é cedo demais para dizer quanto a economia do país irá sentir o avanço da nova variante. “Ainda não está claro se a tensão da [variante] delta terá efeitos importantes sobre a economia; teremos que ficar atentos a isso”, disse.
Apesar das incertezas sobre como a delta irá impactar a economia global, a ciência vem conseguindo descobrir novos fatos sobre aquela que é tida como a mais preocupante das variantes do coronavírus.
Estudos mostram que o infectado com a delta produz até mil vezes mais vírus no organismo na comparação com outras cepas . Com uma maior carga viral no corpo, o doente tem muito mais chances de transmitir a doença.
Dados do governo britânico também mostraram que a delta é de 40% a 60% mais contagiosa do que a variante alfa, originada no Reino Unido. Um estudo de julho feito por pesquisadores ligados à OMS e ao Imperial College, de Londres, mostrou que a delta é 97% mais transmissível do que o coronavírus original, identificado na China.
Um dos principais fatores de preocupação em torno da delta é que ela tem um escape maior às vacinas. Estudos têm indicado que a taxa de eficácia dos imunizantes da Pfizer e da AstraZeneca após a aplicação da segunda dose é menor numa pessoa infectada com a variante delta. Um outro trabalho do CDC dos Estados Unidos mostrou que a efetividade das vacinas da Moderna e da Pfizer entre moradores de asilos no país caiu de 75%, antes do aparecimento da delta, para 53% depois de seu surgimento.
Há também estudo preliminar (ainda sem revisão de pares) publicado na revista The Lancet sobre a eficácia da CoronaVac contra a variante delta. Os números indicam que a proteção é de 69,5% e 77,7% contra casos graves causados pela variante.
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